19/10/2013
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06h00
Em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, o assessor do Planalto elaborou sobre como pode ser o desfecho desse caso do senador boliviano. "Devolvê-lo para a Bolívia, nós não devolveremos", disse. "Há duas possibilidades: ou ele pode ter asilo aqui ou ele pode ir para outro país. Analisando estritamente as hipóteses".
Marco Aurélio Garcia avalia que "houve, sem sombra de dúvidas, um problema de comando" no Ministério das Relações Exteriores nesse episódio. "Tanto é que trocou o ministro", completou, referindo-se à demissão de Antonio Patriota do Itamaraty depois que ficou comprovado que um diplomata brasileiro ajudou na fuga do senador boliviano para Brasília.
Na entrevista, o assessor presidencial que ocupa essa função desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, disse também que o recente caso de espionagem dos Estados Unidos no Brasil serviu de "alerta" à administração federal quando for necessário adquirir equipamentos militares.
"Sem dúvida é um pouco um alerta", afirmou. A avaliação de Marco Aurélio foi dada ao comentar a compra de equipamentos de defesa que o Brasil fez da Rússia nesta semana - cerca de R$ 2 bilhões para adquirir baterias antiaéreas.
Para ele, o Brasil deve comprar material de defesa "de grande qualidade" e de países que assegurem "o uso soberano" desses equipamentos. "Nós não podemos ficar dependentes".
Marco Aurélio não quis especular se o episódio da espionagem norte-americana no Brasil e a recente compra de equipamentos da Rússia enfraquecem a posição dos EUA no processo de aquisição de novos aviões caça para a Força Aérea Brasileira. Mas o substrato de suas declarações indica que essa é uma possibilidade real.
Apesar de evitar indicar uma fragilização da posição dos EUA nesse processo de compra dos caças, o assessor citou uma frase do ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota. "O chanceler usou uma expressão que eu acho interessante. Ele disse que isso criava uma sombra nas nossas relações. Como nós somos tropicais e gostamos de sol, eu acho que essa sombra deveria ser eliminada". Mas ainda não foi.
Marco Aurélio deu também detalhes da conversa telefônica entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente norte-americano, Barack Obama, realizada no dia 16 de setembro. "A imprensa disse que foi de 20 minutos, foram 42 minutos", afirmou. Segundo ele, logo no início já ficou claro que ambos entenderam mutuamente que seria impossível manter a viagem oficial da brasileira a Washington, programada para o dia 23 deste mês.
Marco Aurélio explicou que esses telefonemas da presidente com outros chefes de Estado são realizados com um equipamento de viva voz e com tradutores nos dois lados - uma "praxe diplomática". As conversas são gravadas? "Não, elas não ficam gravadas. Nós fazemos uma minuta bastante boa". Esses resumos são classificados como secretos e ficam em sigilo por 15 anos.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha/UOL - Mudou alguma coisa na condução da política externa brasileira no governo Dilma em relação ao governo Lula?
Marco Aurélio Garcia - Mudou o mundo. Essa é a questão mais importante. Passou-se a dar uma importância maior aos termos econômicos, do ponto de vista internacional. Isso não decorre só do fato de a presidenta ser uma economista e ter um interesse enorme pelos temas econômicos. Mas também pelo fato de as questões econômicas começarem a ocupar um lugar mais importante nas relações internacionais.
O Brasil acaba de fechar um contrato de R$ 2 bilhões com a Rússia para comprar baterias antiaéreas. Há indícios também de que o Brasil pode participar da produção de um avião caça russo. Qual o significado dessa operação para a política externa brasileira?
Em primeiro lugar, tem uma dimensão interna. No final do governo Lula aprovamos um documento de grande importância, que foi a Estratégia Nacional de Defesa. Uma consequência óbvia dessa nova Estratégia Nacional de Defesa era a reorganização do armamento brasileiro de defesa. Mais do que isso: a necessidade de uma política industrial de defesa - que não deveria se restringir exclusivamente ao Brasil, mas abranger o conjunto da América do Sul.
Mas a Rússia foi o país escolhido para fornecer os equipamentos agora. Qual é impacto disso na política externa?
Põe em evidência o caráter de que o Brasil tem uma política externa independente. Que não está alinhado aqui ou ali. Nós temos opções das mais variadas.
Se for examinar outras opções do campo da defesa, há coisas que são feitas com os Estados Unidos, com a França (todo o programa do submarino nuclear e dos submarinos convencionais), com a Espanha, com o Reino Unido. E com a Rússia.
Para o Brasil, do ponto de vista estratégico, é melhor fechar parcerias com países dos Brics ou com Europa Ocidental e Estados Unidos?
Para o Brasil é melhor fechar parceria, em primeiro lugar, com países que tenham equipamentos de grande qualidade e ajustados à nossa estratégia de defesa. E com países que nos assegurem o uso soberano desses equipamentos.
Nós não podemos ficar dependentes. Eu sempre dou um exemplo. Se eu me sinto ameaçado, aqui em Brasília, e decido comprar um revólver - estou dizendo uma hipótese absurda, eu nunca comprei um revólver-, o vendedor não pode me dizer: "Olha, eu lhe dou o revólver, mas as balas, quando o senhor se sentir ameaçado, o senhor telefona para a minha loja que eu lhe mando as balas para o senhor carregar o revólver e usar". Não pode ser assim.
Episódios recentes podem ter aumentado a desconfiança que existe, nesse caso de transferência de tecnologia e parceria, entre Brasil e Estados Unidos?
Você está se referindo à bisbilhotice?
Sim, ao episódio de espionagem em que agências de inteligência dos Estados Unidos atuaram no Brasil.
Acho que pode ter a sua influência. Mas nós estamos na expectativa de que sejam dadas explicações. Sobretudo, que sejam feitas correções necessárias.
Mas sem dúvida é um pouco um alerta. Mas eu acho que, de maneira nenhuma, deve ser entendido que a partir disso nós vamos interromper relações. Não. Nós vamos continuar com nossas relações amplas [com os EUA], porém, evidentemente, esse episódio nos faz pensar.
Desde a década passada há o programa que visa a renovar os caças da Força Aérea Brasileira. Na fase atual, ficaram três países habilitados para fornecer os equipamentos: França, Estados Unidos e Suécia. No caso dos EUA, há um ruído a mais agora que dificulta fechar um negócio com eles?
Eu diria que há um ruído a mais. Agora, essa é uma questão que cabe à comandante em chefe das Forças Armadas, que é a presidenta.
Essa decisão que está em aberto. Pela sua importância, quanto menos gente falar sobre o assunto, melhor.
Ainda assim, houve esse episódio da espionagem. O Brasil, oficialmente, solicitou explicações do governo norte-americano. Não está descartada a hipótese de que nunca venha uma explicação totalmente satisfatória. Isso seria nocivo para as relações entre os dois países e para o caso da compra dos caças?
O chanceler Patriota usou uma expressão que eu acho interessante. Ele disse que isso criava uma sombra nas nossas relações. Como nós somos tropicais e gostamos de sol, eu acho que essa sombra deveria ser eliminada. O presidente [Barack] Obama, na conversa telefônica longa - a imprensa disse que foi de 20 minutos, foram 42 minutos- que teve com a presidenta Dilma, ele reconheceu que...
