N° Edição: 2306
| 31.Jan.14 - 20:50
| Atualizado em 02.Fev.14 - 20:07
IMPUNIDADE
Rio de Janeiro, terça-feira 28: caminhão com caçamba levantada
destrói passarela e mata pessoas diante das autoridades de trânsito
ENTALADOS
Em São Paulo, é comum que carretas altas demais fiquem presas em
viadutos, como o da avenida Pacaembu (ao lado) e do Bresser (no alto)
No país da negligência
Combinação de irresponsabilidade do condutor, ausência de tecnologia e falta de fiscalização explica acidentes como o que matou cinco pessoas no Rio de Janeiro
Wilson Aquino, Michel Alecrim e Raul Montenegro (waquino@istoe.com.br)IMPUNIDADE
Rio de Janeiro, terça-feira 28: caminhão com caçamba levantada
destrói passarela e mata pessoas diante das autoridades de trânsito
Eram 9 horas da terça-feira 28 quando
Adriano Pontes de Oliveira, 26 anos, saiu de casa, na favela Águia de
Ouro, em Inhaúma, zona norte do Rio de Janeiro, para o trabalho em uma
agência bancária em outro bairro. Ele deveria atravessar a passarela
sobre a Linha Amarela para pegar o ônibus. Mais ou menos no mesmo
horário, a cinco quilômetros dali, Luiz Fernando da Costa, 30 anos,
assumia o volante do caminhão com caçamba placa LLN 2225, em Água Santa,
também na zona norte, com destino à região portuária. Costa resolveu
cortar caminho pela Linha Amarela, apesar de saber que não poderia
trafegar ali naquele horário, acelerou além do limite permitido de 80 km
por hora e atendeu o celular. Motorista profissional há uma década, ele
não temia a fiscalização, praticamente inexistente e comprovadamente
ineficiente, e muito menos as multas irrisórias pelas infrações. Com a
atenção desviada, não percebeu que a caçamba fora totalmente içada e,
sem sensores que pudessem alertá-lo, seguiu em frente. A conjunção de
negligências fez o que era previsto: 13 minutos depois, a caçamba
derrubava a passarela e tirava a vida de Oliveira e de mais quatro
inocentes.
A dona de casa Célia Maria, 64 anos, que atravessava a passarela para ir à feira, não aguentou o impacto que demoliu as 120 toneladas de concreto e caiu morta no asfalto. As três outras vítimas estavam em carros que passavam embaixo e foram esmagadas pelo entulho de aço que caiu sobre elas. No local, morreram o taxista Alexandre Gonçalves de Almeida e o motorista de um Palio, Renato Soares, 62 anos. No dia seguinte, faleceu no hospital o passageiro do Palio, Luiz Carlos Guimarães, 60 anos. Outras quatro pessoas ficaram feridas, entre as quais o motorista Costa. Pela Linha Amarela, circulam 130 mil veículos por dia. A via de 25 quilômetros conta com 51 câmeras e cinco radares de velocidade, além de três sensores de asfalto, para fiscalizar a circulação de caminhões fora do horário permitido, e de 100 policiais militares, distribuídos em sete cabines e torres de vigilância, dois carros e duas motocicletas. Nos dez primeiros dias de 2014, a PM multou apenas 127 caminhões por trafegar fora da hora permitida. Um dia depois do acidente, surpreendeu 341, num aumento de 1.800%. São Paulo ainda não viu acidente nas proporções do ocorrido no Rio – mas corre o risco, se nada for feito. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), foram 22 colisões de caminhões com passarelas e pontes no ano passado na capital, causando um transtorno substancial para o trânsito já caótico da cidade, cortada pelas marginais Pinheiros e Tietê – vias repletas de pontes e por onde os caminhões são obrigados a trafegar. Apesar de representarem apenas 2% da frota paulistana, os caminhões contribuíram com 12% dos acidentes com vítimas da cidade.
A dona de casa Célia Maria, 64 anos, que atravessava a passarela para ir à feira, não aguentou o impacto que demoliu as 120 toneladas de concreto e caiu morta no asfalto. As três outras vítimas estavam em carros que passavam embaixo e foram esmagadas pelo entulho de aço que caiu sobre elas. No local, morreram o taxista Alexandre Gonçalves de Almeida e o motorista de um Palio, Renato Soares, 62 anos. No dia seguinte, faleceu no hospital o passageiro do Palio, Luiz Carlos Guimarães, 60 anos. Outras quatro pessoas ficaram feridas, entre as quais o motorista Costa. Pela Linha Amarela, circulam 130 mil veículos por dia. A via de 25 quilômetros conta com 51 câmeras e cinco radares de velocidade, além de três sensores de asfalto, para fiscalizar a circulação de caminhões fora do horário permitido, e de 100 policiais militares, distribuídos em sete cabines e torres de vigilância, dois carros e duas motocicletas. Nos dez primeiros dias de 2014, a PM multou apenas 127 caminhões por trafegar fora da hora permitida. Um dia depois do acidente, surpreendeu 341, num aumento de 1.800%. São Paulo ainda não viu acidente nas proporções do ocorrido no Rio – mas corre o risco, se nada for feito. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), foram 22 colisões de caminhões com passarelas e pontes no ano passado na capital, causando um transtorno substancial para o trânsito já caótico da cidade, cortada pelas marginais Pinheiros e Tietê – vias repletas de pontes e por onde os caminhões são obrigados a trafegar. Apesar de representarem apenas 2% da frota paulistana, os caminhões contribuíram com 12% dos acidentes com vítimas da cidade.
