A onça-pintada contra a energia eólica
13:29, 4/03/2013
Redação Época
Geral
Tags: Bahia, Boqueirão da Onça, Caatinga, energia eólica, onça-pintada
No interior da Bahia, próximo ao local onde o Rio São Francisco foi barrado para a construção da hidrelétrica de Sobradinho, existe um santuário de conservação da Caatinga. O Boqueirão da Onça é uma região de mais de um milhão de hectares de vegetação nativa bem conservada, com poucos povoados humanos e uma biodiversidade muito grande para os padrões do semi-árido brasileiro. Há registros da existência da arara-azul-de-lear, uma espécie classificada como Vulnerável e, em 2006, descobriu-se que a área possui uma das poucas populações de onça ainda existentes da Caatinga. A onça é classificada como Criticamente em Perigo no bioma. Além disso, o Boqueirão possui as duas maiores cavernas da América Latina. Todas essas características fizeram com que a região fosse considerada prioritária para a conservação no Brasil.
Ambientalistas reivindicam a criação de uma unidade de conservação no local, e um projeto para transformar o Boqueirão em Parque Nacional existe desde 2002. No entanto, enquanto o projeto não anda, pesquisadores temem que esse santuário de conservação possa estar ameaçado, ironicamente, por outro campeão ambiental: a energia dos ventos. As usinas eólicas não lançam gases poluentes que causam o aquecimento global. Mas a sua construção também causa impacto – usa-se concreto, ferro, e muitas vezes é preciso derrubar a mata nativa para erguer as torres. Acontece que ao mesmo tempo que o Boqueirão da Onça é uma área prioritária para a conservação, é também uma das regiões com maior potencial de geração de energia pelo vento do Brasil.
Segundo Angela Kuczach, pesquisadora da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem, a instalação desses projetos eólicos não está sendo feita da forma adequada na região, o que coloca em risco não só onças e araras, como também a população local. “Ninguém é contra energia eólica. É energia limpa, não gera gases de efeito estufa. O problema é a forma que está sendo feito”, diz.
A pesquisadora voltou recentemente de uma viagem no local e encontrou um cenário preocupante. Estradas enormes foram abertas para transportar as torres, derrubando a mata nativa. Ainda não se sabe se a região suporta a construção dessas torres – a Caatinga é um bioma muito frágil, e qualquer mudança pode comprometer não apenas a biodiversidade como também a agricultura de subsistência da população. Mais preocupante ainda é a questão da água. Em uma região de pouca incidência de chuvas, a população local, que já conta com poucos recursos, vive com menos de 450 litros de água por família por semana. A construção das torres eólicas, no entanto, consome cerca de 150 mil litros de água. “Não existe uma avaliação sobre o quanto está sendo retirado de água da região. Não se sabe se essa água vai afetar as nascentes do Boqueirão da Onça, que abastecem toda a população do entorno, além da fauna e flora”, diz Angela.
A tese de que os parques eólicos estão sendo construídos sem o devido estudo de impacto ambiental é refutada pela Abeeólica, a associação das empresas do setor. Segundo Elbia Melo, presidente da associação, todos os empreendimentos passam por estudos ambientais antes mesmo de participar dos leilões do Ministério de Minas e Energia. “A empresa só consegue a licença depois de fazer um estudo muito apurado. O órgão licenciador não permite que parques eólicos sejam licenciados sem esse estudo”, diz.
Empreendimentos
eólicos no Brasil desde 2009. A região do Boqueirão da Onça, no norte
da Bahia, tem forte presença das eólicas. Plano Decenal de Energia/EPE
A proposta de criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça existe desde 2002. O projeto inicial previa a criação de uma unidade de conservação com mais de um milhão de hectares. A proposta não andou, e só foi retomada em 2008, quando foram feitas consultas públicas com a população local.
No projeto atual, o parque nacional foi substituído por um mosaico com três unidades de conservação que somam cerca de 850 mil hectares. Desses, apenas 320 mil hectares continuam com a proteção integral. 106 mil hectares foram definidos como monumento natural, onde estão as cavernas, e 423 mil foram definidos como Área de Proteção Ambiental (APA). Essa classificação permite a manutenção de atividades produtivas. Segundo o ICMBio, a mudança foi feita para evitar conflitos com a população e permitir a existência de atividade econômica – incluindo as usinas eólicas – na região. O instituto promete encaminhar o projeto ao Ministério do Meio Ambiente no final de março. A partir de então, caberá ao ministério decidir enviar o parque ao gabinete da presidente Dilma Rousseff. É importante que o parque saia do papel, porque o Brasil precisa da energia dos ventos, mas não pode deixar de conservar suas cavernas, onças e araras.
Foto: Onça-pintada, espécie considerada criticamente em perigo na Caatinga. Trecho da capa do PAN Onça-pintada. Adriano Gambarini/ICMBio
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