A Venezuela sem Hugo Chávez
A ausência do presidente da Venezuela em sua própria posse sugere um futuro conturbado no paÃs andino. Conheça os lÃderes que disputarão o poder, caso o presidente não retorne
Uma crise institucional tomou conta da Venezuela. Reeleito em outubro, o presidente Hugo Chávez deveria iniciar seu terceiro mandato consecutivo na quinta-feira, 10 de janeiro. O presidente, porém, estava longe dali. Desde 8 de dezembro, encontra-se em Havana, Cuba, onde passou pela quarta cirurgia para tratar um câncer na região pélvica. Chávez deixou no poder seu vice, Nicolás Maduro, o que não respondia às dúvidas sobre uma possível ausência do líder em sua própria posse. A Constituição venezuelana estabelece que o juramento do presidente eleito ocorra sempre no dia 10 de janeiro, diante da Assembleia Nacional. Para a oposição, os chavistas tentavam dar um golpe e estender o mandato de Hugo Chávez. Para o governo, a posse era apenas um “formalismo desnecessário”, já que haveria uma “continuidade” de governo por o presidente ser o mesmo. A Justiça deu ganho de causa aos chavistas, como era de esperar – na última década, a composição das cortes superiores no país refletiu preferências pessoais de Hugo Chávez. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) considerou constitucional o adiamento por tempo indeterminado porque “não haveria descontinuidade do mandato”. A decisão foi polêmica. “A Constituição venezuelana não traz a continuidade de mandatos públicos”, diz Juan Manuel Raffalli, professor de Direito Constitucional na Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas.
Os governos esquerdistas de Argentina, Equador, Peru, Uruguai, Bolívia e Nicarágua apoiaram a adaptação da Constituição aos interesses chavistas. Representantes desses países participaram, na data da frustrada posse, de um ato convocado pelo partido de Chávez em homenagem ao presidente. A presidente Dilma Rousseff não viajou para Caracas nem enviou um representante oficial para a cerimônia. “O governo brasileiro está sendo mais cauteloso que outros”, afirma Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. “Mas é um governo que procura manifestar certa boa vontade com relação ao processo.” Tal boa vontade foi expressa por Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência, enviado pelo Planalto a Cuba para obter informações sobre o estado de saúde de Chávez. Antes mesmo do pronunciamento da Justiça venezuelana, Garcia defendeu o adiamento da posse. “Como o presidente foi reeleito, não há um processo de descontinuidade”, afirmou, em sua precipitada avaliação.
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A instabilidade política está mascarada pela união momentânea das facções internas do chavismo. “Dividir o movimento neste momento não interessa a ninguém”, afirma o sociólogo Luis Vicente León, presidente do instituto venezuelano de pesquisas Datanálisis. “Há uma luta pelo poder nos bastidores entre a ala civil, que tem laços estreitos com Cuba, e a ala militar.” A esperança da oposição de ganhar terreno cresceu. Os principais personagens da ópera-bufa em que se transformou a política venezuelana ganharão destaque nos próximos meses.
1. Nicolás Maduro
É o atual presidente interino do país – e o favorito entre os chavistas para uma futura sucessão. Também é o predileto de Cuba, por ser próximo do castrismo. Tornou-se a figura central da política da Venezuela desde que Chávez o colocou como sucessor. Maduro e Chávez conheceram-se em 1994, quando o futuro presidente estava preso por liderar uma tentativa de golpe de Estado contra Carlos Andrés Pérez. Ex-motorista de ônibus e líder sindical, Maduro tornou-se um dos principais militantes pela libertação de Chávez ao lado da advogada Cilia Flores, então defensora de Chávez, hoje procuradora-geral e mulher de Maduro. Quando assumiu, Maduro chorou e prometeu “lealdade para além da vida” a Hugo Chávez. Nas últimas semanas, fez tudo para demonstrar sua lealdade: não se comportou como presidente e falou de Chávez como comandante da nação. “Aqui em Caracas, 10 de janeiro, dizemos a Chávez: comandante, recupere-se que este povo jurou e vai cumprir lealdade absoluta”, disse o vice no dia da não posse. Além de preservar Chávez, o grupo de Maduro tem outro objetivo: evitar o fortalecimento do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.
