O eleitorado fiel do Nordeste pode trair o PT?
O Nordeste, que cresce mais que o Brasil e ainda sofre com a seca, deve ser decisivo nas eleições de 2014. Se disputar a Presidência, Eduardo Campos dividirá a região, hoje fiel ao PT
>>Quem tem medo de Eduardo Campos?
>>O ser ou não ser de Eduardo Campos
Os vultosos investimentos públicos e privados da última década habituaram o Nordeste a crescer mais que o país. A combinação entre pujança econômica e implantação dos programas sociais gerou uma verdadeira aversão a candidatos de fora do campo político que governa a região. De 1989 a 2002, a distribuição de votos para presidente repetia no Nordeste a divisão nacional, com variações sempre abaixo de 6 pontos percentuais. Em 2006, isso mudou. O Nordeste passou a pesar mais em favor dos candidatos do PT e tornou-se mais decisivo no pleito. Em 2006, a diferença entre Lula e Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo turno foi de 20 milhões de votos. Sem o Nordeste, ela cairia para pouco mais de 6 milhões. Dos 12 milhões de votos que Dilma teve a mais que José Serra (PSDB) em 2010, 10,7 milhões vieram do Nordeste, onde ela venceu por 70% a 29%.
Em Calumbi, assim como em várias cidades do sertão nordestino, é praticamente impossível encontrar famílias que não sejam beneficiadas pelo Bolsa Família. “A renda da cidade ou é ligada à prefeitura ou a aposentadorias ou ao Bolsa Família. O município não tem indústria”, afirma o prefeito Joelson da Silva (PSB). Com 5.600 habitantes, Calumbi tem 1.416 famílias cadastradas no programa de transferência de renda. O setor de serviços praticamente inexiste.
A economia é baseada na agricultura familiar e na pecuária, atividades sacrificadas em tempos de seca. “Todo mundo aqui recebe Bolsa Família. A nação pobre só não morre de fome por causa do Lula. Voto neles mil vezes se for preciso”, diz José Mariano da Silva, aposentado de 63 anos, sobre os candidatos petistas.
Pouco mais de 40% das famílias nordestinas recebem hoje recursos do Bolsa Família – 7 milhões de um total de 16,5 milhões. É uma injeção mensal de mais de R$ 3 bilhões na economia da região. O aumento real do salário mínimo também fez diferença. São 8,2 milhões de pensionistas e aposentados – quase 90% recebendo um salário mínimo. Só a Previdência Social põe outros R$ 6,4 bilhões todo mês na região. “É uma capilaridade impressionante. O Bolsa Família atinge os mais pobres, e a Previdência é um andar um pouco acima disso. Os projetos sociais impactaram nos votos”, diz Cícero Péricles, economista da Universidade de Alagoas. As transferências federais para os Estados e municípios do Nordeste também aumentaram. O Fundo de Participação dos Municípios e o Fundo de Participação dos Estados mais que dobraram durante o governo Lula na região. O número de transferências voluntárias de recursos também cresceu, com aliados políticos do governo federal no comando dos principais Estados (Bahia, Pernambuco e Ceará). A região passou ainda a atrair investimentos em infraestrutura com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre 2005 e 2010, o crescimento anual médio do PIB do Nordeste foi de 5,3%, contra 4,7% no país (leia o gráfico abaixo).
O PSB de Eduardo Campos cresceu no Nordeste, onde já ocupa mais espaço que o próprio PT. Governa quatro Estados: Pernambuco, Ceará, Piauí e Paraíba. No ano passado, o PSB derrotou o PT em duas das três maiores cidades nordestinas – Recife e Fortaleza. Os candidatos a prefeito petistas perderam em sete das nove capitais. “O Nordeste deu as eleições de 2010 a Dilma e pode tirá-las desta vez. O sotaque de Eduardo, diferente de Dilma, será o passaporte para nossa entrada nesse público nordestino”, afirma o deputado federal Márcio França (PSB-SP), articulador da candidatura socialista. Duas candidaturas do passado, com base eleitoral no Nordeste, corroboram a preocupação do PT com Campos. Em 1989, contra Lula, Fernando Collor de Mello (PRN) obteve mais de 76% dos votos válidos do segundo turno em Alagoas, Estado que governava. Ciro Gomes (PSB-CE), ex-governador do Ceará, venceu Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula naquele Estado em 1998. Em 2002, perdeu o segundo lugar para José Serra (PSDB) no Nordeste por menos de 200 mil votos. “O grande desafio de Campos, como aliado histórico de Lula, é se colocar como alternativa na eleição presidencial à disputa entre PT e PSDB, uma terceira via. Ele terá de convencer de que é capaz de manter o que os governos petistas criaram e fazer mais”, afirma o cientista político Túlio Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco. “Campos não é um líder nordestino, mas pernambucano. Isso gera uma simpatia no Nordeste, mas não quer dizer que automaticamente quem votou nos irmãos Gomes (Ciro e Cid, atual governador do Ceará) o acompanhe. Ciro já declarou que sua candidata é Dilma”, diz o economista Cícero Péricles.
A militante petista Ivancleide Vieira, de 35 anos, ainda torce para que Campos espere até 2018 para disputar a Presidência, em nome da “união da esquerda”. “Que Eduardo não invente de se candidatar agora. Sempre fiz campanha para o Eduardo e faço de novo, se ele não sair contra Dilma.” Entre apaixonados por PSB e PT, a oposição sofre para obter espaço. Em 2006, a dupla PSDB-PFL (hoje DEM) tinha 13 dos 27 senadores da região. Hoje são quatro. Até 2006, PFL e PSDB tinham, juntos, cinco dos nove governadores nordestinos. Hoje, o PSDB governa Alagoas, e o DEM, o Rio Grande do Norte. E só. “Isso aconteceu devido aos programas sociais e ao poder de comunicação de Lula”, diz o deputado federal pernambucano e presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra. Os dois partidos preparam uma estratégia para recuperar terreno no Nordeste. “Os programas sociais têm um papel menor hoje. A seca é brutal, e a ausência do governo foi real”, diz Guerra. “Levaremos várias opções de candidatos ao eleitor em 2014.”
O Nordeste segue com grandes desafios. Mais de 15% da população acima de 10 anos não sabe ler nem escrever – entre os maiores de 25 anos, o índice chega a 21,3% –, e a mortalidade infantil é a maior do país. A população de Calumbi segue satisfeita, mas espera de Dilma mais que recursos. Quer uma visita. No fim de março, ela esteve em Serra Talhada, a 20 quilômetros de Calumbi, para inaugurar a obra da Adutora do Pajeú. “Eu queria ter feito uma faixa pedindo que ela desse um pulo em Calumbi”, diz Ivancleide Vieira. “Ela não pode se esquecer daqui.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário