Reportagem do jornal 'New York Times' questiona a
posse brasileira da Amazônia e gera discussões
sobre possibilidade de intervenção internacional
(Foto: Reprodução/New York Times) Quando visitou o Brasil em 2003, no início da invasão do Iraque, o advogado americano Mark London ficou chocado com faixas que viu penduradas pela capital do país. O pesquisador estudava a Amazônia brasileira havia décadas, era autor de um livro pioneiro sobre o assunto nos Estados Unidos, e se viu diante de frases que alegavam que, depois do Iraque, o alvo dos americanos seria o Brasil, por conta da floresta e das suas reservas de água, o que achou absurdo.
A experiência dele é comum entre quase todos os estudiosos norte-americanos que se debruçaram sobre a importância da região amazônica para o Brasil para o mundo. O
G1 entrevistou mais de dez pesquisadores brasilianistas e de geopolítica que estudam a Amazônia sob a ótica americana e constatou que eles sempre dizem se ver diante do que consideram uma desconfiança excessiva e desnecessária, fruto do que acham ser “paranoia” dos brasileiros.
Na opinião de London, há uma desconexão entre o que os brasileiros acham que é a opinião americana sobre a Amazônia e a realidade dos que os EUA pensam sobre a região. “A paranoia é real. Isso é completamente sem sentido. Não há nenhuma sugestão de que vamos invadir, ocupar, intervir de nenhuma forma. Temos problemas suficientes intervindo em países inimigos, porque criaríamos um problema com nossos amigos? Não há razões para intervir na Amazônia tanto quanto não há de intervir em Paris, na França”, disse London, em entrevista ao
G1. Advogado, London é co-autor dos livros “Amazon”, publicado em 1985, e “A última floresta” (Ed. Martins), em que o tema foi atualizado em 2007.
Essa interpretação de que os brasileiros se preocupam demais é compartilhada por pesquisadores mais conservadores, como o diretor do Instituto Stratfor, George Friedman, e por acadêmicos de esquerda, como a professora Barbara Weinstein, da New York University. Segundo os pesquisadores, não existem planos norte-americanos para uma invasão da Amazônia. A ideia de uma intervenção direta no território brasileiro é tratada como irreal até mesmo pelo discurso oficial do governo dos Estados Unidos, ignorada pela grande mídia e vista como impossível, obra de ficção ou até paranoia de pessoas que acreditam em "teorias da conspiração", segundo pesquisadores tanto da região quanto das relações entre os dois países envolvidos na questão.
“Isso é absurdo”, disse, rindo, a professora Weinstein, da NYU. “Eu mesma sou muito crítica em relação aos Estados Unidos, mas acho que essa preocupação não é nada real.” Weinstein é uma das pesquisadoras mais prolíficas da história do Brasil nos Estados Unidos. Ligada desde 2007 à NYU, ela já passou períodos em Yale e Princeton, e escreveu livros que tratam da questão ambiental da Amazônia, da história da exploração de borracha no norte do pais, da formação da classe trabalhadora no Brasil, e atualmente pesquisa as questões de regionalismo, com a predominância de São Paulo sobre o resto do país. Ela é autora, entre outras obras e artigos, de "(Re)formação da Classe Trabalhadora no Brasil, 1920-1964" (Editora Cortez) e "A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência, 1850-1920" (EDUSP).
“Eu mesma sou muito crítica em relação aos Estados Unidos, mas acho que essa preocupação não é nada real"
Barbara Weinstein, historiadora
Segundo ela, a região em que fica a maior floresta tropical do mundo é reconhecida como território brasileiro, e muitas vezes confundida com a totalidade do país, sendo uma das primeiras imagens evocadas ao se pensar na ideia de Brasil. Além disso, é o governo brasileiro que é cobrado pela forma como trata a Amazônia, seja por questões ambientais ou geopolíticas. O discurso mais comum nos Estados Unidos é de admiração pela vastidão da floresta, de mistério envolvendo sua imensidão, mas de distância, não de intervenção.
