N° Edição: 2222
| 07.Jun.12 - 19:00
| Atualizado em 11.Jun.12 - 10:15
Nos últimos anos, autoridades policiais de diversos países descobriram que a melhor maneira de combater o crime organizado era atacando-o pelo bolso. No Brasil, porém, essa receita não tem funcionado. Em dez anos, o Ministério da Justiça conseguiu rastrear e bloquear US$ 3 bilhões (pouco mais de R$ 6 bilhões) desviados para paraísos fiscais por sonegadores, traficantes e corruptos em geral. Mas, dessa soma gigantesca, apenas US$ 5 milhões voltaram ao erário – exíguos 0,16%. A explicação está diretamente ligada a uma particularidade nacional: o Brasil é o único país do mundo onde há quatro instâncias recursais. Na prática, uma sentença condenatória pode demorar entre dez e 15 anos para ser executada pela Justiça brasileira, o que impede a devolução desses valores.
Assim que é rastreado pelos agentes do Ministério da Justiça, o dinheiro de origem ilícita fica parado em contas bancárias no Exterior à espera de que o processo seja transitado em julgado aqui, ou seja, aguarda até não caber mais recurso. Uma simples sentença condenatória por tráfico de drogas de primeiro grau, por exemplo, pode ser executada apenas depois de passar pelo Supremo Tribunal Federal, o que pode demorar décadas. “O mais difícil não tem sido localizar esses valores desviados, e sim repatriá-los, pois os países apenas aceitam devolvê-los quando há sentenças definitivas por parte da Justiça brasileira”, afirma o delegado federal Ricardo Saadi, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), responsável pelo bloqueio e repatriação de ativos ilegais. Pelos acordos internacionais, Saadi é obrigado a relatar periodicamente aos países onde se localizam as contas bancárias bloqueadas o andamento dos processos penais no Brasil. “Só quando há a percepção de que ações judiciais demoram em demasia para chegar ao transitado em julgado, o dinheiro é desbloqueado”, acrescenta Saadi.
Em dois casos relacionados ao escândalo do Banestado, o dinheiro foi recuperado a tempo. Em outra situação, o Ministério da Justiça encontrou uma brecha legal para reaver, em setembro de 2010, duas obras de arte pertencentes ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta por conta da quebra do banco Santos. Havia um processo contra o ex-banqueiro nos EUA. Avaliados à época em US$ 4 milhões, os quadros – um do pintor americano Roy Lichtenstein e outro do uruguaio Torres Garcia – foram desviados pelo ex-banqueiro para Nova York.
RASTREAMENTO
Segundo o delegado Ricardo Saadi, localizar os valores
desviados é bem mais fácil do que recuperá-los
A solução para tal impasse passa pela reforma do Código de Processo
Penal. “Há mais de um ano está parada uma proposta na Câmara, já
aprovada no Senado, esperando que o presidente Marco Maia nomeie a
comissão para apreciá-la”, declarou à ISTOÉ o presidente da Associação
de Magistrados, desembargador Nelson Calandra. Uma outra solução
apontada por magistrados e promotores é a aprovação da PEC 15/2011, que
define a situação de transitado em julgado para um processo cuja
sentença tenha sido referendada em tribunal de segundo grau. O texto já
está há mais de seis meses para ser votado na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania. “Temos que acabar com essa indústria da
procrastinação das decisões judiciais no País”, diz o vice-presidente da
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Victor Hugo
Palmeiro de Azevedo Neto. Enquanto isso, os corruptos agradecem.
Como o Brasil deixa escapar quase US$ 3 bilhões
Trata-se do dinheiro da corrupção bloqueado fora do País. Desse total, o governo só conseguiu repatriar US$ 5 milhões. E o Congresso adia a votação de leis que podem mudar esse quadro
Flávio CostaNos últimos anos, autoridades policiais de diversos países descobriram que a melhor maneira de combater o crime organizado era atacando-o pelo bolso. No Brasil, porém, essa receita não tem funcionado. Em dez anos, o Ministério da Justiça conseguiu rastrear e bloquear US$ 3 bilhões (pouco mais de R$ 6 bilhões) desviados para paraísos fiscais por sonegadores, traficantes e corruptos em geral. Mas, dessa soma gigantesca, apenas US$ 5 milhões voltaram ao erário – exíguos 0,16%. A explicação está diretamente ligada a uma particularidade nacional: o Brasil é o único país do mundo onde há quatro instâncias recursais. Na prática, uma sentença condenatória pode demorar entre dez e 15 anos para ser executada pela Justiça brasileira, o que impede a devolução desses valores.
Assim que é rastreado pelos agentes do Ministério da Justiça, o dinheiro de origem ilícita fica parado em contas bancárias no Exterior à espera de que o processo seja transitado em julgado aqui, ou seja, aguarda até não caber mais recurso. Uma simples sentença condenatória por tráfico de drogas de primeiro grau, por exemplo, pode ser executada apenas depois de passar pelo Supremo Tribunal Federal, o que pode demorar décadas. “O mais difícil não tem sido localizar esses valores desviados, e sim repatriá-los, pois os países apenas aceitam devolvê-los quando há sentenças definitivas por parte da Justiça brasileira”, afirma o delegado federal Ricardo Saadi, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), responsável pelo bloqueio e repatriação de ativos ilegais. Pelos acordos internacionais, Saadi é obrigado a relatar periodicamente aos países onde se localizam as contas bancárias bloqueadas o andamento dos processos penais no Brasil. “Só quando há a percepção de que ações judiciais demoram em demasia para chegar ao transitado em julgado, o dinheiro é desbloqueado”, acrescenta Saadi.
Em dois casos relacionados ao escândalo do Banestado, o dinheiro foi recuperado a tempo. Em outra situação, o Ministério da Justiça encontrou uma brecha legal para reaver, em setembro de 2010, duas obras de arte pertencentes ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta por conta da quebra do banco Santos. Havia um processo contra o ex-banqueiro nos EUA. Avaliados à época em US$ 4 milhões, os quadros – um do pintor americano Roy Lichtenstein e outro do uruguaio Torres Garcia – foram desviados pelo ex-banqueiro para Nova York.
RASTREAMENTO
Segundo o delegado Ricardo Saadi, localizar os valores
desviados é bem mais fácil do que recuperá-los
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