Atualizado em
01/12/2012 00h04
(>>Trecho da reportagem de capa da edição de ÉPOCA desta semana)
Uma triste passagem de bastão marcou a política brasileira na semana
passada: saiu de cena um escândalo político; entrou outro. De um lado, o
Supremo Tribunal Federal fez história ao definir as penas dos
condenados do mensalão. Treze dos réus, incluindo o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu,
vão para a cadeia em tempo integral – uma rara ocasião na história
brasileira em que poderosos pagarão por seus crimes. De outro lado, uma
nova personagem irrompeu na cena política nacional: Rosemary Nóvoa de Noronha, ou Rose. Falando em nome de um padrinho político poderoso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
Rose trabalhou pela nomeação de vários afilhados no governo federal. Ao
se dirigir a diretores de empresas estatais ou órgãos do governo, Rose
frequentemente se apresentava como “namorada” do ex-presidente. Um dos
afilhados de Rose, Paulo Vieira, foi preso pela Polícia Federal (PF) na Operação Porto Seguro,
acusado de chefiar uma quadrilha que cobrava propinas de empresários,
em troca de pareceres jurídicos favoráveis em Brasília – fosse no
governo, nas agências reguladoras ou no Tribunal de Contas da União.
Rubens Vieira, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac),
irmão de Paulo e outro dos afilhados de Rose, também foi preso. Tão logo
o caso veio a público, na sexta-feira dia 23 de novembro, Rose foi
exonerada do cargo que exercia, como chefe do gabinete da Presidência em
São Paulo.
Como foi possível que Rose, uma simples secretária do PT, acumulasse tanto poder e prestígio, a ponto de influenciar nos rumos do governo federal – e causar tamanho salseiro? “A investigação demonstra que o poder de Rose advinha da relação dela com Lula. Não há elementos, entretanto, de que o ex-presidente soubesse disso ou tivesse se beneficiado diretamente do esquema”, afirma uma das principais autoridades que cuidaram do caso. “Lula cometeu o erro de deixar que essa secretária se valesse da íntima relação de ambos”, afirma um amigo do casal Lula e Dona Marisa. “Deveria ter cortado esse caso há muito tempo.” Os autos do processo, de que ÉPOCA obteve uma cópia integral, e entrevistas com os principais envolvidos revelam que:
1) Lula, ainda presidente da República, prestou – mesmo que não soubesse disso – três favores à quadrilha. Por influência de Rose, indicou os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira para a direção, respectivamente, da ANA e da Anac. Lula, chamado em e-mails de “chefão” ou “PR” por Rose, também deu um emprego no governo para a filha dela, Mirelle;
2) A quadrilha espalhou-se pelo coração do poder – e passou a fazer negócios. Os irmãos Vieira, aliados a altos advogados do PT que ocupavam cargos no governo, passaram a vender facilidades a empresários que dependiam de canetadas de Brasília;
3) Rose, gabando-se de sua relação com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela escolha do atual presidente do BB, Aldemir Bendine, indicou diretores (um deles a pedido de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado no caso do mensalão), intermediou encontros de empresários com dirigentes do BB e obteve um contrato para a empresa de construção de seu marido;
4) Despesas do procurador federal Mauro Hauschild, do PT, ex-chefe de gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e, depois, presidente do INSS, foram pagas pela quadrilha. É uma situação similar à do recém-demitido número dois da Advocacia-Geral da União (AGU), José Weber Holanda – que, segundo a PF, recebeu propina;
5) A PF, mesmo diante das evidências de que Rose era uma das líderes da quadrilha, optou por não investigá-la. Não pediu o monitoramento das comunicações de Rose e não quis detonar a Operação Porto Seguro no começo de setembro, quando a Justiça autorizara as batidas e prisões. Esperou até o fim das eleições municipais.
De acordo com o relato feito a ÉPOCA por um alto executivo que trabalhou na Companhia das Docas do Porto de Santos (Codesp), Rose evocava sua relação com Lula para fazer indicações e interferir, segundo seus interesses, nos negócios da empresa. Nessas ocasiões, diz o executivo, Rose se apresentava como “namorada do Lula”. “Ela jogava com essa informação, jogava com a fama”, diz ele.
