N° Edição: 2293
| 25.Out.13 - 20:50
| Atualizado em 27.Out.13 - 16:45
Chorar durante a pregação é um dos traços mais marcantes da
performance de Valdemiro Santiago de Oliveira, o todo-poderoso da Igreja
Mundial do Poder de Deus (IMPD), no púlpito. Criticado por abusar dessa
prática, o autointitulado apóstolo tem motivos mais terrenos para
derramar suas lágrimas atualmente. O império neopentecostal construído
por esse mineiro de 49 anos, nascido em Cisneiros, distrito de Palma, a
400 quilômetros de Belo Horizonte, vive a maior crise da sua história. O
mais recente indício de que a IMPD está fragilizada foi a decisão do
Grupo Bandeirantes de encerrar, na semana passada, a parceria que
mantinha com Valdemiro, que alugava quase a totalidade da grade da
programação do Canal 21 e ocupava cerca de quatro horas diárias nas
madrugadas da Band. Motivo do fim do acordo: atrasos no pagamento.
PASTOR
Valdemiro Santiago criou um império religioso, viu seu rebanho se
expandir por cerca de cinco mil templos e, agora, tenta colocar a
casa em ordem ao ver sua igreja sangrar em milhões de reais
Valdemiro até que tentou impedir o fato. De microfone em punho, o
comedor de angu que cuidava de marrecos na roça antes de se converter
evangélico usou toda a sua empatia com o povão. No início do mês, pôs o
rosto no vídeo, caprichou na voz chorosa e iniciou uma campanha
conclamando seus fiéis a ajudá-lo a arrecadar R$ 21 milhões para honrar
compromissos com o aluguel de horários na mídia. A Mundial já devia R$ 8
milhões ao Grupo Bandeirantes referentes a setembro. No fim deste mês,
outro boleto a vencer: R$ 13 milhões. A emissora paulista não confirma
oficialmente, mas a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo,
concorrente direta da Mundial, teria entrado na disputa por esses
horários e conseguido vencer a briga sobre a maior concorrente na
disputa por almas. “Pegaram a gente em um momento de fraqueza”, diz uma
liderança da IMPD. “Gastamos R$ 300 milhões com templos ultimamente e
vivemos um tempo de estruturação e amadurecimento.”
PODER
Diante da crise, Valdemiro nomeou Jorge Pinheiro (acima), marido da irmã
de sua esposa, para gerir o setor financeiro e administrativo da IMPD no
lugar do bispo Josivaldo (abaixo), transferido para Lisboa
"Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados
por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo",
afirma um alto dirigente da IMPD do Rio de Janeiro
Quisera Valdemiro Santiago, porém, que seus problemas fossem revezes
restritos apenas ao campo administrativo da sua igreja. Em São Paulo, o
líder evangélico é alvo de uma investigação do Ministério Público
estadual e da Polícia Civil. Desde janeiro de 2013, diligências feitas
pelo Grupo Especial de Delitos Econômicos (Gedec) e pela Divisão de
Investigações sobre Crimes contra a Fazenda, da Polícia Civil, apuram um
suposto crime de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos ou
valores. O dono da Mundial virou alvo das autoridades quando elas
descobriram que a Fazenda Santo Antonio do Itiquira, localizada em Santo
Antônio do Leverger (MT), um conglomerado de 10.174 hectares de terras
ocupado por milhares de cabeças de gado, foi comprado por R$ 29 milhões à
vista pela empresa W. S. Music, cujos representantes são o apóstolo e
sua mulher, a bispa Franciléia. O caso, que pode configurar uso do
dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, corre em sigilo.
A Mundial, fundada em 1998 – antes dela, Valdemiro fora pastor na
Igreja Universal por 18 anos (leia quadro) –, viveu um avanço muito
grande em um curto espaço de tempo. De 500 templos em 2009, hoje a
denominação computa mais de cinco mil unidades, segundo seus membros.
Acontece que a vida de uma igreja não se resume ao púlpito ou aos
cultos. Administrativa e financeiramente falando, a IMPD não evoluiu.
“Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados. Por mês, R$ 30
milhões saem pelo ralo”, afirma um alto dirigente da denominação,
lotado no Rio de Janeiro. De acordo com ele, a devoção em torno dos
cultos, espécie de pronto-socorro espiritual, onde fiéis garantem ter
alcançado a cura divina para alguma enfermidade graças à intercessão de
Valdemiro, trouxe notoriedade à igreja e atraiu quadrilhas de pastores
que se infiltraram em seus templos para se apropriar das doações. “Há
dois anos e meio, por exemplo, o Valdemiro descobriu uma dessas
quadrilhas no ABC paulista liderada pelo bispo e por seus auxiliares e
os expulsou.”