O sr. participou da conversa?
Eu assisti. Estive junto. Nessa conversa, ele [Obama] reconhecendo que tinha sido criada uma situação constrangedora para o governo brasileiro, disse: "Olha, nós vamos investigar, vamos apurar. Tem coisas que nem eu mesmo tenho conhecimento e controle. Agora, como eu sei que essa investigação demorará algum tempo, eu acho que isso pode ter uma incidência sobre a nossa visita".
Digamos que o governo norte-americano demore muito ou nem dê a explicação que o governo brasileiro consideraria satisfatória. Essa sombra nas relações permanece e o efeito específico para a compra dos caças seria qual?
É desnecessário dizer a importância que os Estados Unidos têm no mundo. Mais ainda a importância que têm na região. Nós somos os dois grandes países das Américas. Acho que haverá um esforço da parte do governo brasileiro - e tenho a impressão que por parte do governo norte-americano - de resolver essas tensões que existem entre Estados Unidos e Brasil.
Eu não tenho condições de avaliar [a situação da compra dos caças]. Eu insisto nisso. Acho que uma questão que tem que ser decidida no mais alto nível.
Mas o sr. acha plausível imaginar que em algum momento, em um mês ou dois, ou em um ano, os Estados Unidos digam ao Brasil: "Houve a espionagem. O que foi espionado foi isso, aqui está tudo o que foi espionado, e nós pedimos desculpa e nunca mais vamos espionar o Brasil"?
Os Estados Unidos já pediram desculpas em outras ocasiões. Acho que pode ser plausível.
Mas revelar tudo que eles espionaram e, dois, prometer que nunca mais vão espionar?
Isso é o que nós esperamos.
Mas é plausível?
É o que nós esperamos.
O sr. assistiu à conversa da presidente Dilma com o presidente Barack Obama. Durou aproximadamente 42 minutos. Satisfaça a curiosidade da maioria dos brasileiros: como esses telefonemas se dão, operacionalmente? É em viva voz, com tradutor?
É em viva voz e com um tradutor de lá e um tradutor daqui.
A presidenta entende bem inglês. Fala um pouco. Mas nessas ocasiões, nós preferimos o formalismo da tradução.
Então, havia o tradutor da Casa Branca, que vem do tempo do [George W.] Bush. É um brasileiro muito bom tradutor.
E nós tínhamos aqui um tradutor. Temos um tradutor de inglês e também de outras línguas. No caso, foi um diplomata que trabalha comigo. Teve que ser improvisado, tendo em vista que a conversação foi marcada de uma hora para a outra.
Quem acompanha, nesses casos, a conversa telefônica, além dos tradutores e do sr.?
Eu tenho em geral um ou dois tomadores de nota. Em algumas circunstâncias, se o ministro está interessado, ele vem. No governo anterior [de Luiz Inácio Lula da Silva], o ministro participava mais. Neste governo, o [então] ministro Patriota, um pouco menos. Em geral, eu estou sempre...
Essas conversas ficam gravadas?
Não, elas não ficam gravadas. Nós fazemos uma minuta delas bastante boas.
Não seria prudente gravar?
Eu gostaria que sim. Até porque como professor de história, me interessaria ter essa documentação.
Há alguma razão pela qual não são gravadas?
Não. É uma praxe que não se adotou. Acho que a esta altura já não teria muito efeito. Mas nós temos sim notas dessas conversas.
Quanto tempo depois de ocorridas essas conversas de alto nível do presidente da República com seus contrapartes de outros países essas minutas devem ficar em reserva e guardadas em sigilo?
É conforme a Lei de Acesso à Informação. Na maioria dos casos, nós qualificamos como secretas essas notas.
Secreta são 15 anos de sigilo...
É isso, então... Evidentemente, se o presidente decidir em determinado momento liberar, isso será por sua conta.
A presidente fez bem em cancelar a visita de Estado que faria agora, em outubro, para os Estados Unidos diante do que aconteceu?
Acho que sim.
Não haveria alternativa?
Não. A visita ficaria absolutamente contaminada por esse assunto.
Imagine você a conversa dando voltas em torno do problema da bisbilhotice? E com uma particularidade: sem que o governo americano estivesse pronto para dar resposta. Aliás esse foi um dos argumentos que o Obama disse: "Eu gostaria muito que viesse, mas entendo".
A conversa já começou assim ou no começo ainda se procurou encontrar uma saída para evitar adiar?
Não. Eu diria que estava mais ou menos subentendido, desde o começo, seja da parte dele, seja da nossa parte. Obviamente a ele interessaria que essa visita ocorresse.
Havia uma impressão durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que ele se relacionava de maneira mais amena com o presidente George W. Bush do que com o presidente Barack Obama. É correta essa impressão?
Acho que aí há um problema temporal. O presidente Lula coincidiu muito mais tempo com o Bush do que com o Obama. Mas as conversas dos dois [Lula e Obama], que presenciei foram muito, muito calorosas.
Por que acabou sendo mal sucedida a tentativa de Lula de mediar um acordo entre os EUA e o Irã a respeito de energia nuclear?
O presidente Lula, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, a pedido de Mahmoud Ahmadinejad, encontrou-se com ele em Nova York. Conversaram sobre uma série de questões.
Em substância, o que foi tratado ali foi o seguinte: precisamos encontrar uma solução para o problema nuclear. O presidente iraniano reiterou que não havia disposição de produzir bomba atômica. A partir daí houve uma disposição do governo brasileiro de procurar a fazer sondagens. Mediar um acordo em cooperação com os turcos, porque o primeiro-ministro da Turquia também estava muito empenhado nisso.
Numa reunião que tivemos em Teerã, em um certo momento, Lula disse [para Ahmadinejad]: "Escuta, vamos ou não vamos chegar a um acordo sobre a questão nuclear?". E [Ahmadinejad] disse: "Acho que sim porque está chegando, nesse momento, a Teerã, o primeiro-ministro da Turquia". Nós ficamos muito otimistas. O [então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso] Amorim telefonou um pouco depois para a Hillary Clinton, que era a secretária de Estados dos Estados Unidos e informou: "Escuta, o acordo é muito próximo do que o presidente Obama expressou na sua carta" [correspondência de Obama a Lula dizendo o que seria necessário para um acordo].
Houve um silêncio. O ministro [Amorim] ficou com a nítida impressão de que a secretária de Estado [Hilary Clinton] não conhecia a carta. Depois disso, o Conselho de Segurança [da ONU] votou as sanções.
O sr. atribuiria a quem o obstáculo maior para que não tenha sido efetivado o acordo naquela época? A Obama, a Hillary Clinton, a um preconceito dos Estados Unidos em relação ao Brasil e Turquia terem sido protagonistas?
Acho que houve um preconceito das grandes potências em geral.
Em relação do protagonismo de Brasil e Turquia?
Exatamente.
Das grandes potências ou dos Estados Unidos?
Dos Estados Unidos, mas também da França, com quem nós tínhamos relações muito boas naquele momento.
Acho que é aquela ideia de que "isso aqui é coisa de cachorro grande", entende? Cachorro pequeno não se mete nessa briga aqui.
O sr. diria que esse preconceito hoje persiste?
Diminuiu um pouco. Mas ainda persiste.
O preconceito não é algo abstrato. Precisa se materializar, pela ação, pelas palavras de dirigentes. No caso dos Estados Unidos, foi o próprio presidente Obama ou a então secretária Hillary Clinton?
É difícil dizer. A política externa, nos Estados Unidos, tem muitos vetores.
O sr. está dizendo que o preconceito é latente e enraizado dentro da administração pública federal dos Estados Unidos?
Pode ser que seja assim.
Não vai mudar nunca?
Muda.
Se o presidente não toma a frente e assume posições menos preconceituosas, nesse sentido que o sr. diz...
Há duas coisas.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos têm um problema de um sentido de missão no mundo. Não preciso fazer uma análise do discurso oficial dos Estados Unidos. Qualquer um deles está impregnado desse sentido. Isso atenta muito contra uma visão multilateral.
Em segundo lugar, os Estados Unidos têm impulsionado com êxito uma visão de um diretório da política mundial. Esse diretório foi o G7. Depois, o G8. Em momento agudo de crise, que foi em novembro de 2008, o presidente [George W.] Bush convocou aquela reunião, em Washington. Era uma reunião que iria se debruçar fundamentalmente sobre as questões econômicas. Naquele momento, Lula foi um dos que propôs que fosse o G20, que já existia - não mais em nível ministerial, mas em nível presidencial.
Os Estados Unidos estavam um pouco fragilizados. O presidente Bush estava em fim de mandato. O presidente Obama já tinha sido eleito. De uma certa forma, a conta da crise estava sendo debitada na administração republicana.
O sr. acha que falta mais comprometimento por parte do presidente Barack Obama em caminhar para uma posição a favor do multilateralismo?
Acredito que ele queira fazer. Temos alguns indícios disso. O discurso que ele fez no Cairo, que ele fez na Universidade de Beijing. Eram discursos que mostravam isso. Eu teria que ser um analista mais fino da política americana para lhe dizer, não de forma simplificada, que eu acho que existem constrangimentos muitos grandes que impendem que os Estados Unidos assumam uma posição mais clara nesse sentido.
O sr. acha que é mais fácil para um democrata ou para um republicano caminhar nessa direção?
Não sei hoje em dia. O passado nos mostra que os republicanos fizeram piruetas mais audazes do que os democratas. Lembramos que o [Richard] Nixon foi quem fez toda aproximação com a China.
A presidente Dilma Rousseff fez um discurso muito duro na ONU a respeito do caso de espionagem dos Estados Unidos sobre comunicações brasileiras, inclusive as dela. E propôs um plano, no âmbito da ONU, para a governança da internet. O sr, acha exequível que a ONU consiga discutir e implantar tal plano?
Acho que é necessário.
Mas a ONU como é hoje tem condições de fazer isso?
Se não tiver condições não serei eu quem vai falar da ONU aqui. O presidente Obama esses dias falou, mas eu não quero falar. Aliás, esse é um dos problemas também.
Eu acho de qualquer maneira que pode ser ruim com a ONU, mas será muito pior sem ela. Porque aí nós estaremos efetivamente vivendo um pouco sob absoluta ausência de normas. Essas normas são pouco respeitadas, mas em alguns casos elas são respeitadas.
Política externa se faz também de valores, de iniciativas. É isso que muitas vezes se reclama. Pois bem, temos aí uma iniciativa. Vamos dizer que ela pode se dar âmbito da ONU, excelente. Se ela não puder dar no âmbito da ONU, em algum âmbito ela tem que ser tentada.
Nesse caso da espionagem, o Brasil se descuidou?
Acho que isso é possível. Possível, não. É evidente que isso houve... mas eu gostaria de tocar esse argumento. Você sabe por quê?
Por quê?
Porque esse argumento tem sido muito utilizado para relativizar a bisbilhotice, a espionagem. Vamos admitir que nós não tivéssemos tomado todas as providências necessárias para proteção. Isso não pode ser utilizado como um argumento para relativizar a gravidade de nós termos espionado o nosso governo como um todo, a presidenta como um todo, a Petrobras, outras empresas.
O objeto principal era qual? Político ou econômico?
Acho que é global, abrangente. Abrangente, uma ideia de saber tudo sobre todos.
Sobre qualquer assunto?
Sobre qualquer assunto.
Não haveria interesse mais comercial, econômico?
Também, seguramente.
Mas era prevalente?
Não sei se prevalente, porque tem que ver concretamente que interesses estavam convergindo nesse processo de espionagem. A NSA, tenho entendido, é um braço da espionagem. Agora, os insumos para essa espionagem nós vimos quando foi divulgado [por Edward] Snowden uma carta do embaixador dos Estados Unidos no Brasil agradecendo à NSA por ter espionado a delegação brasileira nas Nações Unidas no momento da votação da crise com o Irã. Então, quer dizer que a NSA operou.
O senador boliviano Roger Pinto Molina fugiu para o Brasil com auxílio do diplomata brasileiro Eduardo Saboia. Ele foi nesta semana, quarta-feira [16.out.2013], ao Congresso para um encontro com a bancada evangélica. Pediu apoio. Ele está pedindo refúgio ao Brasil. Aguarda uma resposta do governo. É correto ele se movimentar dessa forma, visitar o Congresso e pedir apoio?
Não acho que seja...
Ele errou ao ir ao Congresso pedir esse apoio?
Acho que sim. Eu já fui asilado e sei que uma das normas do asilo é boca calada.
O sr. acha que isso o prejudica nesse processo de pedido de asilo ao Brasil?
Eu não quero dizer isso, mas eu acho que foi uma conduta errada. Uma conduta errada dele. E tenho a impressão de que não é uma boa coisa.
O Brasil deve conceder asilo ao Molina?
O Brasil tinha concedido asilo. Ele saiu do asilo quando saiu da embaixada de forma irregular. Está aqui com asilo provisório. Isso vai ser decidido pelo Conare, o Conselho Nacional para os Refugiados. Não quero opinar sobre isso porque o organismo deve ter todas as peças do dossiê.
Mas é uma hipótese real não conceder devolvê-lo para a Bolívia?
Devolvê-lo para a Bolívia, não. Devolvê-lo para a Bolívia, nós não devolveremos.
Mas enviá-lo a outro país onde ele possa pedir asilo?
Há duas possibilidades: ou ele pode ter asilo aqui ou ele pode ir para outro país. Analisando estritamente as hipóteses.
Devolvê-lo à Bolívia, não?
Não.
Qual o saldo desse episódio para a política externa brasileira? Passou a imagem de uma certa falta de comando no Itamaraty?
O pedido de asilo dele se arrastou por um período muito longo. Eu, em um primeiro momento, a informação que eu tinha, era que o governo boliviano estaria disposto a dar o salvo-conduto.
E não deu?
Nesse particular, a minha opinião era que devíamos ter dado o asilo. A questão depois evoluiu numa outra direção. Não foi dado. Eles alegaram uma série de razões, inclusive de ordem jurídica, para não dar. Criou-se um impasse. Esse impasse só poderia ter sido resolvido com base em uma negociação.
Eu me sinto, às vezes, um pouco culpado de não ter podido participar mais. Eu estava disposto a ir à Bolívia para tentar somar aos esforços que o Itamaraty estava fazendo, mas tive problemas graves de saúde, problemas cardíacos graves. Fiquei interditado de subir os 4.200 metros do aeroporto de La Paz. E a coisa terminou desse jeito. Acho que houve, sem sombra de dúvidas, um problema de comando.
