12/06/2011 21h16 - Atualizado em 12/06/2011 21h37
Obras inacabadas revelam desperdício de dinheiro público
Somente em Porto Velho, Rondônia, há seis "elefantes brancos".
Fantástico visitou locais e encontrou casos absurdos.
“Aqui não pode filmar, senhor. Poxa vida. Eu estou falando que não pode filmar e o senhor continua filmando?”, desafia o guarda, sobre o viaduto do Tatuapé, em São Paulo, parte de uma obra que começou em 2007 para ser entregue em 2008. O orçamento inicial era de R$ 66 milhões, mas o gasto vai passar dos R$ 113 milhões.
“Faz tempo que esse viaduto está aí e nunca termina”, diz o motorista Reinaldo Fernandes. A Prefeitura de São Paulo diz que teve problemas com as desapropriações e promete entregar a obra no fim de julho.
Somente em Porto Velho, em Rondônia, seis viadutos estão inacabados. São obras orçadas em mais de R$ 100 milhões e paradas desde o ano passado por suspeita de irregularidades. Escola, hospital, estádio de futebol, centro de convenção
O aeroporto de Goianá, cidade mineira de 4 mil habitantes, sequer será finalizado. A pista para aviões de grande porte custou R$ 88 milhões e foi construída sem levar em conta que havia um morro na cabeceira. Ele terá de ser removido pelo governo de Minas, que promete fazer isso em dois meses. A lista de “elefantes brancos” é interminável pelas mais diversas razões.
31 obras inacabadas
No ano passado, o Tribunal de Contas da União mandou parar 31 obras federais para investigar o uso ilegal de dinheiro público. Só nessas obras sob suspeita, R$ 23 bilhões estão em jogo.
Um hospital de quatro andares e 136 leitos, parado há dez anos, em uma cidade como Cuiabá, precisa de pelo menos 700 novas vagas. “Estou há 51 dias aqui esperando cirurgia e nada, muito descaso com a gente aqui”, revela Diego Leite Mariano. “É muito descaso, porque meu filho está sendo cortado aos poucos, vivo”, reforça Edides Benedita Leite.
O governo do estado diz que o prédio está ultrapassado, não serve mais para abrigar doentes. A repórter Eunice Ramos, embrenhando-se nas árvores que crescem na construção, passou pela aterrorizante experiência de entrar em um hospital fantasma. “Um morcego acabou de passar aqui!”, exclama a repórter. “Nos lugares mais escuros tem muito morcego. Então tem que prestar bastante atenção.”
Em um bairro de São Luís, no Maranhão, faltam pelo menos 400 vagas para os alunos da rede pública. Henrique tem de pedalar quilômetros para estudar. Ele convive com as sequelas da paralisia infantil e nos dias de calor chega a passar mal. Bem perto da casa dele, duas escolas, com capacidade para 2,4 mil alunos, foram construídas e abandonadas.
A Secretaria municipal de Educação informou que haverá nova licitação para retomar as obras. A Transparência Brasil, organização que acompanha o andamento de obras suspeitas, diz que falta fiscalização e que, embora o controle exercido pelo TCU tenha melhorado, a maioria dos tribunais de contas municipais e estaduais simplesmente não fiscaliza.
“Esses tribunais de contas são inoperantes e não funcionam. Os indivíduos que estão lá foram colocados lá por governadores para garantir que não vão chatear eles. Então é assim que funciona basicamente os tribunais de contas”, revela Cláudio Abramo da ONG Transparência Brasil.
Obra 'ao avesso'
De todas as alegações para interromper uma obra pública no Brasil, talvez a mais inusitada de todas esteja em São José dos Campos. A Justiça embargou uma construção para que se apure por que ela começou a ser feita pelo avesso. A entrada foi parar nos fundos e os fundos foram parar na entrada, neste que já é conhecido como o teatro do absurdo, a um custo de R$ 680 mil.
Uma sindicância interna inocentou a empreiteira e concluiu: foi desorganização da própria prefeitura. Uma ação popular levou o caso à Justiça. A prefeitura só pode retomar a obra quando o processo terminar.
Em Maceió, também há o caso de uma obra que, segundo informou o ex-governador Geraldo Bulhões, custou R$ 27 milhões para ser usada em um único dia. O Papódromo foi construído para receber o papa João Paulo II em 1991. “Eu me lembro do dia. Aquela coisa bonita, cheio de gente, o papa sentado à esquerda do monumento”, lembra a irmã de caridade Josefa Umbelina dos Santos. O monumento fica em uma área da Marinha cedida ao governo do estado que promete reurbanizá-la.
No Paraná, as bases náuticas construídas em 1997 para os jogos mundiais da natureza estão abandonadas. O investimento, na época, foi de R$ 3 milhões. Os jogos foram disputados uma única vez. Depois disso, as bases ficaram sem uso algum.
Em Rio Grande, no litoral gaúcho, a repórter Guacira Merlin entrou no prédio do Tribunal Regional Federal. A obra começou há seis anos e deveria estar pronta em 2009, mas virou um grande depósito de material de construção inaproveitável.
Centenas de placas de gesso para divisórias já não podem ser utilizadas porque estão vencidas. A mesma coisa acontece com sacas de cimento. Viraram pedra. São cerca de 600. São mil sacas de argamassa fabricadas em abril de 2008. A validade era só de seis meses. A obra já consumiu mais de R$ 8 milhões e está parada porque a construtora não pagava os funcionários. O tribunal entrou na justiça contra a empresa.
No Rio de Janeiro, a construção da Cidade da Música, um gigantesco conjunto de salas de espetáculos, gastou 600% acima do orçado. Da previsão inicial de R$ 80 milhões pulou para mais de R$ 500 milhões. Uma CPI da Câmara Municipal apontou 57 irregularidades diferentes. O ex-prefeito César Maia nega as acusações e diz que foi tudo dentro da lei.
A atual prefeitura mudou o nome do complexo cultural para Cidade das Artes e prometeu entregá-lo em agosto. No palco empoeirado da sala principal, o violonista Turíbio Santos aprova a acústica, mas não a gastança. Ele faz um protesto musical ao som de Villa-Lobos. “Se você fizer as coisas na proporção certa, você não precisa passar a limpo depois. Você não precisa refazer”, avalia o músico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário