N° Edição: 2214
| 13.Abr.12 - 21:00
| Atualizado em 15.Abr.12 - 13:42
"Ainda sinto medo de dizer não a um aluno e ser agredida"
Glaucia Teresinha da Silva, que sofreu traumatismo
craniano após ser empurrada por uma estudante
O que era para ser uma corriqueira entrega de provas virou um
bate-boca intimidador seguido de agressão física. Descontente com a
nota, a estudante abriu mão dos argumentos acadêmicos para contestar a
correção e avançou sobre a professora Christiane Souza Alves durante a
aula. “Ela usou xingamentos de baixo calão, veio atrás de mim quando eu
saí da sala e me empurrou”, diz Christiane, que, após 13 anos de
docência, passou um semestre sendo acompanhada no trajeto da instituição
de ensino para sua casa, teve princípio de síndrome do pânico e começou
a tomar antidepressivos. Seria mais um triste episódio a engrossar as
estatísticas de violência nas salas de aula, não fosse a mudança de
cenário.
A economista Christiane é professora universitária, ambiente onde tem aumentado o número de agressões a docentes, do mesmo modo que nas escolas da rede particular de ensino. “Ela gritou: ‘Você é paga para concordar comigo.’”, diz Christiane. A estudante em questão, uma jovem de 20 anos, continua na universidade. Foi apenas proibida de assistir às aulas de Christiane. “A relação professor-aluno acabou”, afirma a professora, que pediu para não identificar a instituição em que teve problemas.
EXEMPLO
Irmã de um professor assassinado por um aluno em 2010, Sandra comanda
a execução de um projeto contra a violência em escolas em Betim (MG)
Em Minas Gerais, onde Christiane leciona, quase metade das queixas
recebidas pelo disque-denúncia contra abusos vem da rede privada. O
serviço, pioneiro no Brasil, foi criado no último ano, em resposta à
morte do professor Kassio Vinicius Castro Gomes, em dezembro de 2010.
Ele foi morto a facadas no corredor principal do Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix, uma tradicional instituição de ensino
superior da capital mineira com mensalidades que rondam a casa dos R$ 1
mil. Professores sem autoridade, alunos com excesso de poder e
coordenações escolares omissas formam a bomba-relógio da violência
escolar. “As salas de aula estão mais violentas, pois a própria
sociedade também está”, afirma a pesquisadora Jussara Paschoalino,
autora do livro “Professor Desencantado: Matizes do Trabalho Docente”
(Armazém de Ideias, 2009). “As agressões contra o professor surgem de
várias partes, mas o maior desgaste que percebo é com relação aos
alunos.” Essa mesma impressão foi captada por um estudo feito pela
International Stress Management Association (Isma-BR). Dos mil
professores ouvidos, 46% indicaram como principal fonte de estresse a
indisciplina dos estudantes – que muitas vezes ganha eco na omissão dos
pais. “Os docentes estão mais vulneráveis à agressão que outras
profissões”, considera Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR. Basta
lembrar que, sozinhos, eles têm de manter sob controle turmas de até 40
pessoas. E o risco independe da idade de quem ocupa a carteira. “Só nos
últimos dez dias recebemos três denúncias de ameaças contra professores
de universidades mineiras. Isso acende o alerta também nesse nível de
ensino”, afirmou o presidente do Sindicato dos Professores do Estado de
Minas Gerais, Gilson Reis, em entrevista à ISTOÉ, na segunda-feira 9.
Pouco a pouco, a preocupação invade a pauta dos sindicatos de vários Estados. No Rio de Janeiro, depois de iniciar uma campanha incentivando os professores a cuidarem da voz, o órgão de classe percebeu que os distúrbios na fala eram, em grande parte dos casos, apenas reações físicas a problemas bem mais complexos, de cunho emocional. A constatação mudou o eixo do trabalho. “Ampliamos a mobilização para o tema da saúde mental dos professores”, diz o presidente do órgão, Wanderley Quedo. Psicólogos foram treinados para atender os docentes e o sindicato criou um portal, o saudedoprofessor.com.br. Iniciativa semelhante é mantida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS) desde 2008. Roséli Cabistani, professora da universidade federal do Estado e assessora do núcleo de atendimento ao professor do Sinpro-RS, chama a atenção para uma questão comum no discurso dos docentes que participam das rodas de conversa promovidas pelo sindicato: a desvalorização da profissão. A ideia ganha fôlego diante do baixo salário da categoria, cujo piso nacional hoje é de R$ 1.451 para 40 horas semanais. “O aluno vem sendo amparado em um discurso no qual é difícil admirar o professor, porque ele ganha pouco e, dentro dessa lógica, quem ganha pouco vale pouco”, fala Roséli.
