ISTOÉ Online
| 01.Set.11 - 12:30
| Atualizado em 01.Set.11 - 14:01
Crescimento evangélico estimula mercado de consumo e religião
Algumas Igrejas desenvolveram estruturas empresariais e planos de carreira; outras lançaram até cartões de crédito
Do Portal Terra
O crescimento dos evangélicos no Brasil, em especial no ramo
pentecostal, provocou mais do que mudanças religiosas: fortaleceu um
mercado econômico, que chama a atenção tanto de igrejas como da
iniciativa privada. De seu lado, as igrejas criaram estratégias de
negócios. Algumas desenvolveram estruturas empresariais e planos de
carreira; outras lançaram até cartões de crédito. E diversas montaram
grupos e reuniões em que estimulam os fiéis a abrir negócios próprios e
sanar suas finanças, com base na Teologia da Prosperidade - movimento
que prega o bem-estar material do homem.
"Passava uma vida de miséria, comendo carcaça de frango", conta uma
frequentadora da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD),
acrescentando que, depois que começou a assistir às "reuniões da
prosperidade" semanais da igreja, "as portas começaram a se abrir". O
depoimento é exibido pela própria IURD no YouTube. Em outro vídeo, um
fiel diz que seus negócios não deram certo até ele entrar para o culto.
Depois de "sair das trevas", ele comprou "quatro, cinco casas", onde
cabem "sete ou oito carros".
"A igreja é um local de ritos, mas hoje também um espaço de trocas e
bens simbólicos", diz Leonildo Silveira Campos, do departamento de
Ciências Sociais e Religião da Universidade Metodista. "É voltada a
pessoas cada vez menos preocupadas com questões transcendentais, e sim
com o aqui e o agora. Para o novo pentecostal, o dinheiro não é para ser
acumulado como previa a ética protestante, mas para comprar o carro e o
apartamento novo. Para se inserir no mercado de consumo."
Igrejas e empresas respondem a isso com produtos, que incluem
cartões de crédito (emitidos pelas igrejas Internacional da Graça de
Deus e Assembleia de Deus) e lançamentos constantes. A rua Conde de
Sarzedas, no Centro de São Paulo, se especializou em atender
consumidores cristãos. Ali, é possível comprar de bíblias segmentadas a
CDs, jogos de tabuleiro com temas bíblicos e pacotes de turismo para
Egito e Israel.
Público fiel
"É um lugar onde as pessoas sabem o que querem consumir. É um
público fiel", diz a cantora e apresentadora Mara Maravilha, que, há 15
anos convertida à fé evangélica, tem uma loja onde vende seus CDs e DVDs
gospel na Conde de Sarzedas. Daniel dos Reis Berteli, 29 anos, da
Igreja Nazareno do Brasil, comprava livros, roupas e CDs evangélicos em
uma loja ao lado. "Antes, não tínhamos essa variedade de livros", diz.
"Há uns 15 anos, minha mãe fazia lembrancinhas religiosas com cartolina.
Hoje, está tudo mais profissional."
A percepção de que o setor caminhava rumo à profissionalização
levou Eduardo Berzin Filho a promover a feira ExpoCristã, realizada há
dez anos em São Paulo. Ele diz que a edição de 2010 atraiu 160 mil
visitantes e expositores como editoras, gravadoras gospel, empresas de
mobiliário para igrejas e até consultorias de gestão de templos.
O mais claro exemplo pentecostal de estratégia de negócios vem da
Igreja Universal do Reino de Deus, que diz ter presença em mais de cem
países - mais do que qualquer multinacional brasileira. A IURD montou
uma estrutura empresarial que faz de seus pastores "profissionais da
religião, com metas de atração e conversão de fiéis, de arrecadação (de
dízimo) e de ampliação de recursos", afirma Ricardo Mariano, professor
da PUC-RS e autor de um livro sobre a Universal.
