Corrupção não falta aqui neste pais, por incrivem que aconteça, a poliica está sempre envolvida e nunca vai mudar isto.
As acusações de pagamento de propina contra Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves
A PolÃcia Federal acusa homens de confiança
dos prováveis presidentes do Senado e da Câmara de receber propina e
traficar influência em benefÃcio de um empreiteiro
DIEGO ESCOSTEGUY, COM MURILO RAMOS (DE MACEIÓ), MARCELO ROCHA, FLÃVIA TAVARES E LEANDRO LOYOLA
Distinto público: abrem-se nesta semana as cortinas para o mais bufo
dos espetáculos políticos deste ano. A partir da sexta-feira, os
parlamentares escolherão os presidentes do Legislativo. O voto deles é
livre e secreto. Ao que tudo indica, duas estrelas da política subirão
ao palco sob unânime aplauso. Na Câmara, será eleito presidente o
deputado Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte, que há
42 anos engrandece o Parlamento brasileiro. No Senado, após cinco anos
de ensaios forçados na coxia, voltará à presidência da Casa Renan
Calheiros, também do PMDB, este por Alagoas. Henrique e Renan – ou Renan
e Henrique, conforme pareça melhor à plateia – têm o mesmo estilo de
atuação: gestos contidos, expressão ladina e repertório riquíssimo. Nos
cofres da Polícia Federal, onde se encontram vários registros do
trabalho dos dois, ÉPOCA descobriu uma pequena e inédita obra-prima,
estrelada por ambos, mas que ficara esquecida por não tão misteriosas
razões. Trechos dela também podem ser encontrados no Superior Tribunal
de Justiça. Trata-se da íntegra da Operação Navalha, que, em 2007,
revelou ao país a existência de um esquema comandado pelo empreiteiro
Zuleido Veras, da construtora Gautama, que pagava propina a políticos e
burocratas em troca de contratos com ministérios de Brasília e governos
estaduais. Apenas uma minúscula fração da enorme quantidade de provas
produzidas pela PF veio a público naquele momento. Na papelada, há
evidências fortes de pagamentos de propina para Renan e Henrique. Ou
Henrique e Renan.
As provas constituem-se de interceptações telefônicas autorizadas
pela Justiça, relatórios de vigilância dos assessores de Renan e
Henrique Alves, recibos bancários, anotações em agenda – e até uma
contabilidade de caixa dois, preparada pelo tesoureiro de Zuleido. Entre
a miríade de episódios de corrupção, conta-se aqui o que envolveu a
construção da barragem Duas Bocas/Santa Luzia, no Rio Pratagy, em
Alagoas, para ampliar o abastecimento da região metropolitana de Maceió.
A busca de Zuleido para liberar dinheiro para a obra mobilizou tanto
Renan quanto assessores de Henrique Alves. Era uma obra de R$ 77 milhões
que, depois de receber R$ 30 milhões, está parada. Nada mudou. Assim
como nada mudou em Brasília, onde os personagens envolvidos nesse desvio
continuam em seus cargos. E, agora, subirão a seu derradeiro e
consagrador ato final. Ao espetáculo:
I – O homem está cobrando
Para levar a cabo a obra do Pratagy, Zuleido precisava da influência,
entre outros, de Renan. Segundo a PF, Zuleido comprara essa influência
por meio de Everaldo Ferro, assessor de estrita confiança do senador. Os
contatos eram invariavelmente discretos, como manda a boa etiqueta
nesse tipo de negócio. Numa das conversas captadas pela PF, ainda em
junho de 2006, a secretária de Zuleido lhe informa que é aniversário de Renan.
“Mande um telegrama”, diz o empreiteiro. A secretária se mostra
cautelosa: “Ah, mas ele não gosta muito, né? De notícia... Eu ia sugerir
que o senhor ligasse para o Everaldo e transmitisse e tal”. Zuleido
acata a sugestão da secretária e, minutos depois, liga para o assessor
de Renan. O que segue é uma conversa de dois amigos. Diz Zuleido:
“Disseram que vão resolver neste final de semana, até segunda, aquele
negócio, tá?”. “Negócio” seria propina, segundo a PF. Everaldo não se
contém: “Você é um irmão, rapaz!”. O empreiteiro encerra o telefonema
amistosamente, sem se esquecer de Renan: “Tem de ter calma... Transmita
os parabéns ao nosso amigo!”. Nas provas obtidas pela PF, constam
registros de pagamentos a Everaldo, que continua despachando em
Brasília, no gabinete de Renan.
Zuleido precisava também de Henrique Alves. Nesse caso, aproximou-se
de Francisco Bruzzi, assessor e braço direito do deputado, que era líder
do PMDB na Câmara. Bruzzi é o maior especialista do Congresso em
emendas parlamentares. Em março de 2007, intensificam-se as cobranças de
propina. Zuleido precisava obter a liberação do dinheiro para a obra
que tocava em Alagoas. Recebe pedidos de todos os lados: de gente ligada
a Renan, de gente ligada a Henrique Alves. Às 8h43 do dia 9 de março,
Zuleido liga para o celular de Bruzzi.
Tenta tranquilizá-los. “O material está chegando hoje à tarde.” Bruzzi
fica aliviado: “Ainda bem, porque o homem está me cobrando”. Quem seria
esse “homem”? Não fica claro no diálogo. Mas o único chefe de Bruzzi era
o deputado Henrique Alves. Horas depois, às 13h29, Zuleido telefona a
Tereza, uma de suas assessoras, e explica que o dinheiro da propina
estava a caminho de Brasília. Segundo a PF, parte (R$ 100 mil) do butim
foi entregue a Ivo Costa, assessor do então ministro de Minas e
Energia, Silas Rondeau – quando se descobriu esse pagamento, ainda em
2007, Rondeau foi demitido. Mas o restante do pagamento (R$ 20 mil)
ficou em segredo. Esses R$ 20 mil, diz Zuleido nas gravações, cabiam a
Bruzzi: “Tá indo aí (o dinheiro)… Você vai passar pra Bruzzi, tá?”. Tereza confirma: “Ok… Esse outro (Bruzzi) é só ligar para ele e ele passa aqui, né?”. “É”, diz Zuleido. Às 16h56, Zuleido, temendo possível confusão na entrega do dinheiro,
pede a um funcionário que reforce com Tereza qual é a correta
distribuição da propina: “100 para Ivo e 20 para Bruzzi”. Dois minutos
depois, Florêncio Vieira, o tesoureiro da empreiteira, liga para
Zuleido. O chefe o orienta a entregar o dinheiro: “Leva 120 para lá (para Brasília).
É 20 de Bruzzi e 100 de Ivo. Entendeu?”. Florêncio confirma – e embarca
com o dinheiro para Brasília. Estava sendo seguido pela PF.
Florêncio chega à capital às 21h30. Bruzzi e Tereza, a assessora de
Zuleido, o aguardam no salão. Eram observados por agentes da PF. Bruzzi
está de calça jeans azul e camisa branca social, com as mãos cruzadas
para trás. As imagens produzidas pela PF mostram o desembarque de
Florêncio, carregando uma mala marrom. Ele entrega um envelope pardo
para Tereza, que, momentos depois, ainda no saguão do aeroporto, vai ao
encontro de Bruzzi – e joga o envelope numa sacola de plástico que ele
segurava.
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