N° Edição: 2358
| 06.Fev.15 - 20:00
| Atualizado em 07.Fev.15 - 11:13
A empreiteira e o amigão de Lula
Documento do BC comprova que José
Carlos Bumlai contraiu um empréstimo irregular de R$ 12 milhões junto ao
banco da construtora Schahin. Em troca, a empreiteira ganhou contratos
com a Petrobras. Parte do dinheiro teria sido usada para comprar o
silêncio
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
Relatório
inédito do Banco Central anexado a um inquérito da Polícia Federal,
obtido com exclusividade por ISTOÉ, revela que o pecuarista José Carlos
Marques Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, obteve em outubro de 2004
um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao Banco Schahin. O documento
desmonta a versão de Bumlai de que nunca havia contraído financiamento
do banco e reforça denúncia do publicitário Marcos Valério feita em
2012. Naquele ano, em depoimento ao Ministério Público Federal, o
operador do mensalão afirmou que o pecuarista intermediou uma operação
para comprar o silêncio do empresário de transportes Ronan Maria Pinto.
Segundo Valério, Ronan ameaçou envolver o ex-presidente Lula, e os
ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato do então
prefeito de Santo André Celso Daniel. Valério tentava um acordo de
delação premiada e disse ainda que, como contrapartida ao empréstimo a
Bumlai, a Schahin foi recompensada com contratos bilionários de
arrendamento de sondas para a Petrobras. Os contratos estão na mira da
Operação Lava Jato, que incluiu a Schahin no inquérito aberto para
apurar o esquema de pagamento de propina e desvios na Petrobras,
conforme antecipou ISTOÉ em sua última edição.
SURGE A PROVA
Amigo de Lula, o empresário José Carlos Bumlai sempre negou
o empréstimo de R$ 12 milhões confirmado agora por documentos
do Banco Central (abaixo) obtidos por ISTOÉ
No documento do BC, datado de 7 de agosto
de 2008, Bumlai aparece numa lista de 24 devedores do Banco Schahin
beneficiados com empréstimos concedidos de forma irregular, “sem a
utilização de critérios consistentes e verificáveis”. Para liberar a
bolada, o Banco Schahin burlou normas e incorreu em seis tipos de
infrações diferentes. Desconsiderou, por exemplo, a apresentação pelo
cliente de dados cadastrais completos e atualizados, não procedeu
qualquer análise da capacidade financeira de Bumlai ou mesmo de seus
avalistas. Em outras palavras, o empréstimo milionário ao amigo de Lula
foi liberado sem as garantias exigidas de qualquer cidadão comum.
Ainda assim, quando Valério revelou a
operação, Bumlai poderia ter admitido o empréstimo e alegado outro
destino para o dinheiro. Mas preferiu dizer que nunca teve nada a ver
com o Banco Schahin. Todos os citados por Valério adotaram a mesma
estratégia. Questionado novamente, Bumlai, por meio de seu advogado,
negou “qualquer envolvimento com os fatos objeto de depoimento de Marcos
Valério”. E o grupo Schahin classificou o caso como “uma rematada
mentira que jamais foi comprovada”.
AS PRIMEIRAS REVELAÇÕES
Operador do mensalão, Marcos Valério contou ao Ministério
Público que o empréstimo foi necessário para proteger Lula,
José Dirceu e Gilberto Carvalho
Não bastasse a inobservância das regras
para a concessão do empréstimo a Bumlai, o Banco Schahin, segundo o
documento do Banco Central, maquiou o nível de risco da operação,
classificando-a como “B”, quando na verdade era “E”, de acordo com a
análise do BC. O ranking de risco do mercado financeiro obedece a uma
escala crescente de nove níveis, começando em AA, praticamente nulo, e
depois seguindo de A até H, o pior. Ao classificar o empréstimo com
nível de risco inadequado, o Schahin “constituiu provisão insuficiente
para fazer face às perdas prováveis”, informou o Banco Central. Além de
apontar inúmeras deficiências nos controles internos da área de crédito
bancário, o BC ainda determinou um ajuste contábil de R$ 108,7 milhões.
Não à toa Bumlai foi escolhido, segundo
Marcos Valério, para ser um dos pontas de lança da operação. Pecuarista
oriundo da região Centro-Oeste, o empresário foi apresentado ao
ex-presidente Lula pelo ex-governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT. A
afinidade foi tanta que uma das fazendas de Bumlai serviu de palco para
um dos programas da campanha de Lula em 2002. Com a ascensão de Lula à
Presidência, Bumlai passou a desfrutar de acesso livre no Palácio do
Planalto. Era recebido sem marcar hora e tornou-se um conselheiro de
Lula para o agronegócio. Por indicação do ex-presidente, integrou o
chamado Conselhão do governo – Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social.
Além da burla a normas internas, as
facilidades garantidas pela Schahin a Bumlai impressionariam, não
tivesse o pecuarista a chancela da cúpula do PT e, claro, de Lula. O
empréstimo deveria ser quitado em uma única parcela, com vencimento seis
meses depois. Na data do vencimento, porém, o banco renovou o prazo e
elevou o valor da dívida, incorporando os encargos. Esse procedimento
foi repetido mais uma vez, sem que o devedor realizasse o pagamento de
qualquer valor correspondente ao principal ou aos encargos. Com isso, o
contrato 425/04, após dois aditivos, chegou a aproximadamente R$ 15
milhões. Com efeito, o órgão regulador do mercado financeiro
responsabilizou os gestores Sandro Tordin, Carlos Eduardo Schahin,
Francos Costa de Oliveira e José Carlos Miguel pela prática de “má
concessão das operações de crédito”, citando nominalmente o empréstimo
feito a José Carlos Bumlai. Todos foram condenados à inabilitação para o
exercício de cargos de direção em instituições financeiras, mas a
condenação foi depois convertida em multa, após recurso.
Bumlai arrolou como “garantidores” do
empréstimo o filho Maurício de Barros Bumlai e a nora Cristiane Barbosa
Dodero Bumlai. Estes, por sua vez, lançaram mão de empresas e terceiros
para sustentar a operação, sem contudo demonstrar capacidade financeira
para honrar o compromisso. Nas palavras do então chefe do Departamento
Fiscal do BC, Alvir Hoffmann, verificou-se que algumas operações foram
“garantidas por avais, tanto de controladores das empresas tomadoras de
recursos quanto de terceiros, dos quais não se encontrou a análise da
capacidade de honrar eventuais obrigações”. “Dessa forma, a mensuração
do nível de segurança oferecido pelas garantias restou prejudicada”,
escreveu Hoffmann.
No relatório do BC não há registro de que o
pecuarista tenha quitado o referido empréstimo ou seus avalistas. Como
se sabe, o Banco Schahin, antes de quebrar e ser vendido ao BMG em 2011,
notabilizou-se por não reaver deliberadamente seu patrimônio. O mesmo
aconteceu com um depósito de mais de US$ 100 milhões feito numa conta do
Banco Clariden na Suíça, montante este que, segundo revelou ISTOÉ na
última edição, serviu para alavancar outro empréstimo no Deutsche Bank
para a construção dos primeiros navios-sondas que foram arrendados à
Petrobras.
CONTRAPARTIDA
Os contratos de arrendamento de navios-sonda para a Petrobras
renderam num primeiro momento à Schahin US$ 1,2 bilhão
É justamente esse contrato, no valor de US$
1,2 bilhão, que Marcos Valério disse ter sido entregue ao grupo Schahin
como recompensa ao empréstimo a Bumlai naquele momento tão delicado.
Nos últimos dias, a Operação Lava Jato lançou luz sobre essas
contratações, uma vez que a Schahin passou a integrar o inquérito sobre
os desvios na Petrobras. No depoimento ao MPF, o publicitário mineiro
deu os detalhes sobre os negócios do grupo, grafado erroneamente como
“Chahin”. Segundo disse aos procuradores, depois que o “caso do mensalão
veio à tona”, ele soube que o banco tinha uma construtora chamada
Schahin, “que essa construtora comprou umas sondas de petróleo que foram
alugadas pela Petrobras, por intermédio do seu diretor Guilherme
Estrella, como uma forma de viabilizar o pagamento da dívida”, registra o
depoimento ao MPF em 2012.
Depois da operação cala-boca em Santo
André, o negócio das sondas avançou. Em agosto de 2006, a Schahin
Engenharia, construtora do grupo, fez sua estreia no clube das
empreiteiras fornecedoras da Petrobras. A estatal encomendou-lhe duas
sondas de perfuração offshore de um lote de seis por um total de US$ 4,8
bilhões. Além da Schahin, ganharam o negócio a Queiroz Galvão, a
Odebrecht e a Petroserv. Como nenhuma dessas empresas tinha expertise
nem capacidade para a construção das sondas, foram buscar no exterior os
fornecedores tradicionais do setor, atuando como agentes
intermediários. A Schahin, por exemplo, firmou parceria com a Modec,
subsidiária da japonesa Mitsui.
SEGUNDA PARCELA
A PF desconfia que o restante do empréstimo, os outros R$ 6 milhões,
possa ter sido embolsado pelo próprio Ronan Pinto, que adquiriu o jornal
Até hoje, a Petrobras não explica por que
não contratou diretamente os fornecedores. Na ocasião da celebração
desses contratos, Estrella era diretor de exploração e produção e foi o
arquiteto do modelo de exploração do pré-sal. Ele dizia que os negócios
com as empresas nacionais gerariam uma economia de 25% em relação ao
mercado internacional, mas não contou que essas mesmas empreiteiras
tinham que comprar as sondas no exterior. O que se vê hoje é que a
estatal pagou muito mais do que deveria em contratos superfaturados que
serviram para o pagamento de propinas a executivos e políticos. Como já
foi revelado por ISTOÉ em sua última edição, o grupo Schahin cresceu
ainda mais dentro da Petrobras nos anos seguintes, negociando o
arrendamento e a operação de mais oito navios-sonda e navios FPSO, sigla
para definir embarcação de produção, armazenamento e descarregamento de
petróleo e gás.
