Gabinete 24 'some' dos corredores do Senado
BRASÍLIA,
DF (FOLHAPRESS) - Há quatro anos o Senado abriga uma manifestação
implícita de preconceito contra homossexuais que pode ser checada por
qualquer pessoa que percorra o principal corredor de gabinetes dos
parlamentares. A numeração exposta nas portas começa no 1 e segue a
sequência numérica lógica até chegar ao 23, quando, sem qualquer
explicação, pula para o 25.
Em algum momento entre o final de 2014 e o início de 2015 a plaquinha de número 24 desapareceu sem (quase) deixar vestígios.
O
Senado diz não ter nenhum registro oficial do sumiço. Parlamentares
igualmente afirmam desconhecer o que aconteceu com o 24 - que por ser o
número associado ao veado no jogo do bicho é usado há décadas como
muleta para manifestações discriminatórias contra homossexuais.
O
fato é que desde essa época o até então existente gabinete de número 24
passou a se chamar gabinete 26 - ele fica no lado do corredor de
numeração par.
A
reportagem visitou gabinetes, buscou documentos e entrevistou
parlamentares e funcionários nos últimos dias para resolver o mistério e
descobrir por que o Senado abriga de forma institucional, há quatro
anos, a manifestação simbólica de discriminação.
O
gabinete de número 24 foi usado até 2014 pelo senador Eduardo Amorim
(PSDB-SE). Ele trocou para outro, naquele ano, e diz não ter ideia do
que aconteceu dali em diante.
"O meu gabinete foi entregue. Eu troquei por causa da distância. Eu saí de lá e era 24. Eu não sei quem entrou depois", disse.
O novo inquilino foi Dário Berger (MDB-SC), 62, de cujo gabinete partiu o pedido de mudança da numeração, do 24 para o 26.
A
reportagem ligou 28 vezes nestas quarta (16), quinta (17) e sexta-feira
(19) para o telefone celular de Berger e deixou recados também com sua
assessoria. Não houve resposta.
A
reportagem também enviou à assessoria de imprensa do Senado perguntas
sobre quem pediu e quem mandou trocar a numeração, qual a justificativa
usada e se a Casa considera adequado esse tipo de medida. Também não
houve manifestação.
O
presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que assumiu o comando
da Casa dois anos depois do sumiço do gabinete 24, se disse surpreso.
"Fui
surpreendido, estou tomando conhecimento no dia de hoje. Eu,
sinceramente, não encontro justificativa para que a numeração não seja
seguida. Isso não aconteceu na minha gestão. Se tivesse tomado
conhecimento antes teria dito à diretoria para voltar ao número
anterior", afirmou Eunício, cujo mandato termina no próximo dia 31.
"Nem o Senado nem ninguém pode dar guarida a qualquer tipo de discriminação, contra quem quer que seja", acrescentou o senador.
Presidente
da Casa à época, Renan Calheiros (MDB-AL) também diz que "nunca" soube
da troca, afirmando que esse tipo de coisa não é assunto que chegue à
cúpula da Casa. Renan, que é candidato a presidir o Senado novamente,
disse ainda que não é preconceituoso e que não se "prestaria" a isso.
"Pelo amor de Deus, jamais essa discussão chegou no Senado. Eu não sou preconceituoso, não."
O
diretor-geral do Senado à época da mudança era Luiz Fernando Bandeira
de Melo, hoje secretário-geral da Mesa. Ele confirmou ter havido um
pedido para a mudança do número 24 para o 26, mas disse não se lembrar
de quem partiu.
"O
Senado busca atender às demandas que surgem dos parlamentares. Isso é
tratado com absoluta simplicidade", afirmou Bandeira, que disse não ter
recebido justificativa da solicitação de mudança.
Perguntado sobre a falta de transparência no caso, respondeu: "Está plantado [o número] na porta, como não há transparência?".
A reportagem esteve no corredor de gabinetes dos senadores na última quarta-feira (16), período de recesso dos parlamentares.
Pessoas que estavam nas proximidades também disseram não saber o que havia ocorrido.
Seguranças que trabalham no local há mais de cinco anos afirmaram não poder comentar o assunto.
Ainda é possível ver na placa geral de identificação dos gabinetes vestígios do número 24 por trás do atual 26.
Em
fim de mandato, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) era um dos poucos
que estavam no local nesta quarta de recesso. Também se disse
surpreendido com a história.
"Meu
Deus. O jogo do bicho é ilegal. Então, o Senado se baseou em algo
ilegal para manifestar preconceito contra os gays? É um absurdo",
exclamou.
Último ocupante do gabinete 24, o senador Eduardo Amorim hoje está no número 1.
Ele disse nunca ter ouvido manifestações preconceituosas em forma de piada durante o tempo que ficou no escritório anterior
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