De acordo com Nikolas Kozloff, autor de um dos estudos mais recentes publicados nos Estados Unidos sobre a Amazônia, a ideia de que pode haver uma intervenção americana na Amazônia brasileira é o tipo de teoria conspiratória em que só brasileiros acreditam. “Falei com muitas pessoas de diferentes vertentes políticas, de direita e esquerda, e jamais ouvi ninguém defender este tipo de coisa, nem falar sobre o assunto”, disse ao
G1. Ele pessoalmente está mais ligado à esquerda, e diz que não existe nenhum tipo de ameaça como esta temida pelos brasileiros.
Kozloff publicou em abril seu terceiro livro sobre a América Latina: “No Rain in the Amazon: how south america’s clime change affects the entire planet” (Sem chuva na amazônia: como a mudança climática na América do Sul afeta o planeta inteiro), lançado depois de escrever sobre a trajetória de Hugo Chávez e, em seguida, sobre a “onda rosa” de governos de esquerda na América Latina.
Não há possibilidade de uma intervenção americana no Brasil, mas a America Latina adora a fantasia da ação direta dos Estados Unidos, pois isso sempre serviu para explicar os fracassos do continente. Os Estados Unidos sempre foram os vilões."
George Friedman, especialista em geopolítica
A interpretação de que questões relacionadas à Amazônia e ao ambiente podem motivar conflitos é exagerada segundo o especialista em geopolítica George Friedman, fundador e diretor da Stratfor, empresa privada de inteligência e previsão em geopolítica global e economia. Ele é autor de quatro livros sobre estes temas, e é reconhecido como especialista em segurança nacional norte-americana e inteligência de guerra. Apontado como conservador e mais ligado à direita, Friedman escreveu “Os próximos 100 anos”, livro publicado em 2009 e que se tornou um dos mais vendidos na lista do “New York Times”, em que usa uma análise detalhada da história do mundo para fazer uma previsão do futuro.
“Não há possibilidade de uma intervenção americana no Brasil, mas a America Latina adora a fantasia da ação direta dos Estados Unidos, pois isso sempre serviu para explicar os fracassos do continente. Os Estados Unidos sempre foram os vilões. Em muitos casos, o país nem foi tão influente, mas foi visto desta forma. A ideia de que o governo dos Estados Unidos está pensando em intervir no Brasil é irracional. Os brasileiros pensam nisso, não os americanos”, disse, em entrevista ao
G1. A justificativa de Friedman é de que a Amazônia é uma responsabilidade do Brasil e não cabe aos Estados Unidos se envolverem nem mesmo na proteção ambiental da região.
Na mídia
Mesmo com a negativa veemente de pesquisadores em relação ao risco de intervenção internacional no território brasileiro, há outros fatores que geram preocupação no Brasil e que criam nos Estados Unidos uma impressão de que os brasileiros são paranóicos com a Amazônia. Para muitos americanos, além de não darem conta totalmente de controlar a região, querem evitar de qualquer forma que esta seja a impressão americana.
De quem é esta floresta tropical, afinal?"
'The New York Times'
Um exemplo disso foi um texto de 2008 no “New York Times”, o jornal mais relevante dos Estados Unidos, que usava como gancho a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, uma semana antes, para discutir a preocupação brasileira com a posse da Amazônia. O título da reportagem, “Whose Rain Forest is this, Anyway?”, algo que pode ser traduzido livremente para “De quem é esta floresta tropical, afinal?” tem uma carga de “ameaça” muito mais forte de que o resto do texto. Por mais que tenha alguns juízos de valor e algumas informações vagas, a reportagem aparenta ser respeitosa e correta. O
G1 entrou em contato com o correspondente, mas ele respondeu que não poderia dar a opinião dele por não ter autorização do “Times” para dar entrevistas a respeito da visão editorial que tem do Brasil.