Para os pastores, diz Mariano, "existe quase um plano de carreira,
que permite que eles passem para congregações maiores, vão para outros
países e participem de programas de TV" se baterem as metas. A IURD e
outras seguem "os principais preceitos do marketing: preço, publicidade,
praça (localização de templos) e produto", opina Mario René, professor
de Ciências do Consumo na ESPM e doutor em teologia prática.
Os especialistas ressaltam que há traços de profissionalização e
mercantilização também em outras religiões - só que eles estão mais
evidentes nas pentecostais e neopentecostais por conta de sua exposição
midiática e do próprio crescimento dos evangélicos no Brasil. Segundo o
estudo Novo Mapa das Religiões, da FGV, os evangélicos representavam
20,2% da população brasileira em 2009, contra 9% em 1991. Boa parte se
concentra na emergente classe C. Os pentecostais são por volta de 12% da
população, mas, segundo estudo prévio da FGV, respondem por 44% das
doações feitas às igrejas.
Doações
Agora, além de solicitar "ofertas" para continuar a "obra de Deus",
a Igreja Universal pede contribuições para financiar o Templo de
Salomão - versão brasileira de um histórico templo em Israel. Em um
culto recente da igreja em São Paulo, o pastor exibia aos fiéis um vídeo
sobre o templo, que está sendo erguido na Zona Leste da cidade e
custará R$ 350 milhões. "Os (doadores) terão seus nomes colocados nas
640 colunas do templo", diz o pastor, pouco antes de serem entregues
envelopes para doações. "O bispo disse que um homem doou R$ 200 mil. Se
você não pode R$ 200 mil, pode mil, pode R$ 500. Doe de acordo com a sua
fé."
Alguns fiéis apoiam o pagamento do dízimo e doações desse tipo como
forma de dar continuidade ao trabalho religioso. Mara Maravilha, fiel
da Universal, é uma delas. Para a cantora, quem não paga a contribuição
está "roubando de Deus" e "se o pastor vai fazer certo ou errado (com o
dinheiro), isso não cabe mais" ao fiel. "Graças a Deus que se abrem
muitas igrejas. É melhor do que abrir botequim", afirma Mara. "A gente,
por mais que dê, nunca vai conseguir dar mais do que Deus nos dá."
Ela também rejeita as críticas de mercantilismo. "Os produtos têm
efeito que não tem dinheiro que pague para uma pessoa sem esperança.
Antes, eu vendia até revista masculina. Hoje, vendo a palavra de Deus.
Estou errada hoje ou estava antes?"
Perigo
A executiva Márcia Félix, 37 anos, fiel da Igreja Quadrangular, tem
opinião semelhante. Afirma que sua igreja incentiva seu crescimento e a
realização de seus sonhos e que o eventual enriquecimento de pastores
não a incomoda. "Busco primeiro o Reino de Deus e sua justiça",
argumenta a fiel evangélica. "Se tem quem rouba, é cada um com Deus."
Já Daniel Berteli, frequentador da Conde de Sarzedas, diz que
considera a visão empresarial da religião "perigosa". "(Algumas igrejas)
têm deixado o princípio de servir e viraram indústria." O limite para a
atuação das igrejas é difícil de definir, levando-se em conta que é
tênue a linha que separa consumo e religião.
"Não temos um compartimento mental para a religião", diz Mário
René, da ESPM. "Todos buscamos sentido, que pode ser atingido por
espiritualidade, responsabilidade social, esoterismo e até pelo
consumo." René avalia ainda que, hoje, a prática comercial é
praticamente inerente ao processo de angariar fiéis para uma determinada
crença. "Posso abrir uma igreja com praticamente nada. E daí, o que eu
faço? Preciso de uma estratégia de marketing para ter sucesso, então vou
procurar um pastor carismático e assim por diante", diz o pesquisador.
Para Ricardo Mariano, da PUC-RS, a questão é se a narrativa do
apelo à prosperidade terá força no longo prazo. "Se a solução para os
problemas (dos fiéis) é pontual, como engajá-los por um longo período?
Isso não foi resolvido ainda."
Nenhum comentário:
Postar um comentário