PREGAÇÃO
Com fama de milagreiro, Valdemiro fez fama ao se aproximar
dos mais humildes. Abaixo, sua esposa, a bispa Franciléia
Esse mesmo dirigente lembra do dia em que, ao manobrar seu carro na
saída de um culto, uma fiel bateu no vidro para alertar que pessoas
traíam a confiança do líder evangélico: “Pastor, está vendo esse carnê
da Mundial? A conta corrente aqui escrita não é a da igreja. Estão
distribuindo carnês falsos para o povo pagar! Avisa o apóstolo, por
favor!” Ou seja, o dinheiro estava sendo desviado num esquema paralelo
ao de Valdemiro. Professor da pós-graduação de Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ricardo Bitun se deparou com essa
prática ao ir a campo para a confecção de sua tese de doutorado.
Intitulado “Igreja Mundial do Poder de Deus: Continuidades e
Descontinuidades no Neopentecostalismo Brasileiro”, o estudo defende que
Valdemiro foi o único dissidente da Universal que conseguiu alcançar
sucesso. E assim o fez graças, principalmente, à remasterização da cura
divina, uma prática bastante difundida no Brasil nos anos 1970. “Um
bispo me contou que havia pastores infiltrados em igrejas e até mesmo
bispos cobrando propinas de pastores”, diz Bitun.
SUSPEITA
Uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, como a compra de uma
fazenda de R$ 29 milhões (à esq., o documento de compra em seu nome),
é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo
Valdemiro é um líder religioso onipresente no altar e nos programas
televisivos e demorou a perceber que estava sendo traído por pessoas
muito próximas a ele – e do alto escalão da igreja. Havia um grupo
próximo a Josivaldo Batista de Souza, que era considerado o número 2 da
Mundial, agindo como lobos em pele de cordeiro. “Ele se deu conta de
que o problema advinha da concentração de poder em torno dessa turma”,
diz um membro da hierarquia paulista da Mundial. “Era gente pedindo
avião para fazer não sei o quê, para ter programa na televisão não sei
onde, para abrir igreja em um grotão aí...” Segundo esse integrante da
IMPD, Valdemiro cometeu erros próprios de líderes que sobem muito e
rapidamente. “Ele se cercou de um estafe pequeno que blindava o acesso a
ele. E, assim, passou a ouvir pouco outras opiniões. Precisa
amadurecer.”
FLAGRA
Membros da Mundial chegaram a clonar carnês para desviar
o dinheiro que era arrecadado dos fiéis nos cultos
Diante das dívidas, dos calotes e das traições, o líder da IMPD está
tentando conter a sangria da sua igreja do jeito que pode. Transferiu
para Lisboa o pastor Josivaldo, um ex-membro da Universal que o
acompanha desde o começo dos trabalhos da denominação em Pernambuco,
segundo Estado onde ele fincou sua bandeira. Para substituir Josivaldo,
que era responsável pela gestão administrativa e financeira e cuidava do
dia a dia da Mundial, além dos bispos e pastores, Valdemiro achou por
bem recorrer a um familiar. Empossou o bispo Jorge Pinheiro, marido da
irmã da sua esposa Franciléia. Para tentar se reequilibrar
financeiramente, conta um bispo paulista, ele decidiu se desfazer de
duas Cidades Mundiais, como são chamados os megatemplos da IMPD, em São
Paulo e no Paraná. Elas se encontram fechadas pelos órgãos públicos
locais, após pouco tempo de funcionamento, por não preencherem
requisitos para receber o público. Um claro erro de avaliação que onerou
a igreja. “A Cidade Mundial paulista está fechada desde fevereiro de
2012. Mas Valdemiro, todo mês, tem de pagar R$ 5 milhões das parcelas da
compra dela”, diz o bispo. Missionário da IMPD, o deputado estadual
Rodrigo Moraes (PSC-SP), que foi designado pela igreja para fazer “a
coisa caminhar” junto aos órgãos públicos, segue na sua empreitada. “Não
recebi o comando de parar o trabalho ainda. Mas a vontade do apóstolo é
que fala mais alto”, afirma. Templos pequenos e mal localizados, que
não condiziam com a orientação de Valdemiro, também deixaram de ser
usados. “Cerca de 15% deles tiveram de ser fechados ou reestruturados”,
diz uma liderança da igreja. Pode ser uma saída para que a fama de
caloteiro não suplante a de apóstolo milagreiro.
