Corrupção
Em fitas, Demóstenes age como sócio de Cachoeira
Gravações da Polícia Federal, obtidas com exclusividade por VEJA, revelam novas conversas sobre negócios entre Demóstenes Torres e o contraventor Carlos Cachoeira e complicam ainda mais a situação do parlamentar
Demóstenes e Carlos Cachoeira usavam telefones codificados para garantir a privacidade de suas conversas
(Andre Coelho/ Ag. Globo Joedson Alves/AE)
Mesmo no tolerante mundo da política brasileira, certos tipos de
relacionamento costumam ser fatais para a reputação de homens públicos.
Um congressista usar do cargo para defender interesses privados em troca
de benefícios materiais é inaceitável em qualquer ambiente que preze
minimamente os valores republicanos. A situação torna-se ainda mais
insustentável quando o congressista pilhado nesse tipo de comportamento
é, aos olhos do grande público, o mais ardoroso defensor da moral e dos
bons costumes. Coloque-se do outro lado da relação promíscua um
contraventor acusado de comandar uma máfia especializada em jogos
ilegais e negócios suspeitos com o poder, e abrem-se para o congressista
os portões dos mais profundos círculos infernais de Dante — os da
fraude e da traição. Estrela da oposição, intransigente defensor da
ética e crítico ferrenho do comportamento dos colegas, o senador
Demóstenes Torres é um político nessas circunstâncias, que só pioram
para ele à medida que se revela a natureza de sua relação com o
contraventor goiano Carlinhos Cachoeira, que está preso.Pilhado em uma investigação da Polícia Federal que mapeou os negócios de Cachoeira, Demóstenes Torres viu sua biografia virar pó desde que começou a ser revelada a amplitude de suas relações com o contraventor. Descobriu-se que o senador — que em público tinha um comportamento reto, vigilante — possuía uma conduta bem diferente no ambiente privado. Conforme VEJA revelou em sua edição de 7 de março passado, Demóstenes gozava da intimidade do contraventor, com quem falava em média duas vezes por dia, e dele recebeu de presente uma geladeira e um fogão importados avaliados em 30 000 reais. Amigos de posses podem muito bem se presentear com fogões e geladeiras desse valor. Mas a situação do senador se complicou com a revelação de que entre ele e o contraventor existia mais do que amizade. Existia uma sociedade de interesses mútuos — o contraventor dava presentes e dinheiro; o senador retribuía advogando em favor dos negócios do sócio.
"Esse documento aí é para botar na mão do Marcelão (...) Ele vai
direto no gabinete do governador (Agnelo Queiroz, na foto). São os nomes
que a gente quer."
DIÁLOGO GRAVADO EM 14 DE ABRIL DE 2011
Demóstenes usa o cargo de senador para ajudar o contraventor Carlinhos
Cachoeira, também dono de laboratório farmacêutico, a resolver problemas
da empresa na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).Demóstenes — Fala, professor!
Cachoeira — Doutor, aquele negócio daquele rapaz do Enio que trabalha na Anvisa, pô. Podia pôr ele com o Wladimir aí pro Wladimir olhar nossas coisas com ele. O tal de Rech (segundo a PF, Norberto Rech, diretor adjunto da Anvisa).
Cai a ligação e em seguida eles voltam a se falar:
Demóstenes — Ô, professor! Tá ouvindo aí?
Cachoeira — Tô ouvindo. Aquele... o Norberto... Você teve com ele ontem pra olhar aqueles trem que eu te pedi?
Demóstenes — Tive com ele e ele me disse o seguinte: ele quer fazer com vocês uma coisa até melhor. É... Quer fazer uma agenda programada. Cê vai pegar tudo o que cê tem que vai ser renovado e já vai começar a tocar agora (...) E o que que eu disse para ele? Que você tem uma possibilidade de montar uma indústria lá em Santa Catarina, certo? Aí alimenta essa esperança no sujeito aí e vai tocando o bonde. Vou falar pra ele receber o Wladimir, falou?
Cachoeira — Aí hoje ele vai com... ele... O Wladimir tá indo lá hoje. Aí o Adriano vai com ele, entendeu? Aí já vê tudo!
Demóstenes — Tá. Eu vou marcar lá. Falou? E te ligo.
Dez minutos depois, o senador retorna o telefonema, já com a resposta. Ao se referir aos interesses do laboratório de Cachoeira, Demóstenes fala na primeira pessoa do plural:
Demóstenes — O Norberto tá esperando os dois lá às 2 da tarde. Eu falei pra ele (...) que a empresa está disposta a montar uma unidade lá em Santa Catarina. Então fala pro Wladimir dar corda nisso aí e depois nós descemos lá em Santa Catarina e falamos com o Enio, falamos com ele. Cê entendeu? Faz um acerto mais amplo. Entendeu?
Cachoeira — Excelente, doutor. Obrigado!
DIÁLOGO GRAVADO EM 11 DE ABRIL DE 2011
Desta vez, é Demóstenes quem procura Cachoeira, interessado em arrumar
contratos em Mato Grosso para uma agência de publicidade amiga.Demóstenes — Mestre, é o seguinte: a gente tem uma agência de publicidade querendo entrar lá no Mato Grosso. Você acha que consegue?
Cachoeira — Quem tem?
Demóstenes — Amigo nosso.
Cachoeira — Pode ser. Vou olhar isso agora. Se for interesse seu...
Demóstenes — Tá licitando para a Copa. Acho que é um negócio bacana.
Cachoeira — Acho que eu consigo. Vou olhar agora.
(...)
Demóstenes — Vou dar uma passada aí então para falar sobre isso, pode?
Cachoeira — Tá bom, tô te esperando.
DIÁLOGO GRAVADO EM 14 DE ABRIL DE 2011
Demóstenes novamente presta favores a Cachoeira e seus amigos. Desta
vez, ao receber pedido para solucionar uma demanda de um colega do
contraventor no Ibama, ele oferece uma solução ainda melhor: ir por cima
e conversar direto com a ministra do Meio Ambiente, com quem diz ter
uma relação muito boa.Cachoeira — O Rossini vai tá aí amanhã pra ir lá no Ibama.
Demóstenes — Uai, tranquilo!
(...)
Cachoeira — No Ibama. Já tá marcado lá. Você podia acompanhar ele lá.
Demóstenes — Ah, tá. Que horas?
Horas depois, a dupla volta a tratar do assunto:
Demóstenes — Tô achando que este trem de Ibama não vai resolver nada pra ele, não. Tô às ordens, mas acho que é melhor ir por cima. Eu tenho acesso bom à ministra.
Cachoeira — À ministra?
Demóstenes — Ministra! A ministra lá do Meio Ambiente. O Ibama é subordinado a ela, uai!
Cachoeira — Agora. Vou falar pra ele te chamar aí. Obrigado aí!
"A Rosana pode ser um salário de 2 000. A Vanessa é gerência, tá? A
Renata é um salário de 2 000, não precisa ser gerência, não. O Édson,
cargo de gerência."
O governador Agnelo negou a VEJA qualquer relação com a tropa de Cachoeira. Em Goiás, as investigações mostraram que o ponto de contato entre Cachoeira e o governador Marconi Perillo era um ex-vereador de Goiânia. Também lá o contraventor decide nomeações — e diz até que cargos cada indicado vai ocupar e quanto vai ganhar. O governador de Goiás também nega ligação com Cachoeira e diz que combate "toda sorte de crimes e contravenções".
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