20/04/2013
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22h30
A constatação é do Ministério dos Transportes, responsável pela obra, em relatório inédito obtido pela Folha. Para não chamar de moles os trilhos de aço importados da China, os técnicos que vistoriaram as obras afirmam no documento que o material tem "baixa dureza".
A falta de qualidade foi identificada mesmo sem a inauguração da via. Até agora, passaram pelos trilhos já assentados apenas trens transportando carregamentos da própria obra.
Os técnicos encontraram o aço com vários defeitos. Há partes se despedaçando e manchas que indicam que os trilhos podem trincar.
O relatório aponta que, caso a ferrovia estivesse funcionando com esses trilhos, os problemas levariam a uma redução de sua capacidade. Nessas condições, os trens não poderiam circular --por segurança-- na velocidade e com o peso projetados.
A previsão inicial do governo era que o trecho vistoriado da ferrovia, que vai de Anápolis (GO) a Palmas (TO), poderia estar transportando, já neste ano, cerca de 5 milhões de toneladas por mês --mais que o dobro do volume de soja que saiu de caminhão da região Centro-Oeste.
TRILHO CHINÊS
Os trilhos desse trecho da Norte-Sul começaram a chegar da China em 2007. Em contratos que ainda são investigados por órgãos de controle, o governo já recebeu 151 mil toneladas (222 mil barras), ao custo de R$ 470 milhões. Parte dos trilhos segue depositada em um terreno, sem cobertura.
A chegada do material não foi precedida de uma fiscalização adequada pela Valec, responsável pela obra, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União). A estatal não fez as checagens para verificar se os trilhos tinham a rigidez determinada no contrato.
Após ser alertada dos problemas pelo ministério, a Valec decidiu contratar uma empresa privada para realizar o serviço. A concorrência deve acontecer em maio.
A estatal também foi acusada pelo TCU de receber trechos da obra sem a devida fiscalização. Com isso, parte do que já estava pronto está sendo destruída pela ação do tempo, conforme a Folha publicou em junho de 2012.
Há defeitos construtivos que vão onerar para sempre quem administrar a ferrovia, o que vai encarecer o custo do frete. Um deles é que a plataforma onde os trilhos foram assentados tem tamanho menor que o necessário, aumentando, assim, o custo de manutenção da via.
O TCU encontrou outros defeitos, como má qualidade dos dormentes (madeira ou concreto onde são assentados os trilhos) e curvas fora das especificações, o que impedirá transitar na velocidade projetada, de 60 quilômetros por hora.
FORNECEDOR
Os trilhos da ferrovia Norte-Sul foram fornecidos pela Dismaf, que venceu as duas licitações para a compra, feitas em 2007 e 2009. Nos dois casos, ela adquiriu os trilhos da companhia chinesa Pangnang, uma das maiores empresas do ramo no mundo.
A Dismaf, de Brasília, disputa concorrências públicas em vários ramos. Pertence aos irmãos Basile e Alexandre Pantazis, que eram filiados ao PTB e ligados ao senador Gim Argello (PTB-DF).
A Valec tentou voltar a comprar trilhos para dois outros trechos ferroviários em construção --a Norte-Sul entre Goiás e São Paulo e a Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia. As duas tentativas foram barradas pelo TCU por indícios de irregularidades.
OUTRO LADO
A Dismaf, fornecedora dos trilhos da Norte-Sul, nega que tenha entregue material de baixa qualidade ou com defeitos para a Valec.
A empresa afirma que a Valec chegou a mandar representantes para a China para conhecer o processo de produção dos trilhos.
A Dismaf diz ainda possuir certificados de empresas no Brasil e no exterior sobre a qualidade de seu produto.
"Nunca recebemos carta da Valec nem de ninguém dizendo que há problemas nos trilhos", diz Basile Pantazis, dono da empresa, que colocou em dúvida a credibilidade da nota técnica do Ministério dos Transportes e atribuiu a sua realização a uma tentativa de concorrentes de prejudicar a empresa.
Em janeiro, a Dismaf ingressou com ação contra a Valec e a União, pedindo a realização de perícia judicial para constatar a qualidade dos trilhos fornecidos.
POLÍTICA
Sobre a sua relação com o PTB, Pantazis diz que ele e o irmão filiaram-se à legenda em 2005, a pedido do então deputado distrital Gim Argello, hoje senador.
Ele diz, no entanto, ter pedido desfiliação e negou que as relações políticas impulsionem a empresa.
"Nunca pedi nada ao Gim. Sou amigo de vários senadores, e nunca pedi nada a ninguém. Eu não preciso", disse, argumentando ainda que a Valec sempre foi controlada, nesse período, pelo PR.
O Ministério dos Transportes afirmou que, após a vistoria, determinou à Valec que tomasse providências para a execução das garantias.
A Valec informou que, após receber a informação do ministério, abriu licitação com o objetivo de contratar uma empresa para atestar a qualidade dos trilhos.
"Somente após o recebimento dos laudos (...) a Valec terá elementos concretos para falar em qualidade, garantia, defeitos, correções e possíveis penalidades às empresas fornecedoras do material", diz a estatal em nota.
Trilho chinês ruim reduz capacidade da ferrovia Norte-Sul; empresa nega
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DIMMI AMORA
BRENO COSTA
DE BRASÍLIA
Pelo menos 855 quilômetros da ferrovia Norte-Sul foram construídos com
trilhos de baixa qualidade, que reduzirão a quantidade de carga
transportada pela via e ameaçam a sua segurança.