Uma história contada por ele ilustra o estilo de atuação de Rose. Em 2005, uma funcionária da Guarda Portuária passou a dizer na Codesp que fora indicada para o cargo porque era amiga da “namorada do Lula”. O caso chegou ao conhecimento da direção do Porto de Santos. Um diretor repreendeu a funcionária e chegou a abrir uma sindicância para apurar o fato – e ela foi demitida. O executivo conta que, contrariada, Rose ligou para executivos para cobrar explicações e reafirmou o que a amiga havia dito: “Eu sou a namorada do Lula”. Os executivos acharam que ela blefava. “No começo, a gente não sabia que ela era tão forte”, diz um deles. No Porto, ela foi responsável pelas indicações de Paulo Vieira e do petista Danilo de Camargo, ligado ao grupo do ex-ministro José Dirceu no PT. Os dois passaram a atuar em parceria com Valdemar Costa Neto, o deputado pelo PR condenado à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do mensalão, responsável por indicar o presidente da Codesp.
Um dos interesses desse grupo era perdoar uma parcela da dívida da empresa transportadora Libra com a Codesp. O valor da dívida era de R$ 120 milhões. O acordo foi fechado no Ministério dos Transportes, então controlado pelo grupo ligado a Costa Neto, e contou com o aval de Camargo, presidente do Conselho de Administração. O PT de Santos, liderado pela ex-prefeita Telma de Souza, ficou revoltado com os termos do acordo e resolveu cobrar explicações de Camargo. Novamente Rose entrou em ação para defender os interesses da Libra, do PR de Costa Neto e de Paulo Vieira. Na ocasião, diz o alto executivo, ela evocou novamente o nome de Lula. Nos telefonemas que dava aos petistas contrários ao perdão da dívida, afirma ele, Rosemary sempre mencionava o então presidente.
Rose tem 57 anos, começou jovem na militância política e sua turma, dentro do PT, é uma turma das antigas. Seus principais interlocutores no partido, além de Lula, são Paulo Frateschi, secretário de organização do PT, e os já mencionados Camargo e Dirceu. Rose trabalhou como assessora de Dirceu nos anos 1990. Acompanhou de perto sua ascensão à presidência do PT. No total, foram 12 anos de parceria. Foi no período em que trabalhava com Dirceu que Rose conheceu Lula. Em fevereiro de 2003, com Lula no Planalto, Rose se tornou assessora especial do gabinete regional da Presidência em São Paulo. Em 2005, tornou-se chefe da unidade. Seu poder no partido foi crescendo. Ela fazia triagem informal dos currículos de candidatos a cargos do segundo escalão. Nessa época, começou a exercer influência também no Banco do Brasil. Rose trabalhou, de acordo com políticos e executivos do setor bancário, pela indicação de Aldemir Bendine para a presidência do BB.
A proximidade com Bendine permitiu que Rose, em 2009, conseguisse um emprego para José Cláudio Noronha, seu ex-marido. Noronha ganhou a vaga de suplente no Conselho de Administração da Aliança Brasil Seguros, atual Brasilprev. De acordo com as investigações da PF, Paulo Vieira forjou um diploma de curso superior para que Noronha cumprisse uma exigência da Brasilprev e assumisse a vaga. Em agosto do ano passado, o mandato de Noronha foi renovado.
Rose era também próxima de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado a oito anos e 11 meses de prisão no caso do mensalão. Os dois costumavam tomar café no Conjunto Nacional, centro comercial próximo ao prédio do gabinete da Presidência. A pedido de Delúbio, segundo executivos do BB, ela usou sua proximidade com Bendine para conseguir a nomeação de Édson Bündchen para a superintendência do BB em Goiás, em setembro passado.
Rose circulava tão bem no BB que pairava acima das disputas fratricidas entre seus diretores. Era próxima também de Ricardo Flores, ex-vice-presidente de crédito e ex-presidente da Previ, o bilionário fundo de pensão dos funcionários do banco. Flores e Bendine travaram embates corporativos constantes e são considerados inimigos. Isso nunca impediu Rose de se sentir segura para pedir favores a ambos. Em 25 de março de 2009, Rose pediu a Flores que examinasse um pedido de empréstimo de cerca de R$ 48 milhões da empresa Formitex. Era um desejo de Paulo Vieira – na época, ele ainda não era diretor da ANA. “Gostaria que encaminhasse esses dados técnicos ao Dr. Ricardo (Flores) e, se possível, conseguisse uma agenda para o Dr. César Floriano”, diz Paulo em e-mail para Rose que consta do inquérito policial. Floriano era um dos empresários que bancavam a quadrilha. Em 17 de agosto de 2009, Rose encaminha outro e-mail a Paulo em que pergunta se “aquele assunto do Flores foi resolvido”. Poucos minutos depois, Paulo responde: “As coisas com o Flores estão caminhando bem, ele tem sido muito legal e parece que vamos avançar bastante” (leia o e-mail abaixo).
De acordo com a investigação da PF, além do emprego para o ex-marido,
Rose usou seus contatos no BB para ajudar o atual, João Vasconcelos.
Documentos apreendidos pela polícia na casa de Rose, em São Paulo,
mostram que a construtora de Vasconcelos, a New Talent, obteve um
contrato de R$ 1,1 milhão – sem licitação – com a Cobra Tecnologia,
subsidiária do BB. Tratava-se de uma obra de adequação e reforma do novo
centro de impressão da empresa em São Paulo. Mais uma vez, Rose
recorreu a Paulo Vieira para forjar documentos. A Associação Educacional
e Cultural Nossa Senhora Aparecida, mantenedora da faculdade de
propriedade de Vieira em Cruzeiro, São Paulo, emitiu um falso atestado
de capacidade técnica para a New Talent conseguir o contrato com a
Cobra. Em maio de 2010, funcionários da Cobra encaminharam a Vasconcelos
o contrato com a New Talent.
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Rose e a sedução do poder
De onde vinha a influência de Rosemary de Noronha, a mulher que se apresentava como “namorada” de Lula – e, com isso, nomeava afilhados, interferia em órgãos do governo e recebia recompensas
(>>Trecho da reportagem de capa da edição de ÉPOCA desta semana)
Como foi possível que Rose, uma simples secretária do PT, acumulasse tanto poder e prestígio, a ponto de influenciar nos rumos do governo federal – e causar tamanho salseiro? “A investigação demonstra que o poder de Rose advinha da relação dela com Lula. Não há elementos, entretanto, de que o ex-presidente soubesse disso ou tivesse se beneficiado diretamente do esquema”, afirma uma das principais autoridades que cuidaram do caso. “Lula cometeu o erro de deixar que essa secretária se valesse da íntima relação de ambos”, afirma um amigo do casal Lula e Dona Marisa. “Deveria ter cortado esse caso há muito tempo.” Os autos do processo, de que ÉPOCA obteve uma cópia integral, e entrevistas com os principais envolvidos revelam que:
1) Lula, ainda presidente da República, prestou – mesmo que não soubesse disso – três favores à quadrilha. Por influência de Rose, indicou os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira para a direção, respectivamente, da ANA e da Anac. Lula, chamado em e-mails de “chefão” ou “PR” por Rose, também deu um emprego no governo para a filha dela, Mirelle;
2) A quadrilha espalhou-se pelo coração do poder – e passou a fazer negócios. Os irmãos Vieira, aliados a altos advogados do PT que ocupavam cargos no governo, passaram a vender facilidades a empresários que dependiam de canetadas de Brasília;
3) Rose, gabando-se de sua relação com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela escolha do atual presidente do BB, Aldemir Bendine, indicou diretores (um deles a pedido de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado no caso do mensalão), intermediou encontros de empresários com dirigentes do BB e obteve um contrato para a empresa de construção de seu marido;
4) Despesas do procurador federal Mauro Hauschild, do PT, ex-chefe de gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e, depois, presidente do INSS, foram pagas pela quadrilha. É uma situação similar à do recém-demitido número dois da Advocacia-Geral da União (AGU), José Weber Holanda – que, segundo a PF, recebeu propina;
5) A PF, mesmo diante das evidências de que Rose era uma das líderes da quadrilha, optou por não investigá-la. Não pediu o monitoramento das comunicações de Rose e não quis detonar a Operação Porto Seguro no começo de setembro, quando a Justiça autorizara as batidas e prisões. Esperou até o fim das eleições municipais.
De acordo com o relato feito a ÉPOCA por um alto executivo que trabalhou na Companhia das Docas do Porto de Santos (Codesp), Rose evocava sua relação com Lula para fazer indicações e interferir, segundo seus interesses, nos negócios da empresa. Nessas ocasiões, diz o executivo, Rose se apresentava como “namorada do Lula”. “Ela jogava com essa informação, jogava com a fama”, diz ele.
