Uma lição de Estadismo de Bush (de Bush?) para Lula
Os Três (Quase) Amigos- Foto Mark Wilson/Getty
Não estou aqui, porém, para enterrar novamente Bush. Vou até elogiá-lo parágrafos adiante, embora sem fazer revisionismo histórico. Aliás, Bush tampouco faz isto no livro. Na essência, é mesmo sujeito petulante, mas também afável. Bush não é fascista ou racista, como disparam oponentes possessos, tão possessos como aqueles que consideram Barack Obama um nazista-socialista-muçulmano-antiamericano.
Bush tem apenas um lugar de honra na galeria dos piores presidentes americanos. Ele perdeu oportunidades históricas, como depois do 11 de setembro, para travar um combate mais inteligente contra o terror jihadista com sua postura maniqueísta e ações impulsivas. No cenário de declínio relativo dos EUA (na geopolitica e na economia), Bush não teve a percepção de que era necessária uma abordagem multilateral para lidar com amigos e inimigos. De forma desajeitada e ainda não muito convincente, Obama entende melhor a nova realidade histórica.
Nenhum motivo para sentir falta de Saddam Hussein, mas a guerra do Iraque foi baseada em falsos pretextos e mal executada, com um terrível custo humano, moral e econômico. Por linhas muito tortuosas, os iraquianos talvez se saiam melhor ao longo do tempo. Mas o estado das coisas por enquanto favorece o Irã, na medida em que os xiitas iraquianos foram os maiores beneficiados da invasão liderada pelos americanos.
Na questão da tortura, não creio que Bush seja sádico ou vingativo (Dick Cheney, talvez) quando apresenta a justificativa (os cenários 24 Horas, à la Jack Bauer, do abuso urgente para salvar vidas). No entanto, falta reflexão moral sobre as ramificações. No geral, falta reflexão profunda para uma pessoa que esteve em uma posição tão influente na história da humanidade. Bush foi um pioneiro da escola do antiintelectualismo e da ignorância chique, da qual Lula e Sarah Palin são alunos aplicados.
Mas aproveito à menção ao nosso ainda presidente de plantão para entrar na seção de elogios a Bush sobre como se comportar fora do poder. Calma, ainda vai demorar um longo parágrafo para eu chegar lá. Bush deixou uma massa falida para o sucessor (na economia e na política externa). Obama tem seus motivos para praguejar e com compreensível oportunismo político faz o que pode para lembrar aos americanos a irresponsabilidade histórica de um presidente que se engajou em duas guerras sem pedir sacríficios do povo (impostos mais altos), foi supercamarada com os ricos enquanto o déficit ia para a estratosfera e viu o circo econômico pegar fogo. Na sua fúria populista de direita, o Tea Party tampouco poupa o ex-presidente e o considera um traidor da causa. Na minha opinião, porém, Bush agiu corretamente com a maciça intervenção governamental e o resgate dos bancos quando as cortinas se fechavam no seu espetáculo presidencial. Espero que a história julgue caridosamente tanto ele como Obama por terem impedido que a Grande Recessão desembocasse em uma Grande Depressão.
Obama não é nada caridoso com Bush. E o reverso? Longe do palácio, Bush é digno e discreto. Um jornalista de esquerda aqui nos EUA, Michael Tomasky, hoje no jornal britânico The Guardian, escreve que existe uma “decência pessoal” em Bush. Nas memórias e nas entrevistas, ele tem sido generoso com Obama, firme na sua postura que presidentes e ex-presidentes devem se tratar com respeito, pelo menos publicamente.
Mais do que isto, ao contrário de gente como o ex-vice Cheney e o guru eleitoral Karl Rove, Bush parece torcer pelo sucesso de Obama, assumindo assim uma atitude de estadista. O democrata Bill Clinton faz campanha eleitoral por gente do seu partido, mas fora do poder também exibe um comportamento de estadista em relação ao antecessor Bush. Quem quiser, pode especular como Lula trataria José Serra ou qualquer oposicionista para o qual transferisse a faixa presidencial.
Historiadores foram mais simpáticos ou captaram melhor as complexidades do cargo nos casos de alguns presidentes americanos que saíram por baixo (quem diria, até Richard Nixon). Vamos ver como será o caso de Bush, que informa ter lido 14 biografias de Abraham Lincoln quando estava na Casa Branca para aprender alguma coisa, em particular guerra. Creio que a reabilitação histórica será improvável, mas já dá para julgar Bush como um decente ex-presidente.
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