Brasil
Corrupção
Câmara pode criar a (incrível) figura do deputado encarcerado no Brasil
Saiba quem são os parlamentares que compõem a vergonhosa galeria de cassados por desvios de conduta desde o fim da ditadura militar. E quem são os cinco deputados que deveriam integrar - logo - essa lista
Marcela Mattos e Gabriel Castro, de Brasília
QUARTETO MENSALEIRO - Os deputados João Paulo Cunha, José
Genoino, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, todos condenados pela
Justiça, mas com gabinetes na Câmara
(Dida Sampaio/Dorivan Marinho/Vagner Campos/Lindomar Cruz )
Até o final do ano, é provável que a Câmara dos Deputados analise ao menos cinco processos de cassação de mandatos de deputados condenados pela Justiça. O primeiro da fila, inclusive, o ex-peemedebista Natan Donadon (RO), já cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Condenado por desviar 8 milhões de reais dos cofres da Assembleia Legislativa de Rondônia, Donadon se entregou à Polícia Federal no final de julho, mas uma placa ainda aponta como seu o gabinete 239 no Anexo IV da Câmara. Ele perdeu o direito ao salário, aos benefícios e assessores, mas, juridicamente, ainda é um parlamentar eleito pelo estado de Rondônia. A manutenção do mandato garante algumas (poucas) regalias para Donadon: ele permanece em uma cela isolada no presídio, sem convívio com os demais detentos.
Na sequência, a tendência é que a Câmara tenha de deliberar sobre o futuro do quarteto de mensaleiros: João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Durante o julgamento do mensalão, o STF votou pela perda imediata dos mandatos. Mas, com a recente virada no posicionamento da Corte graças aos votos dos ministros novatos Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, esse cenário pode mudar: caberá, agora, aos deputados decidirem sobre os mandatos dos quatro mensaleiros. Ou seja, dado o histórico de corporativismo e complacência com desvios éticos, tudo pode acontecer.
O último parlamentar que perdeu o mandato na Câmara foi em 2006. O ex-presidente do PP Pedro Corrêa (PE), que comandava o partido quando o mensalão operava a todo vapor, deixou o Congresso pelas portas dos fundos junto com José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ). Desde então, foram abertos 89 processos de cassação de mandatos no Conselho de Ética. Todos os congressistas saíram ilesos. O maior exemplo da blindagem dos parlamentares aconteceu em 2006, na chamada Máfia dos Sanguessugas: 69 deputados envolvidos no esquema de desvio de verba pública para compra de ambulâncias escaparam de punições - a maioria foi poupada em plenário e, alguns, optaram por renunciar aos mandatos e poder disputar as eleições seguintes.
No Senado, só dois cassados
O Senado, que por muitas décadas manteve uma imagem mais positiva do que a Câmara, passou a lidar com escândalos políticos rotineiros nos anos 2000. O primeiro parlamentar cassado pela Casa foi Luiz Estevão (PMDB-DF). Perdeu o mandato quando veio à tona sua participação no desvio milionário nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, em 1999.Em 2001, dois senadores tiveram de renunciar para não perderem o mandato: José Roberto Arruda (então no PSDB) e o baiano Antônio Carlos Magalhães (PFL). Eles haviam participado da quebra do sigilo do painel eletrônico que registra as votações do Senado. No mesmo ano, Jader Barbalho (PMDB-PA) renunciou para não ser punido, após ser flagrado envolvido no desvio de verbas da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Em 2011, foi a vez de Demóstenes Torres (DEM-GO) perder o mandato por cassação. Ele foi flagrado mantendo conversas e negociações nada republicanas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Muitos outros casos surgiram sem que os acusados perdessem o cargo - José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) sabem disso muito bem. Na última semana, o STF credenciou mais um candidato à cassação: Ivo Cassol (PP-RO), condenado pelo Supremo a quatro anos e oito meses de prisão. A perda do mandato será avaliada pelos senadores.
Outro exemplo recente de parlamentar absolvida em flagrante cena de corrupção foi a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz. Ela aparece em um vídeo recebendo 50 mil reais de Durval Barbosa, delator do chamado mensalão do DEM. Por entenderem que o episódio aconteceu antes de assumir o mandato na Câmara – a cassação foi analisada em 2011 e a gravação havia sido feita em 2006 -, Jaqueline foi absolvida por seus colegas.
Também foi absolvido pelo plenário o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). Em 2005, os deputados o consideraram inocente na denúncia de que havia recebido 50 mil reais do operador do mensalão, Marcos Valério. Sete anos depois, o STF o condenou a nove anos e quatro meses de prisão. Provavelmente, Cunha voltará a ser julgado em plenário.
Os 17 cassados – Desde a redemocratização do país, apenas 17 parlamentares tiveram a degola aprovada em plenário. O caso mais emblemático aconteceu em 1994, em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. A CPI dos Anões do Orçamento, nome dado em alusão à estatura dos parlamentares envolvidos, descobriu um esquema de desvio de recursos do Orçamento da União para empresas relacionadas a deputados, senadores, ministros e governadores. Seis deputados envolvidos no caso foram cassados.