Uma história contada por ele ilustra o estilo de atuação de Rose. Em 2005, uma funcionária da Guarda Portuária passou a dizer na Codesp que fora indicada para o cargo porque era amiga da “namorada do Lula”. O caso chegou ao conhecimento da direção do Porto de Santos. Um diretor repreendeu a funcionária e chegou a abrir uma sindicância para apurar o fato – e ela foi demitida. O executivo conta que, contrariada, Rose ligou para executivos para cobrar explicações e reafirmou o que a amiga havia dito: “Eu sou a namorada do Lula”. Os executivos acharam que ela blefava. “No começo, a gente não sabia que ela era tão forte”, diz um deles. No Porto, ela foi responsável pelas indicações de Paulo Vieira e do petista Danilo de Camargo, ligado ao grupo do ex-ministro José Dirceu no PT. Os dois passaram a atuar em parceria com Valdemar Costa Neto, o deputado pelo PR condenado à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do mensalão, responsável por indicar o presidente da Codesp.
Um dos interesses desse grupo era perdoar uma parcela da dívida da empresa transportadora Libra com a Codesp. O valor da dívida era de R$ 120 milhões. O acordo foi fechado no Ministério dos Transportes, então controlado pelo grupo ligado a Costa Neto, e contou com o aval de Camargo, presidente do Conselho de Administração. O PT de Santos, liderado pela ex-prefeita Telma de Souza, ficou revoltado com os termos do acordo e resolveu cobrar explicações de Camargo. Novamente Rose entrou em ação para defender os interesses da Libra, do PR de Costa Neto e de Paulo Vieira. Na ocasião, diz o alto executivo, ela evocou novamente o nome de Lula. Nos telefonemas que dava aos petistas contrários ao perdão da dívida, afirma ele, Rosemary sempre mencionava o então presidente.
Rose tem 57 anos, começou jovem na militância política e sua turma, dentro do PT, é uma turma das antigas. Seus principais interlocutores no partido, além de Lula, são Paulo Frateschi, secretário de organização do PT, e os já mencionados Camargo e Dirceu. Rose trabalhou como assessora de Dirceu nos anos 1990. Acompanhou de perto sua ascensão à presidência do PT. No total, foram 12 anos de parceria. Foi no período em que trabalhava com Dirceu que Rose conheceu Lula. Em fevereiro de 2003, com Lula no Planalto, Rose se tornou assessora especial do gabinete regional da Presidência em São Paulo. Em 2005, tornou-se chefe da unidade. Seu poder no partido foi crescendo. Ela fazia triagem informal dos currículos de candidatos a cargos do segundo escalão. Nessa época, começou a exercer influência também no Banco do Brasil. Rose trabalhou, de acordo com políticos e executivos do setor bancário, pela indicação de Aldemir Bendine para a presidência do BB.
A proximidade com Bendine permitiu que Rose, em 2009, conseguisse um emprego para José Cláudio Noronha, seu ex-marido. Noronha ganhou a vaga de suplente no Conselho de Administração da Aliança Brasil Seguros, atual Brasilprev. De acordo com as investigações da PF, Paulo Vieira forjou um diploma de curso superior para que Noronha cumprisse uma exigência da Brasilprev e assumisse a vaga. Em agosto do ano passado, o mandato de Noronha foi renovado.
Rose era também próxima de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado a oito anos e 11 meses de prisão no caso do mensalão. Os dois costumavam tomar café no Conjunto Nacional, centro comercial próximo ao prédio do gabinete da Presidência. A pedido de Delúbio, segundo executivos do BB, ela usou sua proximidade com Bendine para conseguir a nomeação de Édson Bündchen para a superintendência do BB em Goiás, em setembro passado.
Rose circulava tão bem no BB que pairava acima das disputas fratricidas entre seus diretores. Era próxima também de Ricardo Flores, ex-vice-presidente de crédito e ex-presidente da Previ, o bilionário fundo de pensão dos funcionários do banco. Flores e Bendine travaram embates corporativos constantes e são considerados inimigos. Isso nunca impediu Rose de se sentir segura para pedir favores a ambos. Em 25 de março de 2009, Rose pediu a Flores que examinasse um pedido de empréstimo de cerca de R$ 48 milhões da empresa Formitex. Era um desejo de Paulo Vieira – na época, ele ainda não era diretor da ANA. “Gostaria que encaminhasse esses dados técnicos ao Dr. Ricardo (Flores) e, se possível, conseguisse uma agenda para o Dr. César Floriano”, diz Paulo em e-mail para Rose que consta do inquérito policial. Floriano era um dos empresários que bancavam a quadrilha. Em 17 de agosto de 2009, Rose encaminha outro e-mail a Paulo em que pergunta se “aquele assunto do Flores foi resolvido”. Poucos minutos depois, Paulo responde: “As coisas com o Flores estão caminhando bem, ele tem sido muito legal e parece que vamos avançar bastante” (leia o e-mail abaixo).
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