Sexo sem censura
Nos anos 1970, carreiras foram
obscurecidas em razão de cenas de sexo explícitas. Quatro décadas
depois, a temática volta às telas. Por que agora é diferente?
Ivan Claudio e Ana Weiss
A lista de recomendações aos pais
elaborada pelo site Internet Movie Database, o maior banco de dados
digital sobre cinema, alinha 21 situações de “sexo pesado” na página do
filme “Ninfomaníaca”, que estreia no dia 10. Dois exemplos: mulher e
homem fazem sexo anal; mulher faz sexo oral em um homem na cabine de um
trem e cospe o seu sêmen. Centrada nas confissões eróticas de uma jovem a
um homem que lhe dá abrigo após encontrá-la inconsciente, a nova
provocação do cineasta dinamarquês Lars Von Trier não se encaixa na
categoria de filme pornográfico. Essa mesma ressalva se aplica a outros
lançamentos recentes, como “Azul É a Cor Mais Quente”, com sua famosa
cena de sete minutos de uma relação lésbica, e “Um Estranho no Lago”,
repleto de sequências de intimidade entre homens numa praia de nudismo. O
fenômeno atingiu também o cinema brasileiro em “Tatuagem”, sobre o amor
entre um ator e um soldado do Exército na Recife dos anos 1970. Cabe
aqui outra observação: o foco não é restrito ao universo homossexual.
Além de “Ninfomaníaca”, “Spring Breakers”, exibido no Festival do Rio e
ainda sem data de lançamento, traz ousadas passagens eróticas
heterossexuais e o mesmo acontece com “Jovem e Bela”, sobre uma
adolescente francesa que se prostitui por diversão.
OUSADIA
Stacy Martin e Shia LaBeouf em "Ninfomaníaca":
substituídos por atores pornôs nas cenas pesadas
No passado, obras como essas eram perseguidas pela censura e acabavam
estigmatizando a carreira de seus atores, como aconteceu com a francesa
Maria Schneider após o escândalo de “O Último Tango em Paris” (1972).
Hoje são premiadas. Pela primeira vez em sua história, o Festival de
Cannes concedeu uma Palma de Ouro conjunta ao diretor e às duas atrizes
de “Azul...”, Abdellatif Kechiche, Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. Em
sua edição de dezembro, a revista francesa “Cahiers du Cinéma”, que
identifica tendências para o mercado, colocou a trinca de filmes “Um
Estranho no Lago”, “Spring Breakers” e “Azul...” como os três melhores
lançamentos de 2013. O que teria mudado dos anos 1970 para os dias de
hoje? “Muito do que foi preconceito durante milênios hoje faz parte da
sociedade e não pode mais ser repreendido, por uma questão até legal,
caso do homossexualismo”, diz Márcia Bittar Nehemy, psicóloga-clínica
especialista em sexualidade humana e autora do livro “Os Deuses e o
Amor”.
INTIMIDADE
A dupla de "Azul...": uso de próteses não torna o sexo menos real
Para a analista, o grande impacto dos filmes talvez se deva ao
constrangimento que o sexo ainda causa em certos setores da sociedade.
Os próprios atores sentem isso na pele. A atriz Charlotte Gainsbourg,
intérprete da ninfomaníaca, no filme chamada apenas de Joe, confessou
que mesmo confiando no diretor sentiu-se desconfortável em certas cenas.
“As situações masoquistas foram bem embaraçosas, tinham um lado
humilhante”, disse ao jornal inglês “The Guardian”. Para evitar isso, os
cineastas vêm adotando práticas que protegem os atores da exposição. Em
“Um Estranho no Lago”, por exemplo, que teve dificuldades na seleção do
elenco, optou-se por dublês. Atores pornôs foram contratados em
“Ninfomaníaca”, como relata a atriz Stacy Martin, que vive Joe
adolescente: “Você está atuando, aí corta e o set torna-se outro. Era
como se dois filmes estivessem sendo feitos ao mesmo tempo.” Quando se
mostra a genitália, recorre-se a próteses de silicone, artifício usado
em “Azul...”.
Se isso facilita – e não coloca mais em risco a imagem dos atores –,
não muda o fato de que o sexo está sendo mostrado de forma gráfica e até
explícita. Segundo a psicóloga Giovanna Lucchesi, especialista em
sexualidade humana e terapeuta de casais, esses filmes vêm a reboque do
que está acontecendo na realidade e não se restringem mais a questões de
gênero. “O que se percebe no consultório e em pesquisas é que as
pessoas deixaram de ver o sexo como segredo e hoje o enxergam como parte
importante do cotidiano e da busca da qualidade de vida”, diz a
psicóloga. Outro fator que corre paralelo a essas mudanças é a exposição
das pessoas na internet. Para Andréa Soutto Mayor, autora de “O Amor É
uma História”, “essas produções surgem no embalo de um fenômeno que está
muito ligado à web, onde se pode experimentar todo tipo de fantasia”. E
se propõem justamente a retratar e refletir esse momento.
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