05/04/2011 - 02h11 A piada começa assim: um economista, um advogado e um professor de marketing entram em uma sala. Qual é o desfecho da piada? Eles eram três dos cinco “especialistas” convocados pelos republicanos para testemunharem em uma audiência sobre ciência climática no Congresso, na semana passada.
Mas os republicanos é que no final viraram objeto de ridículo, quando um dos dois cientistas de fato que convidaram para testemunhar saiu do roteiro.
O professor Richard Muller, um físico de Berkeley que entrou no jogo dos céticos climáticos, tem liderado o projeto Temperatura da Superfície da Terra de Berkeley, um esforço parcialmente financiando pela fundação Koch. E os negadores da mudança climática –que alegam que os pesquisadores da Nasa e de outros grupos que analisam as tendências climáticas estão distorcendo os dados– esperavam que o projeto de Berkeley concluiria que o aquecimento global é um mito.
Em vez disso, Muller relatou que os resultados preliminares do grupo apontam que a tendência de aquecimento global está “muito semelhante à relatada por outros grupos”.
A resposta dos negadores foi tanto previsível quanto reveladora; mais sobre isso em breve. Mas primeiro, vamos falar um pouco mais sobre a lista de testemunhas, que levantaram a mesma pergunta que eu e outros temos feito sobre várias audiências realizadas desde que o Partido Republicano retomou o controle da Câmara: onde eles encontram essas pessoas?
Minha favorita ainda é a primeira audiência de Ron Paul sobre política monetária, na qual a principal testemunha era alguém mais conhecido por escrever um livro condenando Abraham Lincoln como sendo um “tirano horrível” –e por defender um novo movimento de secessão, como resposta apropriada ao “novo Estado ‘fascista’ americano”.
Os não-cientistas da audiência da semana passada não eram do mesmo calibre, mas o depoimento preparado por eles ainda assim continha alguns momentos memoráveis. Uma foi a declaração do advogado de que a Agência de Proteção Ambiental não pode declarar as emissões de gases do efeito estufa como sendo uma ameaça à saúde, porque essas emissões estão em ascensão por um século, mas a saúde pública melhorou no mesmo período. Eu não estou inventando isso.
Ah, e o professor de marketing, ao fornecer uma lista de casos anteriores de “comparações ao alarme em torno do perigoso aquecimento global causado pelo homem” –presumivelmente visando mostrar por que devemos ignorar aqueles que se preocupam– incluía problemas como a chuva ácida e o buraco na camada de ozônio, que foram contidos precisamente graças à regulamentação ambiental.
Mas de volta a Miller. Suas credenciais de cético climático são fortes: ele condenou tanto Al Gore quanto meu colega Tom Friedman como “exageradores” e participou de vários ataques contra a pesquisa climática, incluindo à caça às bruxas em torno dos e-mails inócuos de pesquisadores climáticos britânicos. Sem causar surpresa, os negadores da mudança climática nutriam grandes esperanças de que seu novo projeto apoiaria seu argumento.
É possível imaginar o que aconteceu quando essas esperanças foram arruinadas.
Há poucas semanas, Anthony Watts, que dirige um site proeminente de negadores de mudança climática, elogiou o projeto de Berkeley e se declarou piamente “preparado para aceitar qualquer resultado que vier a produzir, mesmo que prove que minha premissa está errada”. Mas assim que soube que Muller apresentaria esses resultados preliminares, Watts desdenhou a audiência como “teatro político científico normal”. E um dos colaboradores frequentes de seu site desdenhou Miller como sendo “um homem movido por uma agenda muito séria”.
É claro, são os negadores da mudança climática que têm uma agenda, e ninguém que tem acompanhado esta discussão acreditou por um só momento que eles aceitariam um resultado confirmando o aquecimento global. Mas vale a pena recuar por um momento e pensar não apenas a respeito da ciência aqui, mas da moralidade.
Por anos, um grande número de cientistas proeminentes está alertando, com urgência cada vez maior, que se mantivermos os negócios como de costume, os resultados serão muito ruins, talvez catastróficos. Eles podem estar errados. Mas para afirmar que estão de fato errados, você teria a responsabilidade moral de abordar o assunto com extrema seriedade e mente aberta. Afinal, se os cientistas estiverem certos, você provocará um dano imenso.
Mas em vez de extrema seriedade, nós tivemos uma farsa: uma audiência supostamente crucial repleta de pessoas que não tinham nenhum sentido de estarem lá, e o ostracismo instantâneo para o cético da mudança climática que estava realmente disposto a mudar de ideia diante da evidência. Como eu disse, nenhuma surpresa: como Upton Sinclair apontou há muito tempo, é difícil fazer um homem entender algo quando seu salário depende de não entender.
Mas é assustador perceber que esse tipo de carreirismo cínico –pois é o que é– provavelmente tenha assegurado que não faremos nada a respeito da mudança climática até que a catástrofe já esteja sobre nós.
Pensando bem, eu estava errado quando disse que o Partido Republicano era o objeto de ridículo. Na verdade, o objeto de ridículo é a raça humana.
