domingo, 27 de janeiro de 2013

Corrupção não falta aqui neste pais, por incrivem que aconteça, a poliica está sempre envolvida e nunca vai mudar isto.

As acusações de pagamento de propina contra Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves

A Polícia Federal acusa homens de confiança dos prováveis presidentes do Senado e da Câmara de receber propina e traficar influência em benefício de um empreiteiro

DIEGO ESCOSTEGUY, COM MURILO RAMOS (DE MACEIÓ), MARCELO ROCHA, FLÁVIA TAVARES E LEANDRO LOYOLA


OBRA INÉDITA Caricaturas de Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves. As acusações contra eles se referem a uma investigação de 2007 (Foto: Paulo Caruso)
Distinto público: abrem-se nesta semana as cortinas para o mais bufo dos espetáculos políticos deste ano. A partir da sexta-feira, os parlamentares escolherão os presidentes do Legislativo. O voto deles é livre e secreto. Ao que tudo indica, duas estrelas da política subirão ao palco sob unânime aplauso. Na Câmara, será eleito presidente o deputado Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte, que há 42 anos engrandece o Parlamento brasileiro. No Senado, após cinco anos de ensaios forçados na coxia, voltará à presidência da Casa Renan Calheiros, também do PMDB, este por Alagoas. Henrique e Renan – ou Renan e Henrique, conforme pareça melhor à plateia – têm o mesmo estilo de atuação: gestos contidos, expressão ladina e repertório riquíssimo. Nos cofres da Polícia Federal, onde se encontram vários registros do trabalho dos dois, ÉPOCA descobriu uma pequena e inédita obra-prima, estrelada por ambos, mas que ficara esquecida por não tão misteriosas razões. Trechos dela também podem ser encontrados no Superior Tribunal de Justiça. Trata-se da íntegra da Operação Navalha, que, em 2007, revelou ao país a existência de um esquema comandado pelo empreiteiro Zuleido Veras, da construtora Gautama, que pagava propina a políticos e burocratas em troca de contratos com ministérios de Brasília e governos estaduais. Apenas uma minúscula fração da enorme quantidade de provas produzidas pela PF veio a público naquele momento. Na papelada, há evidências fortes de pagamentos de propina para Renan e Henrique. Ou Henrique e Renan.
  As provas constituem-se de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, relatórios de vigilância dos assessores de Renan e Henrique Alves, recibos bancários, anotações em agenda – e até uma contabilidade de caixa dois, preparada pelo tesoureiro de Zuleido. Entre a miríade de episódios de corrupção, conta-se aqui o que envolveu a construção da barragem Duas Bocas/Santa Luzia, no Rio Pratagy, em Alagoas, para ampliar o abastecimento da região metropolitana de Maceió. A busca de Zuleido para liberar dinheiro para a obra mobilizou tanto Renan quanto assessores de Henrique Alves. Era uma obra de R$ 77 milhões que, depois de receber R$ 30 milhões, está parada. Nada mudou. Assim como nada mudou em Brasília, onde os personagens envolvidos nesse desvio continuam em seus cargos. E, agora, subirão a seu derradeiro e consagrador ato final. Ao espetáculo:
a mensagem 766 (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
I – O homem está cobrando
Para levar a cabo a obra do Pratagy, Zuleido precisava da influência, entre outros, de Renan. Segundo a PF, Zuleido comprara essa influência por meio de Everaldo Ferro, assessor de estrita confiança do senador. Os contatos eram invariavelmente discretos, como manda a boa etiqueta nesse tipo de negócio. Numa das conversas captadas pela PF, ainda em junho de 2006, a secretária de Zuleido lhe informa que é aniversário de Renan. “Mande um telegrama”, diz o empreiteiro. A secretária se mostra cautelosa: “Ah, mas ele não gosta muito, né? De notícia... Eu ia sugerir que o senhor ligasse para o Everaldo e transmitisse e tal”. Zuleido acata a sugestão da secretária e, minutos depois, liga para o assessor de Renan. O que segue é uma conversa de dois amigos. Diz Zuleido: “Disseram que vão resolver neste final de semana, até segunda, aquele negócio, tá?”. “Negócio” seria propina, segundo a PF. Everaldo não se contém: “Você é um irmão, rapaz!”. O empreiteiro encerra o telefonema amistosamente, sem se esquecer de Renan: “Tem de ter calma... Transmita os parabéns ao nosso amigo!”. Nas provas obtidas pela PF, constam registros de pagamentos a Everaldo, que continua despachando em Brasília, no gabinete de Renan.
  Zuleido precisava também de Henrique Alves. Nesse caso, aproximou-se de Francisco Bruzzi, assessor e braço direito do deputado, que era líder do PMDB na Câmara. Bruzzi é o maior especialista do Congresso em emendas parlamentares. Em março de 2007, intensificam-se as cobranças de propina. Zuleido precisava obter a liberação do dinheiro para a obra que tocava em Alagoas. Recebe pedidos de todos os lados: de gente ligada a Renan, de gente ligada a Henrique Alves. Às 8h43 do dia 9 de março, Zuleido liga para o celular de Bruzzi. Tenta tranquilizá-los. “O material está chegando hoje à tarde.” Bruzzi fica aliviado: “Ainda bem, porque o homem está me cobrando”. Quem seria esse “homem”? Não fica claro no diálogo. Mas o único chefe de Bruzzi era o deputado Henrique Alves. Horas depois, às 13h29, Zuleido telefona a Tereza, uma de suas assessoras, e explica que o dinheiro da propina estava a caminho de Brasília. Segundo a PF, parte (R$ 100 mil) do butim foi entregue a Ivo Costa, assessor do então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau – quando se descobriu esse pagamento, ainda em 2007, Rondeau foi demitido. Mas o restante do pagamento (R$ 20 mil) ficou em segredo. Esses R$ 20 mil, diz Zuleido nas gravações, cabiam a Bruzzi: “Tá indo aí (o dinheiro)… Você vai passar pra Bruzzi, tá?”. Tereza confirma: “Ok… Esse outro (Bruzzi) é só ligar para ele e ele passa aqui, né?”. “É”, diz Zuleido. Às 16h56, Zuleido, temendo possível confusão na entrega do dinheiro, pede a um funcionário que reforce com Tereza qual é a correta distribuição da propina: “100 para Ivo e 20 para Bruzzi”. Dois minutos depois, Florêncio Vieira, o tesoureiro da empreiteira, liga para Zuleido. O chefe o orienta a entregar o dinheiro: “Leva 120 para lá (para Brasília). É 20 de Bruzzi e 100 de Ivo. Entendeu?”. Florêncio confirma – e embarca com o dinheiro para Brasília. Estava sendo seguido pela PF.

Florêncio chega à capital às 21h30. Bruzzi e Tereza, a assessora de Zuleido, o aguardam no salão. Eram observados por agentes da PF. Bruzzi está de calça jeans azul e camisa branca social, com as mãos cruzadas para trás. As imagens produzidas pela PF mostram o desembarque de Florêncio, carregando uma mala marrom. Ele entrega um envelope pardo para Tereza, que, momentos depois, ainda no saguão do aeroporto, vai ao encontro de Bruzzi – e joga o envelope numa sacola de plástico que ele segurava.
Pacotes de dinheiro para todos (Foto: Lúcio Távora/Ag. A Tarde/Futura Press, reprodução (2), Ronaldo Bernardi/Ag. RBS/Folhapress, Ricardo Ledo/Gazeta De Alagoas/Estadão Conteúdo e Celso Junior/Estadão Conteúdo)

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