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Cientistas mapeiam a atividade cerebral de médiuns
Pesquisadores examinaram o cérebro de médiuns brasileiros e descobriram que áreas ligadas à linguagem tiveram atividade abaixo do esperado, o que poderia mostrar um estado de falta de foco e de perda da autoconsciência
Os médiuns mais experientes apresentaram redução na atividade de determinadas áreas do cérebro
(iStockphoto)
As áreas do cérebro que apresentaram redução no fluxo sanguíneo cerebral foram o hipocampo esquerdo, o giro temporal superior direito e regiões do lobo frontal, que são associadas ao raciocínio, planejamento, geração de linguagem, movimento e solução de problemas. Para os autores, entre eles Andrew Newberg, professor da Universidade Thomas Jefferson, e Julio Peres, professor do Instituto de Psicologia da USP, essa pouca atividade pode indicar falta de foco, de atenção e de autoconsciência durante as psicografias. O curioso, no entanto, é que a complexidade das cartas redigidas durante o transe da psicografia deveria estar relacionada com uma maior atividade nessas áreas do cérebro.
"Experiências espirituais afetam a atividade cerebral, e isso é conhecido. Mas a resposta cerebral à prática de uma suposta comunicação com um espírito ou uma pessoa morta recebeu pouca atenção científica. A partir de agora, novos estudos devem ser realizados", diz Newberg.
Saiba mais
PSICOGRAFIAHabilidade atribuída a médiuns de escrever mensagens ditadas por espíritos, estabelecendo uma espécie de elo entre o mundo terreno e o espiritual.
HIPOCAMPO
São estruturas localizadas nos lobos temporais do cérebro humano responsáveis pelas memórias de curto e longo prazo. A relação entre seu tamanho e capacidade, no entanto, ainda não está clara. A região atua também no sistema de navegação espacial e na ativação de hormônios que respondem a situações de estresse, adaptando o corpo.
Para comparar o nível de atividade cerebral durante as psicografias, os cientistas aplicaram exames nos médiuns enquanto eles escreviam textos sem estar em estado de transe.
Experiência — A redução da atividade no lobo frontal ocorreu em níveis diferentes nos participantes. Eles foram separados entre médiuns experientes e iniciantes, sendo que o tempo de exercício da atividade variava de 5 a 47 anos. Para os noviços, a atividade no lobo posterior foi consideravelmente mais intensa. De acordo com os pesquisadores, isso pode indicar um maior esforço para tentar atingir com sucesso o estado de transe.
Outra questão levantada pela pesquisa é a complexidade dos textos produzidos. Uma análise mostrou que o conteúdo das cartas psicografadas era mais complexo do que as redigidas para outros fins. "Particularmente, os médiuns mais experientes produziram um material mais complexo, o que na teoria deveria requerer mais atividade nos lobos temporal e frontal. Mas este não foi o caso", escrevem os estudiosos. O conteúdo das cartas psicografadas, por exemplo, envolvia princípios éticos e abordava questões de espiritualidade e ciência.
Uma das hipóteses para esse fenômeno, segundo os pesquisadores, é que, ao reduzir a atividade do lobo frontal, outras partes do cérebro sejam acionadas, aumentando o nível de complexidade. "Enquanto as razões exatas para isso são ainda desconhecidas, nosso estudo sugere que há uma correlação neurofisiológica envolvida", afirma Newberg.
Essa correlação, no entanto, não é, absolutamente, um indicativo de uma suposta conexão com o mundo espiritual, ou algo do gênero. O mesmo fenômeno observado no cérebro dos médiuns ocorre com o cérebro de pianistas, por exemplo. Enquanto eles estão aprendendo a tocar e é preciso se concentrar em cada nota musical, o cérebro é ativado. Mas às medida que se tornam experts e tocar não requer mais tanta concentração, o cérebro não produz tanta atividade. "Podemos estar vendo um fenômeno parecido, no qual os médiuns treinam seus cérebros para desempenhar uma atividade psicográfica", diz Newberg.
"O estudo contribui para o nosso entendimento da relação entre o cérebro e as experiências e práticas espirituais"
Andrew Newberg
Diretor de Pesquisa no Myrna Brind Center of Integrative Medicine da Universidade Thomas Jefferson
Diretor de Pesquisa no Myrna Brind Center of Integrative Medicine da Universidade Thomas Jefferson
Por que houve essa diferença na atividade cerebral de acordo com a experiência dos médiuns?
Eu acho que isso reflete como o cérebro pode ser treinado para uma
tarefa particular — um efeito de treino. Por exemplo: quando uma pessoa
começa a aprender a tocar piano, ou outro instrumento musical, ela
precisa, a princípio, focar em aprender cada nota — presumivelmente
ativando o cérebro. Mas, na medida em que ela se torna um expert, o
cérebro fica mais eficiente e pode até diminuir sua atividade, uma vez
que tocar torna-se uma coisa fácil, que pode ser feita sem pensar.
Podemos estar vendo um fenômeno parecido, no qual os médiuns treinam
seus cérebros para desempenhar uma atividade psicográfica.
O que a redução da atividade em certas partes do cérebro sugere?
Neste caso, o estudo sugere que áreas que normalmente funcionam quando
estamos escrevendo ou realizando outras tarefas cognitivas, de certa
forma, desligam quando a pessoa entra em estado de transe. Isso é
consistente com a experiência (dos médiuns) segundo a qual eles não
estão no comando da prática e do que estão escrevendo. Quando a
atividade do lobo frontal diminui, a pessoa não sente que está
realizando uma tarefa, e sim que essa tarefa está sendo feita para ela.
Qual a relação entre experiências espirituais e a atividade cerebral?
As experiências espirituais são muito diversificadas e incluem
processos cognitivos, emocionais, de percepção e de comportamento.
Dependendo do tipo de experiência, nós vemos diferentes maneiras no modo
como o cérebro responde. Para a psicografia, o lobo frontal diminui sua
atividade porque o transe faz com que eles sintam que não estão
escrevendo.
Na opinião do senhor, qual a maior contribuição do estudo?
Eu acho que o estudo contribui para o nosso entendimento da relação
entre o cérebro e as experiências e práticas espirituais. Também nos
leva a pensar se os médiuns de fato estão conectados a um reino
espiritual, ou se simplesmente estão usando seus cérebros para construir
essas experiências. Esse estudo não nos dá uma resposta definitiva. Mas
traz muita coisa para pensarmos
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