O início da reportagem alega que o Brasil passou sua história “olhando nervosamente” para os mapas do território pouco habitado da Amazônia, e que por isso a colonização desse espaço foi uma prioridade dos anos 1960 e 70, como questão de segurança nacional. O texto passa então a comentar casos em que a propriedade da Amazônia supostamente haviam sido questionados publicamente, que “reacendem velhas atitudes de protecionismo territorial e vigilância contra invasores externos”, diz. Segundo ele, “muitos” tratam as estratégias do governo para a região como “paranoica”.
O governo brasileiro divulgou uma resposta oficial ao artigo do “New York Times” uma semana depois da sua publicação, e em discurso oficial do presidente Lula. "O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono, e o dono é o povo brasileiro. São seringueiros, pescadores e nós que somos brasileiros", disse Lula na abertura do 20º Fórum Nacional, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro .
Preocupação saudável
Por mais que haja a visão norte-americana de que os brasileiros são paranoicos, nem todos os pesquisadores acham exagerada a preocupação do país com a proteção do seu território na Amazônia. Colin MacLachlan, especialista no Brasil formado na Universidade da Califórnia em Los Angeles, faz referência ao assunto. MacLachlan alega que a preocupação brasileira em ter respeito internacional não é exagerada por conta da gigantesca proporção do território e do enorme trabalho para garantir a soberania sobre ele. A afirmação faz parte do livro "A History of Modern Brazil: The Past Against the Future" (Uma história do Brasil moderno: O passado contra o futuro), lançado em 2003. O combate ao tráfico de drogas na Colômbia, diz o livro, com ajuda norte-americana, coloca em risco o território brasileiro, para onde poderiam fugir os produtores que ficam na fronteira norte do país. Isso levaria a guerrilha para o território brasileiro e deixaria ainda mais clara a noção de fraqueza no controle da região.
"A fronteira por terra do Brasil tem 16.503 km e passa por todos os países sul-americanos exceto Chile e Equador. A fronteira amazônica (11 mil km) parece a mais vulnerável. Pouco populosa e fracamente ligada ao sul, a região historicamente se definiu de forma diferente do resto do Brasil pela comunidade internacional. Seu impacto exótico nos primeiros exploradores europeus nunca desapareceu”, diz. Segundo ele, mudanças nas definições do que constitui motivo para guerra ou intervenção na era pós Guerra Fria tornou difícil medir a reação internacional. Ações e situação que anteriormente poderiam ser consideradas questões internas agora têm potencial de se transformar em problemas transnacionais.
Nas circunstâncias atuais, concordo que é impossível uma intervenção na Amazônia. Mas não podemos prever o futuro e não sabemos como o mundo vai reagir em caso de um problema mais serio na região no futuro."
Daniel Zirker, cientista político
Um pesquisador americano que defende o direito brasileiro de se preparar para evitar qualquer tipo de problema em relação à soberania da Amazônia é Daniel Zirker, diretor da faculdade de Artes e Ciências Sociais e professor de Ciência Política da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia, Daniel Zirker serviu no Corpo de Paz dos Estados Unidos no Nordeste do Brasil no início dos anos 1970. Ele concedeu entrevista por telefone, desde a Nova Zelândia. Segundo ele, não é possível prever uma ação dos EUA no Brasil, não há motivos para isso, mas os brasileiros, especialmente entre os militares, têm razões para se sentirem ameaçados.
Após atuar como diretor de estudos ambientais da universidade Estadual de Montana, entre 2002 e 2003, e como presidente do comitê de pesquisas sobre as forças armadas da Associação de Ciência Política Internacional, Zirker se consolidou como um dos mais importantes pesquisadores das relações político militares entre Brasil e Estados Unidos, levando em consideração especialmente a questão da soberania brasileira da Amazônia e os riscos de uma intervenção internacional na floresta. "Nas circunstâncias atuais, concordo que é impossível uma intervenção na Amazônia. Mas não podemos prever o futuro e não sabemos como o mundo vai reagir em caso de um problema mais serio na região no futuro. Hoje não vejo nenhuma razão para os EUA invadirem uma área da Amazônia. Ao mesmo tempo, muitos europeus e americanos declararam sua preocupação que a Amazônia seja cuidada”.