“Depois de ser xingada por um grupo de
alunas no Orkut, desisti de dar aulas”
Etiene Selbach Silveira, ex-professora
Desvalorizado financeiramente e socialmente, resta ao docente um
sentimento de abandono. “O professor tem de se virar na sala de aula
para ensinar e para tomar cuidado com o que pode acontecer ali dentro”,
diz F., 28 anos. Ele dá aulas de educação física na rede pública de
Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte, e já teve de sair
escoltado do colégio por um policial após ser ameaçado por um aluno. O
garoto, depois de ser repreendido pelo professor por causa do
comportamento violento durante o treino de basquete, voltou ao colégio
acompanhado por uma turma de não alunos para “acertar as contas”. F.
conseguiu contornar a situação e continuou dando aulas na mesma escola,
mas pede para não divulgar sua identidade. Nem todos, porém, superam o
susto e seguem na carreira. Colega de profissão de F., a professora
gaúcha Etiene Selbach Silveira, 43 anos, tirou seu time de campo, após
21 anos de magistério, quando descobriu agressões virtuais perpetradas
por um grupo de sete estudantes do Colégio Nossa Senhora do Bom
Conselho, onde dava aula. “Meu mundo caiu. Nunca tinha tido problema com
alunos e nem sabia o que era Orkut quando descobri que elas tinham
criado uma comunidade falando mal de mim”, relembra ela, que é filha e
irmã de professoras. Passado o choque, reclamou no sindicato e na
direção da escola. A comunidade saiu do ar em dois dias, mas, para
espanto de Etiene, ela recebeu a carta de demissão poucos meses depois.
“Depois disso desisti”, conta ela, que trabalha com vendas. Casos como o
de Etiene, em que o professor é preterido pela direção da escola, são
comuns na rede privada. “Nos colégios particulares, se alguém não gosta
de algo, o professor é demitido”, diz Cecília Farias, diretora do
Sinpro-RS.
Para tentar mudar as regras do jogo, até agora bem desfavoráveis ao professor, foi proposto um projeto de lei prevendo medidas protetivas para os casos de violência contra docentes (o PL 191 de 2009). “O PL não foi bem aceito pelos congressistas e está encalhado”, critica o autor da proposta, o senador Paulo Paim (PT-RS). Situação semelhante acontece na vizinha Argentina. Por lá, a procura pela União dos Docentes Argentinos (UDA) para relatar casos de agressão contra professores cresceu 20% só no último ano. Preocupado, o órgão propôs um projeto de lei, mas, assim como no Brasil, a iniciativa também não foi adiante. “O Poder Executivo e o Congresso Nacional argentinos ainda não reconheceram o problema da violência contra os professores na escola”, disse à ISTOÉ Sérgio Romero, secretário-geral da UDA. E a questão não está restrita aos países em desenvolvimento. Na Inglaterra, pesquisa recém-divulgada pela Associação dos Professores registrou que um terço dos tutores e funcionários de escolas já havia tido contato com violência física dentro das instituições de ensino. Nos Estados Unidos, a Associação Americana de Psicologia montou em 2008 uma força-tarefa para pesquisar os impactos das agressões contra professores. Nos cálculos fechados pelo grupo, o problema custa aos cofres americanos US$ 2 bilhões por ano.
"O professor tem de se virar na sala de aula para ensinar
e para tomar cuidado com o que pode acontecer ali dentro"
F., professor de educação física, que teve de sair escoltado
do colégio após ser ameaçado por um aluno
O cenário é desolador, mas algumas iniciativas dão esperanças. Em
Minas Gerais, o professor Kassio Gomes, citado no início da matéria,
tornou-se nome do projeto de combate à violência nas escolas
desenvolvido na Prefeitura de Betim, na região metropolitana de Belo
Horizonte. À frente está a irmã do docente morto, a também professora e
hoje secretária de Educação do município, Sandra Gomes. “A morte do
Kassio foi um choque, ele tinha um convívio ótimo com os alunos”, diz
Sandra. No Rio Grande do Sul, a homenagem da Secretaria de Estado de
Educação no último ano à educadora Glaucia Teresinha da Silva pôs um
ponto final a um triste episódio. Em 2009, ela sofreu traumatismo
craniano após ser empurrada violentamente por uma estudante da Escola
Estadual Bahia. Voltar a dar aula foi um processo delicado, tanto pelas
sequelas psicológicas quanto pelo impacto físico da agressão – Glaucia
foi obrigada a usar muletas durante vários meses. “Ainda sinto medo de
dizer não a algum aluno ou simplesmente chamar a atenção em sala de
aula”, diz. Mesmo assim, ela decidiu retomar a carreira e, à frente de
uma turma em processo de alfabetização, desenvolveu um projeto de livro
colaborativo escrito pelos estudantes, que se tornou uma espécie de “boa
prática” dentro da rede de ensino gaúcha. “Só esse reconhecimento já me
motivou a fazer outros projetos e a reacreditar na educação.” Provas de
que é possível dar respostas lúcidas às situações de violência,
erguendo a bandeira branca no campo de guerra que têm se tornado as
salas de aula.