Tanto é que trocou o ministro.
Tanto é que trocou o ministro. Com isso eu não estou fazendo nenhum julgamento sobre as qualidades do embaixador Antônio Patriota, com quem que eu, aliás, sempre tive relações, e continuo tendo, relações das mais cordiais possíveis.
A presidente Dilma não tem escondido uma certa impaciência com a forma com que atua o Itamaraty. Que tipo de mudança tem de ocorrer no Itamaraty para que ela fique satisfeita?
Essa questão da impaciência não é tanto assim.
A presidenta tem dito, concretamente, o seguinte: "Estão equivocados aqueles que acreditam que nós fazemos diplomacia. Nós fazemos é política externa".
A diplomacia pode ser um meio, mas o instrumento efetivo de projeção do país e até de constituição do nosso projeto nacional é a política externa.
Existe um excesso de valorização da diplomacia quando deveria se priorizar mais a implantação de uma política externa?
Não diria isso. O Itamaraty é, de todos os ministérios, aquele que tem o melhor corpo de funcionários. Absolutamente profissionalizados. No governo Lula e no governo Dilma essa tendência de profissionalização do Itamaraty foi muito fortalecida.
Nós hoje não temos nenhum embaixador que não seja diplomata de carreira. No passado, tínhamos quatro ou cinco. Na maioria dos países nós temos um terço, às vezes dois terços de embaixadores chamados políticos. Aqui, não.
Mas isso nem sempre é bom?
Mas isso significa concretamente que todo aquele argumento de partidarização e de politização ou de idealização da política externa não tem muito apoio, a partir desse tipo de orientação.
Venezuela. Nicolás Maduro está completando seis meses de governo e enfrenta desabastecimento de itens básicos, apagões, alta da inflação. Um cenário instável. Há risco de colapso ou de golpe na Venezuela?
Não acho que há risco de colapso. Os países da região estamos dispostos a ajudar essa parte material para resolver problemas de abastecimento e outros de gestão. Problema de golpe tampouco acho que seja viável. Por uma razão muito simples: qualquer tentativa de golpe na Venezuela significaria marginalização da Venezuela do Mercosul, da Unasul, como aconteceu com o Paraguai.
A propósito, o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, veio ao Brasil, mas ainda não anunciou retorno ao país no Mercosul. Qual o futuro do bloco?
O retorno vai se dar.
Quando?
Nós esperamos que antes do fim do ano. Para que o Paraguai possa participar da reunião do Mercosul que será em Caracas.
Mas ele [Horacio Cartes ] deu alguma indicação de que anuncia antes do fim do ano essa volta?
Ficou evidente que há um esforço muito grande. Eu diria que da parte da Venezuela também houve um gesto significativo. O chanceler Elias Jaua esteve em Assunção. Uma das coisas que eles tinham insistido, um gesto positivo, foi o pedido de "agrément" para o novo embaixador da Venezuela no Paraguai.
Antes do final do ano o Paraguai volta ao Mercosul?
Espero que sim. Entre outras coisas, para o Paraguai usufruir dos benefícios do Mercosul como, por exemplo, o Focem [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul], que permite uma construção da linha de transmissão de Itaipu até Assunção. Tem que estar no Mercosul formalmente.
Há hoje uma discussão sobre biografias não autorizadas. Qual é a sua opinião sobre isso?
Sou contra a censura de uma maneira geral.
Acha um erro retirar um livro do mercado?
Acho um erro.
Qual solução deveria ser dada?
A solução é a seguinte: se a pessoa se sente ofendida, difamada, e isso tem amparo no Código Penal brasileiro, acione. Entendo que há um problema complicado que é a lentidão da Justiça -que faz com que essa difamação perdure. Mas isso é um problema não só nas biografias, mas na imprensa também.
Muitas vezes nós vemos que o direito de resposta não é um direito assegurado plenamente. Tem uma demora muito grande para ser atendido. Acho que uma das formas de evitar a censura, seja a censura de livros, seja a censura de qualquer meio de comunicação, é justamente assegurar procedimentos que permitam rápidas respostas e rápidas correções de eventuais distorções que sejam cometidas.
Quais serão, na sua avaliação, os principais candidatos a presidente em 2014?
A presidenta Dilma. Aécio [Neves] vai ser candidato. E acho que será muito difícil que Eduardo [Campos] ceda a janelinha do ônibus para Marina [Silva].
Haverá segundo turno na disputa do ano que vem?
Não sei. Eu espero que não, mas não sei.
Quem é o candidato mais forte, a esta altura, contra a presidente Dilma?
É difícil dizer. Há uma absoluta incerteza nas candidaturas de oposição.
Lula candidato ainda é uma hipótese?
Não.
Com certeza?
Com certeza. Eu espero que seja em 2018, mas aí é outra coisa.
Em 2007, no episódio que o sr. protagonizou, do gesto que fez na época do acidente do avião da TAM. Passados tantos anos, como o sr. analisa o ocorrido?
De duas formas. Primeiro lugar, como uma operação sórdida da Rede Globo. Sórdida.
Por quê?
Porque foi uma invasão de privacidade. Eu estava na minha sala, vendo televisão. E segundo lugar porque foi utilizado um artifício.
Qual seja?
[Perguntaram:] "Vocês também estavam comemorando a notícia da Globo que a culpa não era do aeroporto, mas era do piloto?" E aí foi dito: "Não, não estava comemorando nada, porque ninguém comemora uma coisa dessas, mas sim nós estávamos vendo o noticiário".
Eu poderia ter perfeitamente dito naquele dia que "não, não, aquele gesto foi feito em relação à derrota da seleção brasileira de vôlei, que jogou no Panamericano", ou simplesmente poderia dizer "não, estávamos com a televisão desligada", porque não aparecia a televisão. Entende? A jornalista induziu esse tipo de questão. Então, isso me provoca indignação.
Mas eu fiquei também muito chocado porque, involuntariamente, eu ofendi a memória dos familiares. Isso me deixou muito deprimido. Que possa ter sido entendido, por parte dos familiares, e eu entendo que assim eles o sentissem, como uma ofensa, como um desrespeito à memória dos que morreram. E obviamente não era esse o meu sentimento.
O sr. de vez em quando se lembra daquele episódio ainda?
É uma coisa que ficou. Uma coisa que eu preferia que não tivesse ocorrido. Nem para mim, menos para o governo. No dia seguinte do noticiário eu apresentei a minha demissão ao presidente.
O presidente agiu como?
O presidente disse que não aceitava. Mas nós estávamos vivendo uma crise muito grave naquele momento. No dia, nesse dia do episódio, saiu um artigo na "Folha de S.Paulo" de uma pessoa que dizia que o presidente da República era responsável pela morte de 200 pessoas. Assim, nominalmente. Nós estávamos todos muito abalados. Aquilo foi uma tragédia nacional. Ninguém poderia ficar insensível.
veja o filme no link.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2013/10/1358841-entrevista-com-marco-aurelio-garcia.shtml
Brasil não devolverá o senador Roger Pinto para a Bolívia, diz Marco Aurélio Garcia
FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da
República, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que o governo brasileiro
não considera devolver para a Bolívia o senador Roger Pinto Molina,
daquele país, que fugiu para o Brasil em agosto.DE BRASÍLIA
Em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, o assessor do Planalto elaborou sobre como pode ser o desfecho desse caso do senador boliviano. "Devolvê-lo para a Bolívia, nós não devolveremos", disse. "Há duas possibilidades: ou ele pode ter asilo aqui ou ele pode ir para outro país. Analisando estritamente as hipóteses".
Marco Aurélio Garcia avalia que "houve, sem sombra de dúvidas, um problema de comando" no Ministério das Relações Exteriores nesse episódio. "Tanto é que trocou o ministro", completou, referindo-se à demissão de Antonio Patriota do Itamaraty depois que ficou comprovado que um diplomata brasileiro ajudou na fuga do senador boliviano para Brasília.
Na entrevista, o assessor presidencial que ocupa essa função desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, disse também que o recente caso de espionagem dos Estados Unidos no Brasil serviu de "alerta" à administração federal quando for necessário adquirir equipamentos militares.
"Sem dúvida é um pouco um alerta", afirmou. A avaliação de Marco Aurélio foi dada ao comentar a compra de equipamentos de defesa que o Brasil fez da Rússia nesta semana - cerca de R$ 2 bilhões para adquirir baterias antiaéreas.
Para ele, o Brasil deve comprar material de defesa "de grande qualidade" e de países que assegurem "o uso soberano" desses equipamentos. "Nós não podemos ficar dependentes".
Marco Aurélio não quis especular se o episódio da espionagem norte-americana no Brasil e a recente compra de equipamentos da Rússia enfraquecem a posição dos EUA no processo de aquisição de novos aviões caça para a Força Aérea Brasileira. Mas o substrato de suas declarações indica que essa é uma possibilidade real.
Apesar de evitar indicar uma fragilização da posição dos EUA nesse processo de compra dos caças, o assessor citou uma frase do ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota. "O chanceler usou uma expressão que eu acho interessante. Ele disse que isso criava uma sombra nas nossas relações. Como nós somos tropicais e gostamos de sol, eu acho que essa sombra deveria ser eliminada". Mas ainda não foi.
Marco Aurélio deu também detalhes da conversa telefônica entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente norte-americano, Barack Obama, realizada no dia 16 de setembro. "A imprensa disse que foi de 20 minutos, foram 42 minutos", afirmou. Segundo ele, logo no início já ficou claro que ambos entenderam mutuamente que seria impossível manter a viagem oficial da brasileira a Washington, programada para o dia 23 deste mês.
Marco Aurélio explicou que esses telefonemas da presidente com outros chefes de Estado são realizados com um equipamento de viva voz e com tradutores nos dois lados - uma "praxe diplomática". As conversas são gravadas? "Não, elas não ficam gravadas. Nós fazemos uma minuta bastante boa". Esses resumos são classificados como secretos e ficam em sigilo por 15 anos.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha/UOL - Mudou alguma coisa na condução da política externa brasileira no governo Dilma em relação ao governo Lula?
Marco Aurélio Garcia - Mudou o mundo. Essa é a questão mais importante. Passou-se a dar uma importância maior aos termos econômicos, do ponto de vista internacional. Isso não decorre só do fato de a presidenta ser uma economista e ter um interesse enorme pelos temas econômicos. Mas também pelo fato de as questões econômicas começarem a ocupar um lugar mais importante nas relações internacionais.
O Brasil acaba de fechar um contrato de R$ 2 bilhões com a Rússia para comprar baterias antiaéreas. Há indícios também de que o Brasil pode participar da produção de um avião caça russo. Qual o significado dessa operação para a política externa brasileira?
Em primeiro lugar, tem uma dimensão interna. No final do governo Lula aprovamos um documento de grande importância, que foi a Estratégia Nacional de Defesa. Uma consequência óbvia dessa nova Estratégia Nacional de Defesa era a reorganização do armamento brasileiro de defesa. Mais do que isso: a necessidade de uma política industrial de defesa - que não deveria se restringir exclusivamente ao Brasil, mas abranger o conjunto da América do Sul.
Mas a Rússia foi o país escolhido para fornecer os equipamentos agora. Qual é impacto disso na política externa?
Põe em evidência o caráter de que o Brasil tem uma política externa independente. Que não está alinhado aqui ou ali. Nós temos opções das mais variadas.
Se for examinar outras opções do campo da defesa, há coisas que são feitas com os Estados Unidos, com a França (todo o programa do submarino nuclear e dos submarinos convencionais), com a Espanha, com o Reino Unido. E com a Rússia.
Para o Brasil, do ponto de vista estratégico, é melhor fechar parcerias com países dos Brics ou com Europa Ocidental e Estados Unidos?
Para o Brasil é melhor fechar parceria, em primeiro lugar, com países que tenham equipamentos de grande qualidade e ajustados à nossa estratégia de defesa. E com países que nos assegurem o uso soberano desses equipamentos.
Nós não podemos ficar dependentes. Eu sempre dou um exemplo. Se eu me sinto ameaçado, aqui em Brasília, e decido comprar um revólver - estou dizendo uma hipótese absurda, eu nunca comprei um revólver-, o vendedor não pode me dizer: "Olha, eu lhe dou o revólver, mas as balas, quando o senhor se sentir ameaçado, o senhor telefona para a minha loja que eu lhe mando as balas para o senhor carregar o revólver e usar". Não pode ser assim.
Episódios recentes podem ter aumentado a desconfiança que existe, nesse caso de transferência de tecnologia e parceria, entre Brasil e Estados Unidos?
Você está se referindo à bisbilhotice?
Sim, ao episódio de espionagem em que agências de inteligência dos Estados Unidos atuaram no Brasil.
Acho que pode ter a sua influência. Mas nós estamos na expectativa de que sejam dadas explicações. Sobretudo, que sejam feitas correções necessárias.
Mas sem dúvida é um pouco um alerta. Mas eu acho que, de maneira nenhuma, deve ser entendido que a partir disso nós vamos interromper relações. Não. Nós vamos continuar com nossas relações amplas [com os EUA], porém, evidentemente, esse episódio nos faz pensar.
Desde a década passada há o programa que visa a renovar os caças da Força Aérea Brasileira. Na fase atual, ficaram três países habilitados para fornecer os equipamentos: França, Estados Unidos e Suécia. No caso dos EUA, há um ruído a mais agora que dificulta fechar um negócio com eles?
Eu diria que há um ruído a mais. Agora, essa é uma questão que cabe à comandante em chefe das Forças Armadas, que é a presidenta.
Essa decisão que está em aberto. Pela sua importância, quanto menos gente falar sobre o assunto, melhor.
Ainda assim, houve esse episódio da espionagem. O Brasil, oficialmente, solicitou explicações do governo norte-americano. Não está descartada a hipótese de que nunca venha uma explicação totalmente satisfatória. Isso seria nocivo para as relações entre os dois países e para o caso da compra dos caças?
O chanceler Patriota usou uma expressão que eu acho interessante. Ele disse que isso criava uma sombra nas nossas relações. Como nós somos tropicais e gostamos de sol, eu acho que essa sombra deveria ser eliminada. O presidente [Barack] Obama, na conversa telefônica longa - a imprensa disse que foi de 20 minutos, foram 42 minutos- que teve com a presidenta Dilma, ele reconheceu que...
O sr. participou da conversa?
Eu assisti. Estive junto. Nessa conversa, ele [Obama] reconhecendo que tinha sido criada uma situação constrangedora para o governo brasileiro, disse: "Olha, nós vamos investigar, vamos apurar. Tem coisas que nem eu mesmo tenho conhecimento e controle. Agora, como eu sei que essa investigação demorará algum tempo, eu acho que isso pode ter uma incidência sobre a nossa visita".
Digamos que o governo norte-americano demore muito ou nem dê a explicação que o governo brasileiro consideraria satisfatória. Essa sombra nas relações permanece e o efeito específico para a compra dos caças seria qual?
É desnecessário dizer a importância que os Estados Unidos têm no mundo. Mais ainda a importância que têm na região. Nós somos os dois grandes países das Américas. Acho que haverá um esforço da parte do governo brasileiro - e tenho a impressão que por parte do governo norte-americano - de resolver essas tensões que existem entre Estados Unidos e Brasil.
Eu não tenho condições de avaliar [a situação da compra dos caças]. Eu insisto nisso. Acho que uma questão que tem que ser decidida no mais alto nível.
Mas o sr. acha plausível imaginar que em algum momento, em um mês ou dois, ou em um ano, os Estados Unidos digam ao Brasil: "Houve a espionagem. O que foi espionado foi isso, aqui está tudo o que foi espionado, e nós pedimos desculpa e nunca mais vamos espionar o Brasil"?
Os Estados Unidos já pediram desculpas em outras ocasiões. Acho que pode ser plausível.
Mas revelar tudo que eles espionaram e, dois, prometer que nunca mais vão espionar?
Isso é o que nós esperamos.
Mas é plausível?
É o que nós esperamos.
O sr. assistiu à conversa da presidente Dilma com o presidente Barack Obama. Durou aproximadamente 42 minutos. Satisfaça a curiosidade da maioria dos brasileiros: como esses telefonemas se dão, operacionalmente? É em viva voz, com tradutor?
É em viva voz e com um tradutor de lá e um tradutor daqui.
A presidenta entende bem inglês. Fala um pouco. Mas nessas ocasiões, nós preferimos o formalismo da tradução.
Então, havia o tradutor da Casa Branca, que vem do tempo do [George W.] Bush. É um brasileiro muito bom tradutor.
E nós tínhamos aqui um tradutor. Temos um tradutor de inglês e também de outras línguas. No caso, foi um diplomata que trabalha comigo. Teve que ser improvisado, tendo em vista que a conversação foi marcada de uma hora para a outra.
Quem acompanha, nesses casos, a conversa telefônica, além dos tradutores e do sr.?
Eu tenho em geral um ou dois tomadores de nota. Em algumas circunstâncias, se o ministro está interessado, ele vem. No governo anterior [de Luiz Inácio Lula da Silva], o ministro participava mais. Neste governo, o [então] ministro Patriota, um pouco menos. Em geral, eu estou sempre...
Essas conversas ficam gravadas?
Não, elas não ficam gravadas. Nós fazemos uma minuta delas bastante boas.
Não seria prudente gravar?
Eu gostaria que sim. Até porque como professor de história, me interessaria ter essa documentação.
Há alguma razão pela qual não são gravadas?
Não. É uma praxe que não se adotou. Acho que a esta altura já não teria muito efeito. Mas nós temos sim notas dessas conversas.
Quanto tempo depois de ocorridas essas conversas de alto nível do presidente da República com seus contrapartes de outros países essas minutas devem ficar em reserva e guardadas em sigilo?
É conforme a Lei de Acesso à Informação. Na maioria dos casos, nós qualificamos como secretas essas notas.
Secreta são 15 anos de sigilo...
É isso, então... Evidentemente, se o presidente decidir em determinado momento liberar, isso será por sua conta.
A presidente fez bem em cancelar a visita de Estado que faria agora, em outubro, para os Estados Unidos diante do que aconteceu?
Acho que sim.
Não haveria alternativa?
Não. A visita ficaria absolutamente contaminada por esse assunto.
Imagine você a conversa dando voltas em torno do problema da bisbilhotice? E com uma particularidade: sem que o governo americano estivesse pronto para dar resposta. Aliás esse foi um dos argumentos que o Obama disse: "Eu gostaria muito que viesse, mas entendo".
A conversa já começou assim ou no começo ainda se procurou encontrar uma saída para evitar adiar?
Não. Eu diria que estava mais ou menos subentendido, desde o começo, seja da parte dele, seja da nossa parte. Obviamente a ele interessaria que essa visita ocorresse.
Havia uma impressão durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que ele se relacionava de maneira mais amena com o presidente George W. Bush do que com o presidente Barack Obama. É correta essa impressão?
Acho que aí há um problema temporal. O presidente Lula coincidiu muito mais tempo com o Bush do que com o Obama. Mas as conversas dos dois [Lula e Obama], que presenciei foram muito, muito calorosas.
Por que acabou sendo mal sucedida a tentativa de Lula de mediar um acordo entre os EUA e o Irã a respeito de energia nuclear?
O presidente Lula, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, a pedido de Mahmoud Ahmadinejad, encontrou-se com ele em Nova York. Conversaram sobre uma série de questões.
Em substância, o que foi tratado ali foi o seguinte: precisamos encontrar uma solução para o problema nuclear. O presidente iraniano reiterou que não havia disposição de produzir bomba atômica. A partir daí houve uma disposição do governo brasileiro de procurar a fazer sondagens. Mediar um acordo em cooperação com os turcos, porque o primeiro-ministro da Turquia também estava muito empenhado nisso.
Numa reunião que tivemos em Teerã, em um certo momento, Lula disse [para Ahmadinejad]: "Escuta, vamos ou não vamos chegar a um acordo sobre a questão nuclear?". E [Ahmadinejad] disse: "Acho que sim porque está chegando, nesse momento, a Teerã, o primeiro-ministro da Turquia". Nós ficamos muito otimistas. O [então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso] Amorim telefonou um pouco depois para a Hillary Clinton, que era a secretária de Estados dos Estados Unidos e informou: "Escuta, o acordo é muito próximo do que o presidente Obama expressou na sua carta" [correspondência de Obama a Lula dizendo o que seria necessário para um acordo].
Houve um silêncio. O ministro [Amorim] ficou com a nítida impressão de que a secretária de Estado [Hilary Clinton] não conhecia a carta. Depois disso, o Conselho de Segurança [da ONU] votou as sanções.
O sr. atribuiria a quem o obstáculo maior para que não tenha sido efetivado o acordo naquela época? A Obama, a Hillary Clinton, a um preconceito dos Estados Unidos em relação ao Brasil e Turquia terem sido protagonistas?
Acho que houve um preconceito das grandes potências em geral.
Em relação do protagonismo de Brasil e Turquia?
Exatamente.
Das grandes potências ou dos Estados Unidos?
Dos Estados Unidos, mas também da França, com quem nós tínhamos relações muito boas naquele momento.
Acho que é aquela ideia de que "isso aqui é coisa de cachorro grande", entende? Cachorro pequeno não se mete nessa briga aqui.
