05/04/2013 22h43
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Atualizado em 05/04/2013 22h46
Às 6 horas do dia 7 de dezembro do ano passado, o britânico Michael
Misick foi preso por duas equipes da Polícia Federal no Aeroporto Santos
Dumont, no Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para São Paulo. Os policiais cumpriam ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. Dias antes, Lewandowski fora alertado pela Embaixada do Reino Unido
de que havia um mandado de prisão contra Misick, expedido pela Justiça
britânica nas diminutas Ilhas Turcos e Caicos, no Caribe. As 40 ilhas
que formam o pequeno arquipélago são um protetorado britânico do tamanho
de Belém, Pará, que vive do turismo em suas praias exuberantes. Misick,
natural de lá, foi primeiro-ministro das Ilhas entre 2003 e 2009. Ele
fugiu para o Brasil
há dois anos, depois que as autoridades britânicas descobriram que
cobrava propina de empresários interessados em abrir resorts nas Ilhas –
e pouco antes de a Justiça de lá mandar prendê-lo por corrupção e
formação de quadrilha. Misick, que tem uma fortuna avaliada em US$ 180
milhões, recebeu, de oito empresários, ao menos US$ 16 milhões em suas
contas nos Estados Unidos.
Em contrapartida, o governo que ele chefiava autorizou a construção de
resorts de luxo frequentados por famosos, como Bill Gates e Bruce
Willis.
O Reino Unido, valendo-se de um tratado de extradição assinado com o Brasil, pediu a Lewandowski, relator do processo, que devolvesse Misick às Ilhas Turcos e Caicos. Nesses casos, a lei prevê a prisão como primeira etapa da extradição, para assegurar que o estrangeiro não fuja – o que se cumpriu naquele dia no Aeroporto Santos Dumont. Para completar a extradição, bastava que, em seguida, o Reino Unido enviasse ao Brasil um pedido formal, repleto de assinaturas burocráticas, e documentos do processo contra Misick. O Reino Unido mandou a papelada, mas Lewandowski não mandou Misick para os ingleses. Mandou Misick para casa.
O caso de Misick, que era apenas inusitado, ficou estranho no começo de
fevereiro. No dia 6, apesar de um parecer contrário da
Procuradoria-Geral da República e da tradição do Supremo nesses casos,
Lewandowski, citando um atraso do Reino Unido no envio do pedido de
extradição ao Brasil, mandou soltar Misick. “Diante do descumprimento
das formalidades essenciais por parte do Estado Requerente (o Reino
Unido), previstas no tratado, para a manutenção da prisão do
extraditando, consigno que a expedição do competente alvará de soltura
em favor deste é medida que não pode ser postergada”, escreveu. Em
situações como essa, os ministros do Supremo, cientes dos labirintos da
burocracia de Brasília, costumam manter a prisão, concedendo novo prazo
às autoridades do país interessado. A inovação jurídica de Lewandowski
virou constrangimento diplomático dias depois, quando o Ministério da
Justiça repassou ao Supremo a papelada do Reino Unido – que fora
entregue ao Itamaraty no dia 28 de janeiro, antes de vencer o prazo de
60 dias, estabelecido no tratado entre os dois países. Os britânicos
agiram corretamente: o tratado prevê que a papelada seja entregue ao
Estado brasileiro, não à Suprema Corte. Pelo tratado, mesmo que o Reino
Unido tivesse entregado a papelada após o prazo, a extradição voltaria a
tramitar normalmente, assim que os documentos chegassem.
(Antes de continuar com o estranho caso, é importante fazer um parêntese. Misick contratara um advogado para defendê-lo no STF: Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado pelo PT de São Paulo. Seria um advogado para lá de comum, não fosse seu privilegiado acesso aos gabinetes de Brasília ocupados por petistas, sobretudo os petistas de São Paulo. Lewandowski, que é de São Bernardo do Campo, mesma cidade do ex-presidente Lula, foi nomeado para o Supremo com o apoio do PT paulista – o PT de Greenhalgh. Fecha parêntese.)
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Diante da descoberta de que o Reino Unido não havia sequer estourado o prazo, o que fez Lewandowski? Manteve sua decisão – e foi além. No dia 18, suspendeu o processo de extradição até que o Ministério da Justiça avaliasse um recurso de Greenhalgh, que pediu ao governo Dilma refúgio político a Misick. Nesse momento, Lewandowski inovou novamente. É, no mínimo, incomum que se suspenda uma extradição até que se esgotem todos os recursos de um refúgio. Quando chegou ao Brasil, ainda em 2011, Misick disse que estava sendo investigado por “lutar contra a ditadura britânica e pela independência” de Turcos e Caicos. Nada disse sobre os comprovantes de propina.
No ano passado, o refúgio foi negado pelo Conselho Nacional de Refugiados (Conare), o órgão do governo que decide sobre esses assuntos. Pelas leis brasileiras, se o Conare tivesse decidido que Misick merecia o refúgio, em virtude de uma perseguição política em seu país, o processo de extradição no Supremo seria extinto. Mas não foi o que aconteceu. Greenhalgh recorreu, então, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também do PT paulista, que poderia reverter a decisão do Conare. Embora tenha sido aconselhado por assessores a não dar o refúgio, Cardozo não tem prazo para decidir isso – o que pode garantir a liberdade de Misick indefinidamente. No célebre caso do refúgio do guerrilheiro Cesare Battisti, o italiano permaneceu preso não só após o Conare negar-lhe o refúgio, mas também depois que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, reviu essa decisão e lhe concedeu asilo político.
