Educação
Entrevista: Miguel Santos Guerra
"Avaliação pobre conduz à aprendizagem pobre"
Professor espanhol, referência em organização escolar, diz que é preciso mudar a concepção do que é avaliação e critica a utilização de provas de diagnóstico na elaboração de rankings
Lecticia Maggi
Para Miguel Guerra, avaliação determina processo de aprendizagem
(Anderson Schneider)
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Qual é importância pedagógica da avaliação? A avaliação é fundamental, pois determina todo o processo de aprendizagem. O sucesso só é alcançado por meio de avaliações. Se a avaliação é feita de maneira pobre, a aprendizagem também o será. Mas é importante lembrar que avaliação não deve ser somente diagnóstico, e sim uma estratégia para a compreensão e melhoria da qualidade do ensino. Quando bem utilizada, é capaz de tornar os alunos mais competentes, bem como auxiliar os professores a ensinar melhor.
De que forma uma avaliação pobre pode acarretar em uma aprendizagem pobre? Por exemplo: se um professor avaliar o aluno aplicando provas de memorização, o aprendizado também será de memorização. Se a avaliação for feita por meio de testes objetivos, a aprendizagem se encaminhará nesse sentido. Ou seja, para ter êxito nas provas, o aluno vai se esforçar para lembrar-se de fatos, datas e nomes que, na grande maioria das vezes, aparecem descontextualizados. No entanto, se a avaliação consistir na elaboração de projetos e pesquisas, análise de informações e resolução de problemas, todo o aprendizado também será direcionado para esses fins. Em uma sala de aula, diversas habilidades são incitadas nos alunos, tais como memorização, compreensão de fenômenos e fatos, além de estímulo à análise, criação e comparação. É consenso que algumas dessas tarefas exigem mais intelectualmente do que outras. Mas, nas avaliações, quais são as mais cobradas? As de menor potencial intelectual, como a memorização.
Para mudar o sistema de ensino é preciso primeiro mudanças no sistema de avaliação? Melhorar a avaliação é uma maneira muito interessante de melhorar o ensino e a aprendizagem. Não estou dizendo que é a única, mas é um das mais importantes. O bom uso da avaliação – quando serve para identificar desafios e é apresentada como um mecanismo de transformação e não de controle – auxilia tanto alunos, como professores.
No Brasil, o Enem se propõe a avaliar o ensino médio, servir como vestibular de instituições públicas de ensino superior e ainda produzir ranking das escolas. É adequado uma prova de avaliação servir para a comparação de escolas? Não, é uma injustiça. Os rankings de avaliação comparam o que é incomparável, confrontando situações que, de partida, são muito distintas. E nada é mais injusto do que tratar como iguais aqueles que são diferentes. Por exemplo: se eu aplicar uma prova de ingresso e selecionar apenas os melhores estudantes para compor meu quadro discente, posso ter um ótimo desempenho em uma avaliação externa, mas que se deve à seleção dos alunos e não reflete o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola. Por isso, defendo que as instituições invistam também em processos de autoavaliação, para que cada unidade tenha ciência dos seus pontos fortes e problemas. Outro ponto negativo desses rankings é que eles conduzem à competividade e não à melhoria do ensino em si. O objetivo da escola passa a ser o de superar outra instituição e não o de assegurar que cada um de seus alunos tenha a maior evolução possível, levando em conta suas condições. Este tipo de avaliação acaba se convertendo em um fim (ganhar posições em uma escala) e não em um meio para avançar, que é o que buscamos.
Quais são as deficiências das avaliações atuais?
Há muita coisa errada, mas em suma posso dizer que o problema encontra-se na concepção do que é avaliação. Ela é comumente vista como um sistema de verificação, comparação, classificação, hierarquização e controle, quando, na verdade, deveria ser um processo de diálogo, entendimento, aprendizagem, melhoria e motivação.
Como corrigir essa visão deturpada? A boa avaliação depende menos de recursos financeiros e mais da capacidade e compromisso dos professores. Não podemos esquecer que a peça fundamental de melhoria do sistema educacional é o professor. Isso faz com que seja decisivo, em primeiro lugar, ter um bom processo de seleção e capacitação desses profissionais. O caminho está nas mãos deles, que precisam repensar suas concepções, atitudes e práticas. Não há uma regra única de como se fazer isso. Nas palestras que dou costumo propor 10 ações para serem adotadas pelos docentes, que refletem a minha visão de como iniciar um processo de melhoria das avaliações. Os três primeiros passos são: questionar constantemente o próprio trabalho, pensando de que maneira ele poderia ser aprimorado; compartilhar as perguntas que faz a si mesmo com os colegas, visto que o objetivo não é melhorar o método de avaliação utilizado por um professor isoladamente, mas o da rede como um todo; depois, pesquisar com rigor respostas para as dúvidas que se tem sobre o processo de diagnóstico dos alunos – não valem ideias baseadas em suposições ou intuições. Os próximos três procedimentos são: compreender o que está sendo feito de errado na sala de aula; decidir que é preciso corrigir tais deficiências; e escrever sobre esse processo de investigação. Creio que fazer relatórios sobre a prática da avaliação ajuda a enxergar a situação com mais clareza e facilita a estruturação de um projeto de mudança. Em seguida, é preciso compartilhar esses relatórios com os colegas de magistério. Espera-se que a leitura do material incite-os a seguir pelo mesmo caminho. As três últimas ações são: estimular a discussão entre os professores sobre o sucesso e fracasso das metodologias pesquisadas; comprometer-se com as mudanças; e, por fim, exigir de si mesmo e dos outros que elas de fato se concretizem. São tarefas que exigem coragem e muita persevarança. A educação de uma criança, é importante frisar, não é responsabilidade apenas da instituição de ensino em que ela está matriculada, é compromisso também dos pais e da sociedade em geral. Somos todos responsáveis.
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