Outra cassação que não poderia passar impune foi a de Hildebrando Pascoal (PFL-AC). O parlamentar foi apontado como o comandante de um grupo de extermínio responsável pela morte de mais de sessenta pessoas. Não apenas a quantidade de assassinatos espanta. Em um dos casos que revelam o nível crueldade com o qual agia, ele ganhou o apelido de Homem da Motoserra – uma referência à arma utilizada no crime. Hildebrando foi condenado a mais de cem anos de cadeia.
O ex-deputado Sérgio Naya também se destaca na lista de parlamentares cassados. Ele perdeu o mandato em 1998, depois que parte do edifício Palace II, construído por uma de suas empresas na capital fluminense, desabou. Oito pessoas morreram e a tragédia poderia ter sido maior - um segundo desmoronamento ocorreu quando o prédio já havia sido evacuado. As investigações mostraram erros grosseiros na execução da obra. O concreto empregado, provavelmente produzido com areia de praia, se esfarelava facilmente. Naya foi cassado pelos colegas por um placar de 277 votos a 163.
Os deputados cassados desde a redemocratização
Pedro Corrêa (PP-PE) - 2006
O parlamentar pernambucano foi um dos três deputados cassados por
participação no escândalo do mensalão. Ficou provado que ele ordenou que
um assessor sacasse 700.000 depositados pelo publicitário Marcos
Valério. Corrêa, que era presidente do partido, embolsou o dinheiro após
prometer apoio ao governo Lula. Em 2012, o ex-deputado acabou
condenado à prisão pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda não começou a
cumprir a pena.
José Dirceu (PT-SP) - 2005
Roberto Jefferson (PTB-RJ) - 2005
André Luiz (PMDB-RJ) - 2005
O deputado federal André Luiz, então parlamentar pelo PMDB carioca,
tentou extorquir o bicheiro Carlinhos Cachoeira em 2004. O esquema era o
seguinte: o parlamentar retiraria o nome de Cachoeira do relatório
final da CPI da Loterj, na Asembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em
troca de 4 milhões de reais. As negociações para livrar Cachoeira do
indiciamento, ainda em 2004, foram gravadas e publicadas pela imprensa
quando o parlamentar havia se tornado deputado federal. André Luiz foi
cassado por 311 votos favoráveis e 104 contrários. Ele morreu em maio
deste ano vítima de um acidente vascular cerebral.
Hildebrando Pascoal (PFL-AC) - 1999
Talvane Albuquerque (PTN-AL) - 1999
Sergio Naya (PPB-MG) - 1998
Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) - 1994
Presidente da Câmara dos Deputados entre 1991 e 1992 e responsável por
comandar o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor,
Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) foi cassado em 1994, durante da CPI dos Anões
do Orçamento. Ele foi acusado de envolvimento em um esquema de desvio de
verbas públicas. Em 2000, o Supremo Tribunal Federal arquivou o
processo no qual o peemedebista estava envolvido. Pinheiro, que sempre
alegou inocência, voltou à Câmara em 2006, onde cumpriu o mandato de
deputado até 2010.
Raquel Cândido (PTB-RO) - 1994
José Geraldo (PMDB-MG) - 1994
Feres Nader (PTB-RJ) - 1994
Fábio Raunheitti (PTB-RJ) - 1994
O deputado Fábio Raunheitti (PTB-RJ) também foi derrubado pela CPI dos
Anões do Orçamento. Dono de uma rede de faculdades particulares no Rio
de Janeiro, o parlamentar carioca desviou verbas da União, originalmente
destinadas para o Ministério da Educação (MEC), para seus negócios
privados. De acordo com a Polícia Federal, a faculdade Sesni recebeu
cerca de 15 milhões de reais provenientes do Orçamento federal.
Carlos Benevides (PMDB-CE) - 1994
Filho do ex-presidente do Senado Mauro Benevides, Carlos Benevides
envolveu-se na máfia que resultou na CPI dos Anões do Orçamento, que
investigou o desvio de recursos do orçamento federal para empresas
laranja e cassou seis parlamentares. O peemedebista foi responsabilizado
pelo repasse do dinheiro público para 54 entidades sociais do Ceará –
os órgãos, porém, não existiam. Apesar da influência do pai, Carlos não
conseguiu fugir da cassação: perdeu o mandato por 297 favoráveis e 116
contrários.
Takayama (PFL-MT) - 1993
Itsuo Takayama foi cassado por receber dinheiro para migrar para o
antigo PSD, em um período no qual o troca-toca partidário era mais
frequente. O parlamentar, que nunca mais conseguiu se eleger, é irmão de
outro deputado federal: Hidezaku Takayama (PSC-MT).
Onaireves Moura (PTB-PR) - 1993
Foi punido pro coordenar o pagamento de propina para que parlamentasse
migrassem para o antigo PSD - depois de ser o primeiro a aderir ao
esquema. Em 2000, enquanto ocupava a presidência da Federação Paranaense
de Futebol, Onaireves (Severiano, ao contrário) preso por sonegação
fiscal.
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