02/04/2014 - 06h00 | Patrícia Dichtchekenian | São Paulo
Busca por avião da Malaysia Airlines coloca em xeque poluição nos oceanos
Para oceanógrafo da USP, um dos desafios está na impossibilidade de quantificar lixo marinho em escala global
Nas últimas semanas, satélites internacionais têm detectado uma série de objetos flutuantes nas áreas onde são feitas as buscas do avião da Malaysia Airlines, que desapareceu no dia 8 de março no trajeto entre Kuala Lumpur e Pequim com 239 pessoas a bordo. Posteriormente, contudo, especialistas comprovaram que, em todos os casos, se tratavam de pistas falsas.
Para além da frustração que essas hipóteses errôneas resultam, os grandes objetos detectados são sinais visíveis de um problema muito maior. Isto é, as buscas pelos destroços da aeronave também levantam outro tipo de discussão, constantemente deixada de lado: a questão da poluição nos oceanos.
Os impactos ligados à presença do lixo no mar começaram a ser observados a partir da década de 1950. Um dos maiores problemas apontados pelos cientistas foi a substituição de materiais naturais pelos sintéticos - como o plástico - que resistem por mais tempo e se acumulam nos oceanos. De acordo com um relatório apresentado pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Ambiente) em 2009, os plásticos compõem cerca de 80% do lixo coletado no mar.
Efe
Mapa apresentado pelo governo da Austrália em 20 de março mostra onde foram encontrados objetos que possivelmente seriam do avião
“Essas pistas falsas da aeronave dão uma ideia de que há lixo no oceano, mas representam fragmentos grandes. Na verdade, 99,9% dos plásticos encontrados no oceano são extremamente pequenos. Ou seja, há muito mais lixo do que se imagina”, afirmou o Prof. Dr. Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), em entrevista a Opera Mundi. “O plástico sofre fragmentação pelo sol e vai se quebrando. Esse processo pode ser acelerado pelas ondas e ventos, fragmentando cada vez mais. Se nada de mais grave acontecer, o processo demora meses, senão semanas”, explicou.
Segundo dados levantados pelo Greenpeace em 2008, 80% do lixo do oceano vêm da terra e 20% em navios (cargueiros, pescas ou cruzeiros) ou plataformas. Além disso, cerca de 100 milhões de toneladas de plástico são produzidas todo ano e aproximadamente 10% acabam no ambiente marinho. Uma vez lá, as qualidades duradouras de plástico fazem com que o material permaneça no ecossistema ao longo de décadas, e como mais lixo se acumula, o cenário tende a ser extremamente negativo.
Apesar de os plásticos representarem 80% dos resíduos sólidos no mar, Turra aponta que sua tendência a flutuar facilita que seja mais visível nas pesquisas de campo científicas. “Por outro lado, há materiais mais pesados, como metais, que afundam. Isso dificulta quantificar a presença deles nos oceanos”, afirmou o pesquisador da USP. Daí um dos maiores desafios do lixo no oceano: se 99,9% dos plásticos são micropartículas e se muitos materiais acabam no fundo dos mares, é impossível quantificar o lixo presente no ambiente marinho.
Efe
Reprodução mostra onde 122 objetos foram encontrados no Oceano Índico por satélite<
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“O maior aterro do mundo está no oceano”
Apesar de não ser possível quantificar, há algumas zonas no oceano cuja concentração de lixo é impressionante. Exemplo disso é uma área localizada no Pacífico Norte conhecida como “Grande Giro do Pacífico”, localizada entre a Califórnia, o Havaí e o Japão. Trata-se de uma imensa mancha de lixo que se acumula em um dos giros (áreas em torno das quais se deslocam as correntes marinhas) existentes em todos os oceanos. Nessas zonas, os resíduos e detritos de plástico que chegam ali ficam retidos e se acumulam, formando enormes “lixões”.
Reprodução
Mapa apresenta cinco "giros" do planeta, áreas em torno das quais se deslocam as correntes marinhas, formando grandes manchas de lixo
Em um artigo intitulado “O maior aterro do mundo está no meio do oceano”, publicado para o PNUMA em 2002, o pesquisador e capitão Charles Moore afirmou que o maior problema do “Grande Giro do Pacífico” é que ele não representa apenas uma mancha de poluição, mas teria uma área do tamanho comparável ao Texas e se enche cada vez mais de lixo flutuante.
Segundo este relatório, os níveis de partículas de plástico triplicaram nos últimos dez anos e não seria um absurdo prever um aumento de dez vezes para a próxima década. Em suas pesquisas de campo, Moore apontou há 6 vezes mais micropartículas de plástico do que plâncton nos mares em que estudou. Há pelo menos cinco manchas semelhantes de lixo no Pacífico Sul, Atlântico Norte, Atlântico Sul e Índico, comprovando que não se trata de um problema local. “Antes de pensar em quantificar, o principal desafio mesmo é fazer com que a sociedade polua menos”, concluiu Turra.
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