ENTALADOS
Em São Paulo, é comum que carretas altas demais fiquem presas em
viadutos, como o da avenida Pacaembu (ao lado) e do Bresser (no alto)
O acidente na Linha Amarela poderia ter
sido evitado se já estivesse em vigor o projeto de lei, de autoria do
deputado federal Antônio Bulhões (PRB-SP), que torna obrigatória a
instalação de um alarme para alertar motoristas no caso de a caçamba
estar levantada. Na capital paulista, por exemplo, onde a intercorrência
mais comum é a de grandes veículos presos sob alguma ponte por ter
altura indevida, a principal medida de prevenção da prefeitura são as
chamadas vigas de sacrifício – portais instalados antes da entrada dos
túneis para impedir o acesso de carretas muito altas. “Elas são a última
linha de defesa para impedir que o veículo avance”, afirma Ricardo
Simões, gerente de produtos de uma empresa que desenvolve tecnologia
para o trânsito. Especialistas de modo geral também pedem a instalação,
em todo o Brasil, de mais radares medidores de altura e painéis
luminosos que avisem o caminhoneiro sobre o excesso de altura antes de
uma eventual batida. Mas o sociólogo e professor da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Glaucio Soares diz que nenhuma medida
adiantará se a falta de cultura cívica da população brasileira
continuar. Um exemplo dessa incivilidade, segundo ele, é o perigoso
hábito nacional de falar ao celular enquanto está dirigindo. Além da
prática comum de tentar burlar os rodízios de veículos, muitos
motoristas levantam a caçamba, por sinal, para esconder a placa e
infringir a lei.
O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), Claudinei Pelegrini, aponta a carência de mão de obra treinada como outro grave problema. De acordo com ele, atualmente, faltam mais de 100 mil caminhoneiros no setor de transporte do País, o que faz com que muitos veículos fiquem parados no pátio. “Quando chega um motorista com carteira, muitas vezes ele assume um equipamento que não está preparado para dirigir, sem sequer passar por um curso de capacitação”, afirma Pelegrini. Estudioso de segurança e educação no trânsito, o sociólogo Eduardo Biavati atribui parte da responsabilidade às companhias que fazem o frete e deveriam monitorar se o veículo tem ou não condições de passar por determinada rota. Especialistas também chamam a atenção para a falta de interatividade dos agentes de trânsito em casos de emergência. “De que adianta ter muitas câmeras se os operadores ficarem olhando como se estivessem vendo tevê? Tinha de ter alguém que não deixasse o caminhão entrar numa via proibida”, afirma o engenheiro Fernando Mac Dowell. No ano passado, foram fiscalizados 7.170 veículos só em São Paulo, com 2.714 autuações por excesso de tamanho, mas o número ainda é baixo perto do exército de quase 150 mil caminhões na capital paulista – muitos deles, porém, vêm de fora e não entram na conta. No Rio, em 2013, foram aplicados 2.140.083 multas a veículos, das quais 123.372 a caminhões.
O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), Claudinei Pelegrini, aponta a carência de mão de obra treinada como outro grave problema. De acordo com ele, atualmente, faltam mais de 100 mil caminhoneiros no setor de transporte do País, o que faz com que muitos veículos fiquem parados no pátio. “Quando chega um motorista com carteira, muitas vezes ele assume um equipamento que não está preparado para dirigir, sem sequer passar por um curso de capacitação”, afirma Pelegrini. Estudioso de segurança e educação no trânsito, o sociólogo Eduardo Biavati atribui parte da responsabilidade às companhias que fazem o frete e deveriam monitorar se o veículo tem ou não condições de passar por determinada rota. Especialistas também chamam a atenção para a falta de interatividade dos agentes de trânsito em casos de emergência. “De que adianta ter muitas câmeras se os operadores ficarem olhando como se estivessem vendo tevê? Tinha de ter alguém que não deixasse o caminhão entrar numa via proibida”, afirma o engenheiro Fernando Mac Dowell. No ano passado, foram fiscalizados 7.170 veículos só em São Paulo, com 2.714 autuações por excesso de tamanho, mas o número ainda é baixo perto do exército de quase 150 mil caminhões na capital paulista – muitos deles, porém, vêm de fora e não entram na conta. No Rio, em 2013, foram aplicados 2.140.083 multas a veículos, das quais 123.372 a caminhões.
Apesar das falhas apontadas, a CET informa
que o número de acidentes com carretas está caindo na cidade de São
Paulo. A redução foi de 45% no ano passado em relação ao anterior, e o
índice de acidentes envolvendo vítimas recuou entre 2011 e 2012.
Especialistas ouvidos por ISTOÉ, porém, afirmam que o quadro só terá uma
mudança efetiva se o valor das multas, que hoje é muito baixo para a
maioria das infrações e acaba estimulando o não cumprimento das regras,
for revisto. No Rio, a taxa é de R$ 85,13 e, na capital paulista, de R$
127,69 para excesso de altura. O professor de engenharia de tráfego da
Universidade de Brasília Paulo César Marques da Silva estima que há uma
defasagem de 87% nesses preços. “É preciso que a multa de fato seja uma
penalidade, e não um valor que se paga para cometer uma infração”, diz.
Fotos: YASUYOSHI CHIBA/AFP PHOTO; Mário Angelo/Folhapress;
Adriano Lima / Brazil Photo Press
Adriano Lima / Brazil Photo Press
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