BRENO COSTA
DE BRASÍLIA
A constatação é do Ministério dos Transportes, responsável pela obra, em relatório inédito obtido pela Folha. Para não chamar de moles os trilhos de aço importados da China, os técnicos que vistoriaram as obras afirmam no documento que o material tem "baixa dureza".
A falta de qualidade foi identificada mesmo sem a inauguração da via. Até agora, passaram pelos trilhos já assentados apenas trens transportando carregamentos da própria obra.
Os técnicos encontraram o aço com vários defeitos. Há partes se despedaçando e manchas que indicam que os trilhos podem trincar.
O relatório aponta que, caso a ferrovia estivesse funcionando com esses trilhos, os problemas levariam a uma redução de sua capacidade. Nessas condições, os trens não poderiam circular --por segurança-- na velocidade e com o peso projetados.
A previsão inicial do governo era que o trecho vistoriado da ferrovia, que vai de Anápolis (GO) a Palmas (TO), poderia estar transportando, já neste ano, cerca de 5 milhões de toneladas por mês --mais que o dobro do volume de soja que saiu de caminhão da região Centro-Oeste.
Andre Borges/Folhapress | ||
Trilhos chineses usados em trecho da ferrovia Norte-Sul; segundo relatório, material pode comprometer segurança da via |
Os trilhos desse trecho da Norte-Sul começaram a chegar da China em 2007. Em contratos que ainda são investigados por órgãos de controle, o governo já recebeu 151 mil toneladas (222 mil barras), ao custo de R$ 470 milhões. Parte dos trilhos segue depositada em um terreno, sem cobertura.
A chegada do material não foi precedida de uma fiscalização adequada pela Valec, responsável pela obra, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União). A estatal não fez as checagens para verificar se os trilhos tinham a rigidez determinada no contrato.
Após ser alertada dos problemas pelo ministério, a Valec decidiu contratar uma empresa privada para realizar o serviço. A concorrência deve acontecer em maio.
A estatal também foi acusada pelo TCU de receber trechos da obra sem a devida fiscalização. Com isso, parte do que já estava pronto está sendo destruída pela ação do tempo, conforme a Folha publicou em junho de 2012.
Há defeitos construtivos que vão onerar para sempre quem administrar a ferrovia, o que vai encarecer o custo do frete. Um deles é que a plataforma onde os trilhos foram assentados tem tamanho menor que o necessário, aumentando, assim, o custo de manutenção da via.
O TCU encontrou outros defeitos, como má qualidade dos dormentes (madeira ou concreto onde são assentados os trilhos) e curvas fora das especificações, o que impedirá transitar na velocidade projetada, de 60 quilômetros por hora.
FORNECEDOR
Os trilhos da ferrovia Norte-Sul foram fornecidos pela Dismaf, que venceu as duas licitações para a compra, feitas em 2007 e 2009. Nos dois casos, ela adquiriu os trilhos da companhia chinesa Pangnang, uma das maiores empresas do ramo no mundo.
A Dismaf, de Brasília, disputa concorrências públicas em vários ramos. Pertence aos irmãos Basile e Alexandre Pantazis, que eram filiados ao PTB e ligados ao senador Gim Argello (PTB-DF).
A Valec tentou voltar a comprar trilhos para dois outros trechos ferroviários em construção --a Norte-Sul entre Goiás e São Paulo e a Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia. As duas tentativas foram barradas pelo TCU por indícios de irregularidades.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
A Dismaf, fornecedora dos trilhos da Norte-Sul, nega que tenha entregue material de baixa qualidade ou com defeitos para a Valec.
A empresa afirma que a Valec chegou a mandar representantes para a China para conhecer o processo de produção dos trilhos.
A Dismaf diz ainda possuir certificados de empresas no Brasil e no exterior sobre a qualidade de seu produto.
"Nunca recebemos carta da Valec nem de ninguém dizendo que há problemas nos trilhos", diz Basile Pantazis, dono da empresa, que colocou em dúvida a credibilidade da nota técnica do Ministério dos Transportes e atribuiu a sua realização a uma tentativa de concorrentes de prejudicar a empresa.
Em janeiro, a Dismaf ingressou com ação contra a Valec e a União, pedindo a realização de perícia judicial para constatar a qualidade dos trilhos fornecidos.
POLÍTICA
Sobre a sua relação com o PTB, Pantazis diz que ele e o irmão filiaram-se à legenda em 2005, a pedido do então deputado distrital Gim Argello, hoje senador.
Ele diz, no entanto, ter pedido desfiliação e negou que as relações políticas impulsionem a empresa.
"Nunca pedi nada ao Gim. Sou amigo de vários senadores, e nunca pedi nada a ninguém. Eu não preciso", disse, argumentando ainda que a Valec sempre foi controlada, nesse período, pelo PR.
O Ministério dos Transportes afirmou que, após a vistoria, determinou à Valec que tomasse providências para a execução das garantias.
A Valec informou que, após receber a informação do ministério, abriu licitação com o objetivo de contratar uma empresa para atestar a qualidade dos trilhos.
"Somente após o recebimento dos laudos (...) a Valec terá elementos concretos para falar em qualidade, garantia, defeitos, correções e possíveis penalidades às empresas fornecedoras do material", diz a estatal em nota.
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