A verdade da mudança climática ainda é inconveniente
Paul Krugman- "É assustador perceber que não faremos nada a respeito da mudança climática até que a catástrofe já esteja sobre nós"
Mas os republicanos é que no final viraram objeto de ridículo, quando um dos dois cientistas de fato que convidaram para testemunhar saiu do roteiro.
O professor Richard Muller, um físico de Berkeley que entrou no jogo dos céticos climáticos, tem liderado o projeto Temperatura da Superfície da Terra de Berkeley, um esforço parcialmente financiando pela fundação Koch. E os negadores da mudança climática –que alegam que os pesquisadores da Nasa e de outros grupos que analisam as tendências climáticas estão distorcendo os dados– esperavam que o projeto de Berkeley concluiria que o aquecimento global é um mito.
Em vez disso, Muller relatou que os resultados preliminares do grupo apontam que a tendência de aquecimento global está “muito semelhante à relatada por outros grupos”.
A resposta dos negadores foi tanto previsível quanto reveladora; mais sobre isso em breve. Mas primeiro, vamos falar um pouco mais sobre a lista de testemunhas, que levantaram a mesma pergunta que eu e outros temos feito sobre várias audiências realizadas desde que o Partido Republicano retomou o controle da Câmara: onde eles encontram essas pessoas?
Minha favorita ainda é a primeira audiência de Ron Paul sobre política monetária, na qual a principal testemunha era alguém mais conhecido por escrever um livro condenando Abraham Lincoln como sendo um “tirano horrível” –e por defender um novo movimento de secessão, como resposta apropriada ao “novo Estado ‘fascista’ americano”.
Os não-cientistas da audiência da semana passada não eram do mesmo calibre, mas o depoimento preparado por eles ainda assim continha alguns momentos memoráveis. Uma foi a declaração do advogado de que a Agência de Proteção Ambiental não pode declarar as emissões de gases do efeito estufa como sendo uma ameaça à saúde, porque essas emissões estão em ascensão por um século, mas a saúde pública melhorou no mesmo período. Eu não estou inventando isso.
Ah, e o professor de marketing, ao fornecer uma lista de casos anteriores de “comparações ao alarme em torno do perigoso aquecimento global causado pelo homem” –presumivelmente visando mostrar por que devemos ignorar aqueles que se preocupam– incluía problemas como a chuva ácida e o buraco na camada de ozônio, que foram contidos precisamente graças à regulamentação ambiental.
Mas de volta a Miller. Suas credenciais de cético climático são fortes: ele condenou tanto Al Gore quanto meu colega Tom Friedman como “exageradores” e participou de vários ataques contra a pesquisa climática, incluindo à caça às bruxas em torno dos e-mails inócuos de pesquisadores climáticos britânicos. Sem causar surpresa, os negadores da mudança climática nutriam grandes esperanças de que seu novo projeto apoiaria seu argumento.
É possível imaginar o que aconteceu quando essas esperanças foram arruinadas.
Há poucas semanas, Anthony Watts, que dirige um site proeminente de negadores de mudança climática, elogiou o projeto de Berkeley e se declarou piamente “preparado para aceitar qualquer resultado que vier a produzir, mesmo que prove que minha premissa está errada”. Mas assim que soube que Muller apresentaria esses resultados preliminares, Watts desdenhou a audiência como “teatro político científico normal”. E um dos colaboradores frequentes de seu site desdenhou Miller como sendo “um homem movido por uma agenda muito séria”.
É claro, são os negadores da mudança climática que têm uma agenda, e ninguém que tem acompanhado esta discussão acreditou por um só momento que eles aceitariam um resultado confirmando o aquecimento global. Mas vale a pena recuar por um momento e pensar não apenas a respeito da ciência aqui, mas da moralidade.
Por anos, um grande número de cientistas proeminentes está alertando, com urgência cada vez maior, que se mantivermos os negócios como de costume, os resultados serão muito ruins, talvez catastróficos. Eles podem estar errados. Mas para afirmar que estão de fato errados, você teria a responsabilidade moral de abordar o assunto com extrema seriedade e mente aberta. Afinal, se os cientistas estiverem certos, você provocará um dano imenso.
Mas em vez de extrema seriedade, nós tivemos uma farsa: uma audiência supostamente crucial repleta de pessoas que não tinham nenhum sentido de estarem lá, e o ostracismo instantâneo para o cético da mudança climática que estava realmente disposto a mudar de ideia diante da evidência. Como eu disse, nenhuma surpresa: como Upton Sinclair apontou há muito tempo, é difícil fazer um homem entender algo quando seu salário depende de não entender.
Mas é assustador perceber que esse tipo de carreirismo cínico –pois é o que é– provavelmente tenha assegurado que não faremos nada a respeito da mudança climática até que a catástrofe já esteja sobre nós.
Pensando bem, eu estava errado quando disse que o Partido Republicano era o objeto de ridículo. Na verdade, o objeto de ridículo é a raça humana.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Paul Krugman
Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008
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