Professor, profissão perigo
Aumentam os casos de agressão física e psicológica a docentes brasileiros nas escolas particulares e nas universidades
Rachel Costa"Ainda sinto medo de dizer não a um aluno e ser agredida"
Glaucia Teresinha da Silva, que sofreu traumatismo
craniano após ser empurrada por uma estudante
A economista Christiane é professora universitária, ambiente onde tem aumentado o número de agressões a docentes, do mesmo modo que nas escolas da rede particular de ensino. “Ela gritou: ‘Você é paga para concordar comigo.’”, diz Christiane. A estudante em questão, uma jovem de 20 anos, continua na universidade. Foi apenas proibida de assistir às aulas de Christiane. “A relação professor-aluno acabou”, afirma a professora, que pediu para não identificar a instituição em que teve problemas.
EXEMPLO
Irmã de um professor assassinado por um aluno em 2010, Sandra comanda
a execução de um projeto contra a violência em escolas em Betim (MG)
Pouco a pouco, a preocupação invade a pauta dos sindicatos de vários Estados. No Rio de Janeiro, depois de iniciar uma campanha incentivando os professores a cuidarem da voz, o órgão de classe percebeu que os distúrbios na fala eram, em grande parte dos casos, apenas reações físicas a problemas bem mais complexos, de cunho emocional. A constatação mudou o eixo do trabalho. “Ampliamos a mobilização para o tema da saúde mental dos professores”, diz o presidente do órgão, Wanderley Quedo. Psicólogos foram treinados para atender os docentes e o sindicato criou um portal, o saudedoprofessor.com.br. Iniciativa semelhante é mantida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS) desde 2008. Roséli Cabistani, professora da universidade federal do Estado e assessora do núcleo de atendimento ao professor do Sinpro-RS, chama a atenção para uma questão comum no discurso dos docentes que participam das rodas de conversa promovidas pelo sindicato: a desvalorização da profissão. A ideia ganha fôlego diante do baixo salário da categoria, cujo piso nacional hoje é de R$ 1.451 para 40 horas semanais. “O aluno vem sendo amparado em um discurso no qual é difícil admirar o professor, porque ele ganha pouco e, dentro dessa lógica, quem ganha pouco vale pouco”, fala Roséli.
“Depois de ser xingada por um grupo de
alunas no Orkut, desisti de dar aulas”
Etiene Selbach Silveira, ex-professora
Para tentar mudar as regras do jogo, até agora bem desfavoráveis ao professor, foi proposto um projeto de lei prevendo medidas protetivas para os casos de violência contra docentes (o PL 191 de 2009). “O PL não foi bem aceito pelos congressistas e está encalhado”, critica o autor da proposta, o senador Paulo Paim (PT-RS). Situação semelhante acontece na vizinha Argentina. Por lá, a procura pela União dos Docentes Argentinos (UDA) para relatar casos de agressão contra professores cresceu 20% só no último ano. Preocupado, o órgão propôs um projeto de lei, mas, assim como no Brasil, a iniciativa também não foi adiante. “O Poder Executivo e o Congresso Nacional argentinos ainda não reconheceram o problema da violência contra os professores na escola”, disse à ISTOÉ Sérgio Romero, secretário-geral da UDA. E a questão não está restrita aos países em desenvolvimento. Na Inglaterra, pesquisa recém-divulgada pela Associação dos Professores registrou que um terço dos tutores e funcionários de escolas já havia tido contato com violência física dentro das instituições de ensino. Nos Estados Unidos, a Associação Americana de Psicologia montou em 2008 uma força-tarefa para pesquisar os impactos das agressões contra professores. Nos cálculos fechados pelo grupo, o problema custa aos cofres americanos US$ 2 bilhões por ano.
"O professor tem de se virar na sala de aula para ensinar
e para tomar cuidado com o que pode acontecer ali dentro"
F., professor de educação física, que teve de sair escoltado
do colégio após ser ameaçado por um aluno
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