Nesta segunda-feira, 21 de outubro, será leiloado no Brasil o campo de Libra,
uma das maiores e mais promissoras áreas de exploração de petróleo já
oferecidas à iniciativa privada no mundo. Trata-se de uma reserva
estimada em algo entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris de petróleo,
segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Essa jazida tem potencial
para quase dobrar as reservas provadas brasileiras, hoje de 15 bilhões
de barris. O pré-sal brasileiro transformou o país num forte candidato
ao clube dos maiores produtores mundiais de petróleo. Foi comparado pelo então presidente Lula a um “bilhete premiado”. Nos últimos cinco anos, ninguém apareceu para resgatar o prêmio principal.
O primeiro desafio era de ordem tecnológica, pois essas reservas estão a
uma profundidade de 7 quilômetros. À medida que essas dificuldades
foram superadas, com queda no custo e no tempo para perfurar o pré-sal, a
maior barreira imposta foi política. A disputa pela renda do petróleo
do pré-sal, entre Estados e municípios produtores e não produtores, e o
debate sobre como distribuir a riqueza emperraram as novas regras e
todos os novos leilões, suspensos desde 2008 e retomados somente neste
ano. >> Protesto contra leilão do pré-sal deixa feridos no Rio de Janeiro
>> Exército já ocupa frente de hotel onde ocorrerá o leilão do pré-sal
O mercado aguardava com ansiedade a largada para desbravar o pré-sal.
Isso acontecerá agora com o leilão de Libra. A ANP estima que a área
renda R$ 900 bilhões a União, Estados e municípios pelos próximos 30
anos, incluindo as compensações pagas pelo impacto da produção, chamadas
de royalties. Em Libra, tudo é superlativo. Mesmo assim, quatro
gigantes petrolíferos, Chevron, Exxon, BP e BG, preferiram ficar de fora
desse leilão devido ao cipoal de incertezas criadas pelo governo nos
últimos anos. Entenda por quê.
A nova estatal do petróleo é um problema?
Na prática, o governo brasileiro quer enfiar goela abaixo dos
investidores duas jabuticabas do tamanho de melancias. A primeira é a
Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), estatal criada para gerenciar o contrato
do pré-sal. Em leilões do gênero pelo mundo, essas empresas apenas
regulam os contratos. No Brasil, s a PPSA é sócia com poder de veto.
Para piorar, nada se sabia sobre o perfil de quem a comandaria até
recentemente. Ela foi criada por lei em 2010, para representar a União
no consórcio explorador. Só saiu do papel a poucos dias do leilão, com a
nomeação de uma diretoria técnica. Quando expirou o prazo para as
empresas se inscreverem no certame, a PPSA nem sequer tinha um rosto,
fato que já era motivo de insegurança. “Os interessados terão um sócio
que não botará dinheiro, não correrá riscos, mas poderá decidir e vetar
decisões”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE). Para a advogada Sonia Agel, ex-procuradora da
ANP, a coexistência da PPSA com a ANP é outro problema. “Há grandes
chances de surgirem situações em que será difícil definir quem atuará”,
diz Sonia. Para ficar num exemplo: a PPSA deverá fiscalizar se o
consórcio cumprirá o mínimo conteúdo local em equipamentos e serviços –
obrigação que, anteriormente, já era da ANP.
A Petrobras terá recursos para investir em Libra?
A segunda jabuticaba gigante a obstruir a glote dos investidores é a
obrigatoriedade de parceria com a Petrobras. Ela tem 30% de participação
em qualquer consórcio e é a operadora oficial do campo de Libra – um
papel inédito na indústria petrolífera mundial. Nunca antes na história
de nenhum país uma sociedade foi imposta dessa forma. Para a Petrobras, a
situação é um desafio. Ela tem de honrar um arrojado plano de
investimentos, da ordem de US$ 236,7 bilhões até 2017. Para isso,
desistiu de alguns projetos, procura solução para refinarias
deficitárias e tenta vender unidades no exterior. O pré-sal é uma
despesa sem receita, num momento em que a Petrobras ainda tem de
subsidiar o preço da gasolina no Brasil, vendida a preços mais baixos do
que é comprada no exterior. Diante de intervenções do governo federal
na Petrobras, o investidor perde a confiança, e a empresa, valor de
mercado. “Os estrangeiros seriam meros prestadores de serviço, ao sabor
dos investimentos da Petrobras e da ingerência da PPSA”, diz David
Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Haveria concorrência de um outro negócio vantajoso para a Petrobras: a
exploração de uma reserva de 5 bilhões de barris de petroleo no pré-sal,
cedida pela União numa exploração sem sócios. A produção não será
dividida com a União, e a Petrobras ainda pagará menos royalties.
A produção de petróleo aumentará, logo o risco ambiental também. Estamos preparados?
O Brasil espera desde o ano 2000 pelo Plano Nacional de Contingência
(PNC), que definirá procedimentos para a atuação do governo e demais
envolvidos nos acidentes graves. Sob o comando do Ibama, da Marinha e da
ANP, o assunto ganhou força após o acidente da Chevron, na Bacia de
Santos, em 2011. A empolgação durou pouco. O plano ainda é avaliado pela
Presidência da República. E isso também causa insegurança nos
investidores. “Essa indefinição atinge toda a indústria petrolífera. Se a
regra não está pronta, o risco para quem for investir em Libra é mais
alto. O investidor não sabe qual será seu papel num eventual acidente,
não tem como cotar um bom seguro, e o dinheiro fica mais caro para ele”,
diz Claudio Pinho, professor associado da Fundação Dom Cabral.
Como será a distribuição de royalties do pré-sal?
Uma medida cautelar da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal
Federal, suspendeu, desde março, artigos da nova lei da partilha que
estendia a nova distribuição de royalties aos contratos de exploração de
petróleo em vigor. Falta agora o plenário do Supremo julgar a medida,
uma decisão temporária. “O nível de risco envolvido é alto. Há um
conflito político sério não resolvido. Tudo isso retira valor das
jazidas e da indústria como um todo”, diz Gustavo Binenbojm, professor
da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). Ninguém sabe que solução será dada para acomodar tantas
demandas. Nesse cenário duvidoso, afirma Binenbojm, não se pode
descartar nem a hipótese de aumentarem os royalties cobrados das
empresas.
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