A volta do medo nuclear - Parte 1
O mundo inteiro entra em alerta, temendo que o vazamento atômico na usina Fukushima I, no Japão, espalhe uma nuvem radioativa pelo planeta
Delmo Moreira e Luiza VillaméaTESTE
Moradora do entorno da usina passa por inspeção radioativa em Ibaraki
RISCO
Equipes de resgate podem ser contaminadas
Hiroshima
1945 – A cidade em destroços depois que a bomba caiu e um imenso clarão cortou o céu
Miyagi
2011 – Uma das cidades mais atingidas pelo tsunami, parece cenário de guerra
Na volta, os 50 tinham virado 180, muitos deles voluntários. Usam máscaras e roupas de proteção, mas sabem que a missão à qual se dedicam pode custar-lhes a vida. Dois dias antes, tripulantes de helicópteros americanos que haviam voado a 100 quilômetros de Fukushima foram contaminados pela radiação. Os níveis eram baixos, mas, ainda assim, o governo americano reposicionou toda a tropa que mantém na região. As primeiras tentativas de resfriar os reatores de Fukushima I, jogando água de helicópteros, também haviam sido abortadas por causa da radiação. Não por acaso, os 180 trabalhadores que lutam no interior da usina estão sendo venerados como heróis pelos japoneses. “Eles são como combatentes suicidas numa guerra”, disse o especialista Keiichi Makagawa, do Departamento de Radiologia do Hospital Universitário de Tóquio. A comparação ecoou de forma ainda mais profunda na memória afetiva dos japoneses quando a mensagem da filha de um dos trabalhadores de Fukushima I foi lida em uma emissora de tevê: “Meu pai ainda está trabalhando dentro da usina. Eles estão praticamente sem comida. As condições de trabalho são duras. Ele diz que aceita seu destino como uma pena de morte”, contou a garota.
Hiroshima
1945 – Civis e soldados aguardam os poucos ônibus que circulam após a catástrofe nuclear
KORYAMA
2011 – Moradores fazem fila para receber água potável na região ameaça pelo perigo atômico
Com exceção do inédito pronunciamento do imperador, os principais sinalizadores da gravidade da crise vêm do exterior. Na França, estima-se que uma nuvem radioativa proveniente de Fukushima atingirá os céus da Europa nos próximos dias. Thierry Charles, o diretor do Instituto de Segurança Nuclear da França, não mediu palavras ao expressar seu pessimismo. “É uma situação de alto risco. Uma evaporação completa (da piscina do reator 4 da usina) nos deixaria no mesmo nível de exposição que Chernobyl”, comparou Charles, referindo-se ao acidente de 1986 na antiga república soviética. Nas imediações de Fukushima I, enquanto o Japão ordenou a evacuação de uma área de 20 quilômetros ao redor da usina, os Estados Unidos estabeleceram em 80 quilômetros o diâmetro de segurança para os americanos. “Mesmo que as equipes de emergência japonesas continuem fazendo um trabalho heroico, sabemos que os danos aos reatores nucleares na usina de Fukushima apresentam um risco substancial para as pessoas que estão próximas”, explicou o presidente Barack Obama.
Para aguçar as suspeitas de que o governo japonês esconde informações estratégicas sobre a crise nuclear, veio à tona um documento de 2008, obtido pelo site WikiLeaks. No documento, o embaixador americano Thomas Schieffer relata denúncia feita por um respeitado líder político japonês, o deputado Taro Kono, de que o governo ocultava dados sobre acidentes nucleares no país. Em outro documento, o serviço diplomático americano informava que as medidas de segurança contra terremotos no arquipélago só haviam sido revisadas três vezes nos 35 anos anteriores. Além disso, após o terremoto de 6,8 graus na escala Richter ocorrido em 2007 na usina nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, a maior do mundo, o próprio governo japonês reconheceu que a empresa responsável pela usina, a Tokyo Eletric Power Co. (Tepco), havia comunicado de forma lenta e pouco rigorosa os danos causados pelo tremor.
SOBREVIVENTE
Resgate do terremoto seguido por tsunami que já deixou quase sete mil mortos
Por causa do clima de terror, um intenso êxodo vem marcando o cotidiano japonês. Com medo de uma hecatombe atômica, estrangeiros abandonam em massa o arquipélago. O movimento se reflete inclusive no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, com o desembarque constante de brasileiros antes radicados no Japão. No cenário interno, a debandada é para o sul, o mais longe possível de Fukushima I. A 250 quilômetros da usina, Tóquio, a antes pulsante capital, com 32 milhões de moradores na região metropolitana, está com as ruas desertas.
ALERTA
A pane no complexo nuclear provocou evacuação de moradores, inspeção
radioativa e êxodo para o sul do país, além de mobilização de tropas e de
especialistas no combate a desastres nucleares
A volta do medo nuclear - Parte 2
O mundo inteiro entra em alerta, temendo que o vazamento atômico na usina Fukushima I, no Japão, espalhe uma nuvem radioativa pelo planeta
Delmo Moreira e Luiza VillaméaOs efeitos da radiação atômica sobre os seres humanos começaram a ser identificados pelos japoneses antes mesmo de eles saberem que a bomba de urânio lançada sobre Hiroshima levava o apelido de Little Boy e que a bomba de plutônio responsável pela devastação de Nagasaki era chamada pelos soldados americanos de Fat Man. Em setembro de 1945 médicos da Cruz Vermelha em Hiroshima começaram a formular uma teoria sobre a natureza da nova enfermidade. O primeiro estágio era acachapante: 60% das vítimas tinham morrido queimadas pelo calor de 6 mil graus centígrados que a bomba provocou no solo. Um mês depois, os médicos começaram a notar que mesmo aqueles que haviam sobrevivido sem ferimentos à explosão começavam a revelar sintomas como anemia, fadiga, perda de cabelos, alterações sanguíneas e febre altíssima. Espalhou-se, então, o boato que a bomba havia depositado um tipo de veneno sobre a cidade que ia se desprendendo aos poucos. Era a radiointoxicação, a mesma ameaça que paira sobre aqueles expostos à radioatividade de Fukushima I. Dependendo do grau de contaminação, seus efeitos vão da morte imediata a alterações na estrutura das células, podendo provocar câncer.
O espírito pragmático, a obediência civil e a fé cega dos japoneses na tecnologia podem explicar como um povo que conheceu o poder atômico por seu lado mais macabro, ingressou de forma tão avassaladora no uso da energia nuclear. Fukushima I abriga apenas seis dos 55 reatores atômicos do Japão. A usina completa 40 anos no próximo dia 26. No começo dos anos 1970, quando foi instalada na região, chegou como símbolo de redenção econômica, já que as minas de carvão da região haviam entrado em decadência. Hoje representa o inferno pelo qual já passaram Hiroshima e Nagazaki. Na sexta-feira 18, nem o restabelecimento da linha de transmissão de energia que pode viabilizar o resfriamento dos reatores amenizou a crise. Na sequencia, a agência nuclear japonesa admitiu que o acidente tinha “conseqüência de maior alcance” que local. Pouco depois, imagens de Tóquio eram exibidas na tevê. Os raros moradores que passavam por uma avenida semideserta usavam máscaras e carregavam sacolas com víveres. De tempos em tempos, um solitário gari pegava com uma pinça de madeira um pedacinho de papel jogado no chão. Apesar da crise, não havia nenhum tumulto. E a cidade permanecia limpíssima.
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