Questionada, a estatal não revela o valor
total dos contratos com a Schahin, mas estima-se que cheguem facilmente
aos R$ 15 bilhões. Os pagamentos são feitos em mais de 50 offshores
abertas em uma dezena de paraísos fiscais diferentes. Nas contas da PF,
existiriam em nome de empresas de fachada do grupo Schahin mais de uma
centena de contas bancárias no exterior, que os investigadores suspeitam
terem sido usadas para distribuição da propina. Além de offshores, o
grupo Schahin mantém empresas de fachada no Brasil. Todas localizadas no
mesmo endereço: na Vila Mariana, em São Paulo. Uma delas é a 2S
Participações Ltda., que, segundo a PF, seria uma espécie de “empresa
espelho” da S2 Participações Ltda., de Marcos Valério. Várias empresas
do grupo Schahin são identificadas pelos dois “S”, em referência aos
irmãos Salim e Milton Schahin.
No ano passado, a PF apreendeu no
escritório de Meire Poza, contadora do doleiro Alberto Youssef, um
contrato de empréstimo no valor de R$ 6 milhões, firmado entre a 2S
Participações e a Expresso Nova Santo André, de Ronan Maria Pinto, o
chantagista do caso Celso Daniel. Durante o processo do mensalão,
descobriu-se que a 2S serviu de entreposto para repasses de diversas
outras empresas, inclusive a corretora Bônbus Banval, de Enivaldo
Quadrado, mensaleiro condenado e que está também envolvido na operação
Lava Jato. Para a PF, o contrato entre Valério e Ronan teria servido
para simular o repasse de metade dos recursos obtidos por Bumlai, com o
objetivo de ocultar sua origem. A PF desconfia que o restante do
empréstimo, os outros R$ 6 milhões, possa ter sido embolsado por Bumlai,
retornado para o grupo Schahin ou ido parar na conta de uma terceira
pessoa. Outra opção é que o dinheiro também tenha ido para Ronan, que
adquiriu inicialmente 50% do “Diário do Grande ABC”, mas depois comprou
os 50% restantes.
EM TODAS
Mencionado por Marcos Valério, o ex-ministro José Dirceu,
que cumpre prisão domiciliar, sempre negou qualquer
envolvimento no episódio do assassinato de Celso Daniel
A força-tarefa da Lava Jato deve requisitar
nos próximos dias cópia do inquérito que corre na Superintendência do
Distrito Federal. Para delegados que investigam o Petrolão, são cada vez
maiores os indícios de que o grupo Schahin integrou o clube de
fornecedores da Petrobras que superfaturou contratos e desviou recursos
públicos para o pagamento de propina a políticos do PT, PMDB e PP. Em
depoimento recente, o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo
Roberto Costa citou a ligação de Bumlai com o PT, além do vínculo
estreito do pecuarista com o lobista Fernando Baiano, ligado à cúpula do
PMDB. Bumlai, segundo Costa, é quem teria garantido a Baiano o livre
trânsito na estatal.
Descobriu-se também que, entre 2010 e 2011,
o pecuarista negociou diretamente com a estatal. Foi sócio de uma
fornecedora de equipamentos e peças para grandes obras chamada Immbrax,
numa parceria com o grupo Bertin. O empresário conta que só se associou à
Immbrax para importar equipamentos para uma de suas fazendas. Na
delação premiada que serviu de base para a deflagração da nona fase da
operação Lava Jato, na semana passada, o ex-gerente de engenharia Pedro
Barusco reforçou a versão de que a Schahin participou do esquema de
corrupção. Apontou Mario Goes como o operador do grupo e de outras
empreiteiras. Segundo Barusco, Goes guardava o dinheiro em seu
apartamento em São Conrado, no Rio. E fazia entregas de mochila. Segundo
investigações preliminares, Goes seria Mario Frederico de Mendonça
Goes, dono da Mago Consultoria, ex-presidente da Sociedade Brasileira de
Engenharia Naval e membro do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás
(IBP).
NEBULOSO
Até hoje o assassinato do então prefeito de Santo André Celso Daniel (PT),
ocorrido em 2002, está envolto em mistério. No ano passado, o processo,
que estava no STF, foi anulado desde a fase dos interrogatórios
Montagem sobre fotos: Divulgacao; Adriano Machado, MARCELO PRATES/HOJE EM DIA/AE