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2. Diosdado Cabello
É a artilharia do chavismo. Toda vez que a oposição protesta ou se rebela contra Chávez, Cabello contra-ataca. Ele foi o primeiro a defender a mudança na data da posse por tempo indeterminado. “Hugo Chávez foi eleito para ser presidente e seguirá sendo o presidente depois de 10 de janeiro”, afirmou na quarta-feira, 9. Cabello era subtenente do Exército quando participou da tentativa de golpe comandada por Chávez em 1992. Foi um dos líderes do Movimento V República, que levou Chávez à vitória nas eleições de 1998. Em abril de 2002, quando um golpe comandado por parte do Exército e empresários derrubou o presidente, Cabello comandou os esforços que levaram milhares de pessoas às ruas para recolocar Chávez no poder. Governou o Estado de Miranda, entre 2004 e 2008, quando perdeu para o principal candidato da oposição, Henrique Capriles. É presidente da Assembleia Nacional desde 2011. Cabello é a segunda força dentro do chavismo, depois de Maduro, e próximo de homens fortes do governo, como o ministro da Defesa, Diego Molero Bellavia. Suas ligações com o Exército permitiram que seus aliados, ex-militares, se elegessem governadores em dez dos 23 Estados do país. Cabello também controla o Parlamento, com o apoio de 98 dos 165 deputados.
Se as divisões e tensões internas do chavismo crescerem demais, talvez seja preciso recorrer a outro Chávez. Tio Adán, como é chamado por parentes, é o mais velho da família do presidente. Irmão e mentor intelectual de Hugo, Adán Chávez, de 58 anos, é formado em física e professor universitário. Participa de movimentos de esquerda desde os 16 anos, mas só se lançou na política pelas vias eleitorais depois que Hugo Chávez saiu da prisão, em 1994. Ele o ajudou a fundar o Movimento V República e depois o PSUV. De 1999 a 2007, foi representante diplomático em Havana e em 2008 elegeu-se governador do Estado de Barinas, berço da família Chávez. Com o agravamento da doença do irmão, Adán tornou-se uma espécie de porta-voz da família e chegou a aparecer na televisão anunciando avanços na recuperação do presidente. A oposição teme que a Venezuela siga o caminho cubano: em 2006, quando o estado de saúde de Fidel Castro piorou, ele passou o poder ao irmão, Raúl. “A Constituição não permite que a Presidência seja ocupada por alguém com parentesco com o mandatário que está deixando o poder”, diz o professor Juan Manuel Raffalli.
Apesar de derrotado na eleição presidencial de 2012, o advogado Henrique Capriles Radonski não abandonou a liderança de seu partido, o Primero Justicia. Antes de o vice, Nicolás Maduro, confirmar a ausência do presidente reeleito na cerimônia de juramento, Capriles já cobrava publicamente um posicionamento do TSJ. Quando todos os sete magistrados concordaram com o adiamento da posse, Capriles protestou. “As instâncias (do Judiciário) não devem responder aos interesses de um partido”, disse. Aos 40 anos, Capriles foi prefeito por oito anos de Baruta, cidade das redondezas de Caracas, célebre por abrigar bairros de alto poder aquisitivo. Em 2008, surpreendeu ao derrotar em Miranda o chavista Diosdado Cabello. Foi reconduzido ao cargo em fevereiro de 2012 e se licenciou para concorrer à Presidência. Carismático, Capriles foi o primeiro oposicionista a fazer frente a Chávez: teve 6,1 milhões de votos nas eleições, 1,5 milhão a menos que o presidente. “Desde 2008, Capriles é a pedra no sapato do chavismo e conseguiu fazer frente a toda a máquina estatal nas eleições presidenciais”, afirma José Díaz Flores, professor de ciências sociais da Universidade de Caracas.
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5. Ramón Guillermo Aveledo
Aveledo é o líder da Mesa de la Unidad Democrática (MUD), aliança de partidos da oposição. Ex-deputado, advogado e professor de ciência política, idealizou a mobilização de organizações internacionais diante do pedido de adiamento da posse de Chávez. Aveledo redigiu uma carta ao secretário da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, acusando o governo do PSUV de desrespeitar a Constituição. Sua pendenga com o chavismo é antiga. Em 2008, ano em que o PSUV conquistou 77% dos governos estaduais, ele publicou o livro El dictador: anatomía de la tirania (O ditador: anatomia da tirania, em tradução livre). No livro, Aveledo recorre à figura de ditadores como Hitler, Stálin e Fidel Castro para descrever o cenário político contemporâneo da Venezuela.
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