quinta-feira, 15 de novembro de 2012

è a vida dá muitas voltas até mesmo nesta vida, quem sabe esta é uma delas.

N° Edição:  2245 |  14.Nov.12 - 17:00 |  Atualizado em 15.Nov.12 - 09:48

De volta aos porões

De guerrilheiro à condição de segundo homem mais poderoso da República e de negociador de grandes empresas. A surpreendente trajetória de José Dirceu até as grades

Izabelle Torres

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Até há bem pouco tempo, parecia improvável que no Brasil um homem como José Dirceu, que acumulou tanto poder e prestígio ao longo da vida, acabasse atrás das grades. ex-guerrilheiro que lutou contra a ditadura, ajudou a fundar um partido de trabalhadores e ocupou o segundo cargo mais importante da República, Dirceu experimenta agora o infortúnio de ser o primeiro ex-ministro de Estado a receber pena tão alta por corrupção e ainda ter de ressarcir os cofres públicos. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal o condenou a dez anos e dez meses de cadeia e ao pagamento de uma multa de R$ 676 mil, por ter chefiado o esquema do mensalão. Dirceu está prestes a voltar para o cárcere, mais de quatro décadas depois de ser preso em Ibiúna (SP) durante um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE). As circunstâncias de agora, no entanto, são bem diferentes daquelas de 1968, quando o jovem mineiro de Passa Quatro já era um combativo militante político. No comando da UNE, havia abandonado os estudos para lutar pela democracia. Hoje, mancha de maneira indelével a própria biografia ao ser condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no STF, acusou o petista de colocar “em risco o sistema democrático” ao se ocupar pessoalmente de tais práticas criminosas. Ou seja, por ironia do destino, Dirceu, como chefe da Casa Civil do governo Lula, teria atentado contra a mesma democracia que ajudou a instaurar, colocando em jogo a própria liberdade. Provavelmente, sua vida lhe passou à mente enquanto acompanhava pela tevê os ministros do Supremo confirmando, um a um, a sentença.
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NOME FALSO
Em 1979, na cidade de Cruzeiro do Oeste (PR) como clandestino,
Dirceu se chamava Carlos Henrique e, antes de segurar o filho
no colo, se submeteu a plásticas para mudar o rosto
Tudo começou em 1961, quando Dirceu desembarcaria anônimo em São Paulo, vindo de Minas Gerais. Quatro anos depois iniciou nos corredores da PUC sua militância política na União Estadual dos Estudantes (UEE). Um ano depois de ser preso em Ibiúna, Dirceu ou “Daniel”, seu codinome de então, foi libertado em troca do embaixador americano Charles Elbrick – sequestrado pela ALN e pelo MR-8. Com seus direitos cassados, foi banido do país e se refugiou em Cuba, onde fez treinamentos militares. Dirceu ficaria em Cuba até 1975, quando retornou clandestino para ficar de vez no Brasil e de cara nova. Fez cirurgias plásticas e quando chegou em Cruzeiro do Oeste (PR) já era Carlos Henrique Gouveia de Mello. Montou uma nova vida casando-se com Clara Becker, de quem escondeu a verdadeira identidade por quatro anos. Só em 1979, com a anistia, Dirceu regressou a São Paulo e reencontrou sua identidade original. A fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980 e o engajamento na campanha das Diretas Já vieram em seguida. O ápice do comandante político, um dos principais algozes do ex-presidente Fernando Collor, apeado do poder por corrupção, seria alcançado a partir das articulações para a campanha presidencial vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, com sua ascensão à Casa Civil como o segundo homem mais poderoso da República. Uma carreira até a eclosão do escândalo do mensalão aparentemente sem reparos, mas que não foi suficiente para sensibilizar a maioria do Supremo.
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No íntimo, Dirceu sabe que foi vítima do próprio poder que amealhou ao longo da vida. Na Casa Civil, ele aprovava todas as indicações para a formação da equipe ministerial, para cargos de primeiro, segundo e terceiro escalões. Coordenava programas e investimentos. Ditou as regras por dois anos e montou uma superestrutura partidária dentro da máquina pública. Passou a ser temido e odiado, não só pela oposição, mas por políticos aliados e dentro do próprio PT. E a partir daí seu império começou a ruir.
A partir de denúncia do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), vieram à tona os detalhes de um esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio político no Congresso. Durante o processo do mensalão, a Procuradoria fez questão de ressaltar a participação de José Dirceu como chefe do mensalão. “Vital para o sucesso dos crimes”, definiu o presidente do STF, Carlos Ayres Britto. De acordo com Barbosa, a influência do então ministro era a garantia dada pela quadrilha para conseguir empréstimos fraudulentos e repassar dinheiro a políticos. “Ele comandava tudo e sua atuação era a certeza de que o grupo alcançaria seus objetivos criminosos”, resumiu.
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Mesmo depois de renunciar à Casa Civil, ter sido cassado e tido suspensos seus direitos políticos, Dirceu não perdeu sua influência. Começou a agir nos bastidores do poder, virou um homem de negócios e consultor de grandes empresas. Passou a receber ministros e lobistas em escritórios e quartos de hotel. No segundo mandato de Lula, Dirceu voltou a interferir inclusive na articulação política do Congresso Nacional. O trânsito fácil e a capacidade de ser recebido e atendido pela cúpula do governo tornaram o ex-ministro um consultor de sucesso. Grupos estrangeiros interessados em investir no Brasil o contrataram para fazer análises e capitanear negociações. Passou a operar por meio da sua empresa JD Consultores e do escritório de advocacia Oliveira e Silva & Associados. Nos últimos anos, fez negócios com grupos de Portugal e da Venezuela.
Desde o inicio do julgamento, Dirceu vem reduzindo o portfólio e repassará a um irmão o controle das consultorias durante o tempo em que permanecer na cadeia. Como parte dos contratos termina no final de 2013, não haverá tempo para concluí-los, uma vez que a prisão deve ser decretada em no máximo seis meses, quando o STF divulgar o acórdão do julgamento. Dirceu deve ficar atrás das grades por no mínimo um ano e nove meses, quando sua defesa poderá pedir revisão da pena e progressão para o regime semiaberto. Mais que acertar as contas com a sociedade, o ex-ministro terá a oportunidade de reavaliar sua conduta. Talvez compreenda que a Justiça vale para todos e que este, sim, é um sinal contundente do avanço da democracia que ajudou a construir.
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