NA JUSTIÇA
Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima),
localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil.
À esq., Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada
Não são poucos os templos ocupados pela IMPD que têm problemas com
aluguel atrasado ou ações de despejo em curso na Justiça. Em Pirituba,
por exemplo, bairro da capital paulista, o proprietário impetrou na
justiça uma ação de despejo contra a igreja por não receber o aluguel de
seu imóvel desde julho. E cobra, ainda, o pagamento de R$ 34.538,64. De
acordo com um de seus representantes legais, essa é terceira vez que a
justiça é acionada desde 2010, quando o local passou a ser ocupado pela
Mundial. “Não entendo a falta de organização da igreja. Não acredito que
ela não tenha caixa para pagar o aluguel”, diz ele, que prefere não se
identificar. “Esses problemas diminuíram 70% nos últimos tempos”,
garante Dênis Munhoz, advogado da Mundial. À frente também do cargo de
vice-presidente da Mundial, Munhoz refuta a ideia de a denominação viver
uma crise, argumentando que a IMPD é a evangélica que mais cresce no
Brasil. Sobre as quadrilhas de pastores, afirma: “Se existe esse
problema, a igreja sempre tomou as providências rapidamente.” Prefere,
no entanto, não comentar a perda dos espaços no Canal 21 e na Band. Quem
falou sobre o assunto foi o presidente da IMPD, o deputado federal José
Olímpio (PP-SP). “Estamos pagando muitas prestações, os valores de
aluguéis aumentaram, temos muitas obras em andamento e acabou atrasando
alguma coisa. Aí, deixa de pagar um mês e vira um problema para a
mensalidade seguinte”, diz.
Para se ver livre de mais problemas, Valdemiro, que, procurado por
ISTOÉ, não se manifestou, entregou os horários que possuía na Rede TV! e
na CNT. Deixou também de alugar espaço em dezenas de retransmissoras de
diferentes estados e recuou no projeto de ocupar a programação de tevês
da Argentina, Colômbia e do México. “Muitas vezes, é melhor dar um
passo atrás para, depois, dar um maior à frente”, diz o alto dirigente
da Mundial do Rio. “Valdemiro me disse que estava, inclusive, vendendo a
sua fazenda no Mato Grosso.” Essa informação não foi confirmada pelo
presidente nem pelo vice-presidente da IMPD. Mas, na atual situação,
receber R$ 33 milhões, valor estimado da Fazenda Santo Antonio do
Itiquira, seria como um milagre para o líder evangélico.
À espera de um milagre
Quadrilhas de pastores ladrões, dívidas milionárias com as tevês, administração amadora e investimentos equivocados na construção de grandiosos templos. O que está por trás da crise financeira da Mundial, uma das mais poderosas igrejas evangélicas do País
Rodrigo Cardoso
Confira compilação com cenas do apóstolo Valdemiro Santiago e outros líderes da igreja pedindo contribuições aos seguidores:
PASTOR
Valdemiro Santiago criou um império religioso, viu seu rebanho se
expandir por cerca de cinco mil templos e, agora, tenta colocar a
casa em ordem ao ver sua igreja sangrar em milhões de reais
PODER
Diante da crise, Valdemiro nomeou Jorge Pinheiro (acima), marido da irmã
de sua esposa, para gerir o setor financeiro e administrativo da IMPD no
lugar do bispo Josivaldo (abaixo), transferido para Lisboa
"Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados
por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo",
afirma um alto dirigente da IMPD do Rio de Janeiro
PREGAÇÃO
Com fama de milagreiro, Valdemiro fez fama ao se aproximar
dos mais humildes. Abaixo, sua esposa, a bispa Franciléia
SUSPEITA
Uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, como a compra de uma
fazenda de R$ 29 milhões (à esq., o documento de compra em seu nome),
é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo
FLAGRA
Membros da Mundial chegaram a clonar carnês para desviar
o dinheiro que era arrecadado dos fiéis nos cultos
NA JUSTIÇA
Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima),
localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil.
À esq., Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada
Nenhum comentário:
Postar um comentário