O sr. diria que esse preconceito hoje persiste?
Diminuiu um pouco. Mas ainda persiste.
O preconceito não é algo abstrato. Precisa se materializar, pela ação, pelas palavras de dirigentes. No caso dos Estados Unidos, foi o próprio presidente Obama ou a então secretária Hillary Clinton?
É difícil dizer. A política externa, nos Estados Unidos, tem muitos vetores.
O sr. está dizendo que o preconceito é latente e enraizado dentro da administração pública federal dos Estados Unidos?
Pode ser que seja assim.
Não vai mudar nunca?
Muda.
Se o presidente não toma a frente e assume posições menos preconceituosas, nesse sentido que o sr. diz...
Há duas coisas.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos têm um problema de um sentido de missão no mundo. Não preciso fazer uma análise do discurso oficial dos Estados Unidos. Qualquer um deles está impregnado desse sentido. Isso atenta muito contra uma visão multilateral.
Em segundo lugar, os Estados Unidos têm impulsionado com êxito uma visão de um diretório da política mundial. Esse diretório foi o G7. Depois, o G8. Em momento agudo de crise, que foi em novembro de 2008, o presidente [George W.] Bush convocou aquela reunião, em Washington. Era uma reunião que iria se debruçar fundamentalmente sobre as questões econômicas. Naquele momento, Lula foi um dos que propôs que fosse o G20, que já existia - não mais em nível ministerial, mas em nível presidencial.
Os Estados Unidos estavam um pouco fragilizados. O presidente Bush estava em fim de mandato. O presidente Obama já tinha sido eleito. De uma certa forma, a conta da crise estava sendo debitada na administração republicana.
O sr. acha que falta mais comprometimento por parte do presidente Barack Obama em caminhar para uma posição a favor do multilateralismo?
Acredito que ele queira fazer. Temos alguns indícios disso. O discurso que ele fez no Cairo, que ele fez na Universidade de Beijing. Eram discursos que mostravam isso. Eu teria que ser um analista mais fino da política americana para lhe dizer, não de forma simplificada, que eu acho que existem constrangimentos muitos grandes que impendem que os Estados Unidos assumam uma posição mais clara nesse sentido.
O sr. acha que é mais fácil para um democrata ou para um republicano caminhar nessa direção?
Não sei hoje em dia. O passado nos mostra que os republicanos fizeram piruetas mais audazes do que os democratas. Lembramos que o [Richard] Nixon foi quem fez toda aproximação com a China.
A presidente Dilma Rousseff fez um discurso muito duro na ONU a respeito do caso de espionagem dos Estados Unidos sobre comunicações brasileiras, inclusive as dela. E propôs um plano, no âmbito da ONU, para a governança da internet. O sr, acha exequível que a ONU consiga discutir e implantar tal plano?
Acho que é necessário.
Mas a ONU como é hoje tem condições de fazer isso?
Se não tiver condições não serei eu quem vai falar da ONU aqui. O presidente Obama esses dias falou, mas eu não quero falar. Aliás, esse é um dos problemas também.
Eu acho de qualquer maneira que pode ser ruim com a ONU, mas será muito pior sem ela. Porque aí nós estaremos efetivamente vivendo um pouco sob absoluta ausência de normas. Essas normas são pouco respeitadas, mas em alguns casos elas são respeitadas.
Política externa se faz também de valores, de iniciativas. É isso que muitas vezes se reclama. Pois bem, temos aí uma iniciativa. Vamos dizer que ela pode se dar âmbito da ONU, excelente. Se ela não puder dar no âmbito da ONU, em algum âmbito ela tem que ser tentada.
Nesse caso da espionagem, o Brasil se descuidou?
Acho que isso é possível. Possível, não. É evidente que isso houve... mas eu gostaria de tocar esse argumento. Você sabe por quê?
Por quê?
Porque esse argumento tem sido muito utilizado para relativizar a bisbilhotice, a espionagem. Vamos admitir que nós não tivéssemos tomado todas as providências necessárias para proteção. Isso não pode ser utilizado como um argumento para relativizar a gravidade de nós termos espionado o nosso governo como um todo, a presidenta como um todo, a Petrobras, outras empresas.
O objeto principal era qual? Político ou econômico?
Acho que é global, abrangente. Abrangente, uma ideia de saber tudo sobre todos.
Sobre qualquer assunto?
Sobre qualquer assunto.
Não haveria interesse mais comercial, econômico?
Também, seguramente.
Mas era prevalente?
Não sei se prevalente, porque tem que ver concretamente que interesses estavam convergindo nesse processo de espionagem. A NSA, tenho entendido, é um braço da espionagem. Agora, os insumos para essa espionagem nós vimos quando foi divulgado [por Edward] Snowden uma carta do embaixador dos Estados Unidos no Brasil agradecendo à NSA por ter espionado a delegação brasileira nas Nações Unidas no momento da votação da crise com o Irã. Então, quer dizer que a NSA operou.
O senador boliviano Roger Pinto Molina fugiu para o Brasil com auxílio do diplomata brasileiro Eduardo Saboia. Ele foi nesta semana, quarta-feira [16.out.2013], ao Congresso para um encontro com a bancada evangélica. Pediu apoio. Ele está pedindo refúgio ao Brasil. Aguarda uma resposta do governo. É correto ele se movimentar dessa forma, visitar o Congresso e pedir apoio?
Não acho que seja...
Ele errou ao ir ao Congresso pedir esse apoio?
Acho que sim. Eu já fui asilado e sei que uma das normas do asilo é boca calada.
O sr. acha que isso o prejudica nesse processo de pedido de asilo ao Brasil?
Eu não quero dizer isso, mas eu acho que foi uma conduta errada. Uma conduta errada dele. E tenho a impressão de que não é uma boa coisa.
O Brasil deve conceder asilo ao Molina?
O Brasil tinha concedido asilo. Ele saiu do asilo quando saiu da embaixada de forma irregular. Está aqui com asilo provisório. Isso vai ser decidido pelo Conare, o Conselho Nacional para os Refugiados. Não quero opinar sobre isso porque o organismo deve ter todas as peças do dossiê.
Mas é uma hipótese real não conceder devolvê-lo para a Bolívia?
Devolvê-lo para a Bolívia, não. Devolvê-lo para a Bolívia, nós não devolveremos.
Mas enviá-lo a outro país onde ele possa pedir asilo?
Há duas possibilidades: ou ele pode ter asilo aqui ou ele pode ir para outro país. Analisando estritamente as hipóteses.
Devolvê-lo à Bolívia, não?
Não.
Qual o saldo desse episódio para a política externa brasileira? Passou a imagem de uma certa falta de comando no Itamaraty?
O pedido de asilo dele se arrastou por um período muito longo. Eu, em um primeiro momento, a informação que eu tinha, era que o governo boliviano estaria disposto a dar o salvo-conduto.
E não deu?
Nesse particular, a minha opinião era que devíamos ter dado o asilo. A questão depois evoluiu numa outra direção. Não foi dado. Eles alegaram uma série de razões, inclusive de ordem jurídica, para não dar. Criou-se um impasse. Esse impasse só poderia ter sido resolvido com base em uma negociação.
Eu me sinto, às vezes, um pouco culpado de não ter podido participar mais. Eu estava disposto a ir à Bolívia para tentar somar aos esforços que o Itamaraty estava fazendo, mas tive problemas graves de saúde, problemas cardíacos graves. Fiquei interditado de subir os 4.200 metros do aeroporto de La Paz. E a coisa terminou desse jeito. Acho que houve, sem sombra de dúvidas, um problema de comando.
Tanto é que trocou o ministro.
Tanto é que trocou o ministro. Com isso eu não estou fazendo nenhum julgamento sobre as qualidades do embaixador Antônio Patriota, com quem que eu, aliás, sempre tive relações, e continuo tendo, relações das mais cordiais possíveis.
A presidente Dilma não tem escondido uma certa impaciência com a forma com que atua o Itamaraty. Que tipo de mudança tem de ocorrer no Itamaraty para que ela fique satisfeita?
Essa questão da impaciência não é tanto assim.
A presidenta tem dito, concretamente, o seguinte: "Estão equivocados aqueles que acreditam que nós fazemos diplomacia. Nós fazemos é política externa".
A diplomacia pode ser um meio, mas o instrumento efetivo de projeção do país e até de constituição do nosso projeto nacional é a política externa.
Existe um excesso de valorização da diplomacia quando deveria se priorizar mais a implantação de uma política externa?
Não diria isso. O Itamaraty é, de todos os ministérios, aquele que tem o melhor corpo de funcionários. Absolutamente profissionalizados. No governo Lula e no governo Dilma essa tendência de profissionalização do Itamaraty foi muito fortalecida.
Nós hoje não temos nenhum embaixador que não seja diplomata de carreira. No passado, tínhamos quatro ou cinco. Na maioria dos países nós temos um terço, às vezes dois terços de embaixadores chamados políticos. Aqui, não.
Mas isso nem sempre é bom?
Mas isso significa concretamente que todo aquele argumento de partidarização e de politização ou de idealização da política externa não tem muito apoio, a partir desse tipo de orientação.
Venezuela. Nicolás Maduro está completando seis meses de governo e enfrenta desabastecimento de itens básicos, apagões, alta da inflação. Um cenário instável. Há risco de colapso ou de golpe na Venezuela?
Não acho que há risco de colapso. Os países da região estamos dispostos a ajudar essa parte material para resolver problemas de abastecimento e outros de gestão. Problema de golpe tampouco acho que seja viável. Por uma razão muito simples: qualquer tentativa de golpe na Venezuela significaria marginalização da Venezuela do Mercosul, da Unasul, como aconteceu com o Paraguai.
A propósito, o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, veio ao Brasil, mas ainda não anunciou retorno ao país no Mercosul. Qual o futuro do bloco?
O retorno vai se dar.
Quando?
Nós esperamos que antes do fim do ano. Para que o Paraguai possa participar da reunião do Mercosul que será em Caracas.
Mas ele [Horacio Cartes ] deu alguma indicação de que anuncia antes do fim do ano essa volta?
Ficou evidente que há um esforço muito grande. Eu diria que da parte da Venezuela também houve um gesto significativo. O chanceler Elias Jaua esteve em Assunção. Uma das coisas que eles tinham insistido, um gesto positivo, foi o pedido de "agrément" para o novo embaixador da Venezuela no Paraguai.
Antes do final do ano o Paraguai volta ao Mercosul?
Espero que sim. Entre outras coisas, para o Paraguai usufruir dos benefícios do Mercosul como, por exemplo, o Focem [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul], que permite uma construção da linha de transmissão de Itaipu até Assunção. Tem que estar no Mercosul formalmente.
Há hoje uma discussão sobre biografias não autorizadas. Qual é a sua opinião sobre isso?
Sou contra a censura de uma maneira geral.
Acha um erro retirar um livro do mercado?
Acho um erro.
Qual solução deveria ser dada?
A solução é a seguinte: se a pessoa se sente ofendida, difamada, e isso tem amparo no Código Penal brasileiro, acione. Entendo que há um problema complicado que é a lentidão da Justiça -que faz com que essa difamação perdure. Mas isso é um problema não só nas biografias, mas na imprensa também.
Muitas vezes nós vemos que o direito de resposta não é um direito assegurado plenamente. Tem uma demora muito grande para ser atendido. Acho que uma das formas de evitar a censura, seja a censura de livros, seja a censura de qualquer meio de comunicação, é justamente assegurar procedimentos que permitam rápidas respostas e rápidas correções de eventuais distorções que sejam cometidas.
Quais serão, na sua avaliação, os principais candidatos a presidente em 2014?
A presidenta Dilma. Aécio [Neves] vai ser candidato. E acho que será muito difícil que Eduardo [Campos] ceda a janelinha do ônibus para Marina [Silva].
Haverá segundo turno na disputa do ano que vem?
Não sei. Eu espero que não, mas não sei.
Quem é o candidato mais forte, a esta altura, contra a presidente Dilma?
É difícil dizer. Há uma absoluta incerteza nas candidaturas de oposição.
Lula candidato ainda é uma hipótese?
Não.
Com certeza?
Com certeza. Eu espero que seja em 2018, mas aí é outra coisa.
Em 2007, no episódio que o sr. protagonizou, do gesto que fez na época do acidente do avião da TAM. Passados tantos anos, como o sr. analisa o ocorrido?
De duas formas. Primeiro lugar, como uma operação sórdida da Rede Globo. Sórdida.
Por quê?
Porque foi uma invasão de privacidade. Eu estava na minha sala, vendo televisão. E segundo lugar porque foi utilizado um artifício.
Qual seja?
[Perguntaram:] "Vocês também estavam comemorando a notícia da Globo que a culpa não era do aeroporto, mas era do piloto?" E aí foi dito: "Não, não estava comemorando nada, porque ninguém comemora uma coisa dessas, mas sim nós estávamos vendo o noticiário".
Eu poderia ter perfeitamente dito naquele dia que "não, não, aquele gesto foi feito em relação à derrota da seleção brasileira de vôlei, que jogou no Panamericano", ou simplesmente poderia dizer "não, estávamos com a televisão desligada", porque não aparecia a televisão. Entende? A jornalista induziu esse tipo de questão. Então, isso me provoca indignação.
Mas eu fiquei também muito chocado porque, involuntariamente, eu ofendi a memória dos familiares. Isso me deixou muito deprimido. Que possa ter sido entendido, por parte dos familiares, e eu entendo que assim eles o sentissem, como uma ofensa, como um desrespeito à memória dos que morreram. E obviamente não era esse o meu sentimento.
O sr. de vez em quando se lembra daquele episódio ainda?
É uma coisa que ficou. Uma coisa que eu preferia que não tivesse ocorrido. Nem para mim, menos para o governo. No dia seguinte do noticiário eu apresentei a minha demissão ao presidente.
O presidente agiu como?
O presidente disse que não aceitava. Mas nós estávamos vivendo uma crise muito grave naquele momento. No dia, nesse dia do episódio, saiu um artigo na "Folha de S.Paulo" de uma pessoa que dizia que o presidente da República era responsável pela morte de 200 pessoas. Assim, nominalmente. Nós estávamos todos muito abalados. Aquilo foi uma tragédia nacional. Ninguém poderia ficar insensível.
veja o filme no link.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2013/10/1358841-entrevista-com-marco-aurelio-garcia.shtml
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