Na mesma decisão do dia 18 de fevereiro, Lewandowski aproveitou para
dizer por que soltara Misick: “A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal permite o afastamento dessa regra (a prisão) em casos
excepcionalíssimos”. O que torna o caso de Misick excepcionalíssimo?
Lewandowski não explica. Diz apenas que “a prisão (...) para fins de
extradição também se submete aos princípios da necessidade,
razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser avaliada, caso a caso, a
necessidade de sua imposição”. Lewandowski determinou, contudo, que
Misick entregasse o passaporte à Justiça, proibiu-o de deixar o Estado
de São Paulo e lhe impôs visitas semanais a um juiz. Dias depois, a
Procuradoria-Geral da República pediu a Lewandowski que reconsiderasse
essa decisão e mandasse prender Misick novamente. Em vão. “O pedido (de extradição)
foi formalizado, não há excesso de prazo, pois o processo de extradição
recém teve início, não se vislumbra prescrição nem deficiência na
documentação apresentada (pelo Reino Unido). Não há notícia de que (Misick) tenha
algum problema de saúde”, diz a Procuradoria-Geral da República,
argumentando também que o pedido de refúgio não é motivo para manter
Misick solto. O governo do Reino Unido também recorreu. Os britânicos
temem que Misick fuja. “A simples retenção do passaporte e a obrigação
de se apresentar à Justiça a cada sete dias não são medidas bastante
efetivas”, dizem, em petição, os advogados do Reino Unido. Procurado, o
advogado que representa o Reino Unido no STF, Antenor Madruga, não quis
se pronunciar.
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Lewandowski diz que a atuação de Greenhalgh não fez diferença no caso: “Recebi Greenhalgh como recebo todos os advogados. Recebi também as autoridades britânicas”. O ministro diz que o entendimento do Supremo sobre a prisão em casos de extradição está mudando. “Um indivíduo não pode ficar preso indefinidamente, sem prazo. Isso é inconcebível. É preciso respeitar as garantias individuais”, diz Lewandowski. “Entre mantê-lo preso indefinidamente e soltá-lo, optei por um caminho intermediário. Ele está confinado ao Estado de São Paulo e sob vigilância da Polícia Federal.” Será? “Não estamos monitorando se Misick cumpre as obrigações estabelecidas pelo STF. Ficamos de olho em qualquer notícia sobre ele, já que ele está no Cadastro de Procurados da Interpol, mas não o monitoramos tão de perto”, diz o delegado da PF Orlando Nunes, um dos chefes da Interpol no Brasil.
A preocupação humanista de Lewandowski é recente. Há três anos, ele aceitou um pedido da Polônia para prender o comerciante Krzysztof Dechton, que emigrara para o Brasil havia dez anos, era casado com uma brasileira e tinha com ela um filho de 3 anos. Dechton era acusado pelo governo polonês de ter falsificado documentos para obter um empréstimo que lhe permitisse comprar um computador e uma impressora. O polonês foi preso na véspera do Natal. Na mesma época, a Polônia enviou pedidos de extradição semelhantes ao mundo inteiro – havia pedidos de extradição por furto de barras de chocolate e de celular. Nesse caso, Lewandowski foi duro: “(Dechton) tem a personalidade voltada para a prática reiterada de crimes, tendo buscado, no Brasil, refúgio para garantir sua impunidade. A prisão faz-se necessária, também, pois, como se percebe dos autos, o cidadão estrangeiro evadiu-se logo após a prática dos delitos, de modo que não se pode esperar que, solto, aguardará o julgamento, seja qual for a decisão, ao final, tomada por esta Suprema Corte”. O polonês ficou preso numa cela comum em Salvador, na Bahia, até que a Polônia desistisse de formalizar o pedido de extradição. A prisão do polonês durou quatro meses. Seu advogado não era o petista Luiz Eduardo Greenhalgh.
Atualizado em 05/04/2013 22h46
O estranho caso do inglês que Lewandowski mandou prender e depois soltar
O britânico Michael Misick foi detido pela Polícia Federal no aeroporto do Rio de Janeiro quando tentava embarcar para São Paulo
O Reino Unido, valendo-se de um tratado de extradição assinado com o Brasil, pediu a Lewandowski, relator do processo, que devolvesse Misick às Ilhas Turcos e Caicos. Nesses casos, a lei prevê a prisão como primeira etapa da extradição, para assegurar que o estrangeiro não fuja – o que se cumpriu naquele dia no Aeroporto Santos Dumont. Para completar a extradição, bastava que, em seguida, o Reino Unido enviasse ao Brasil um pedido formal, repleto de assinaturas burocráticas, e documentos do processo contra Misick. O Reino Unido mandou a papelada, mas Lewandowski não mandou Misick para os ingleses. Mandou Misick para casa.
(Antes de continuar com o estranho caso, é importante fazer um parêntese. Misick contratara um advogado para defendê-lo no STF: Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado pelo PT de São Paulo. Seria um advogado para lá de comum, não fosse seu privilegiado acesso aos gabinetes de Brasília ocupados por petistas, sobretudo os petistas de São Paulo. Lewandowski, que é de São Bernardo do Campo, mesma cidade do ex-presidente Lula, foi nomeado para o Supremo com o apoio do PT paulista – o PT de Greenhalgh. Fecha parêntese.)
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Diante da descoberta de que o Reino Unido não havia sequer estourado o prazo, o que fez Lewandowski? Manteve sua decisão – e foi além. No dia 18, suspendeu o processo de extradição até que o Ministério da Justiça avaliasse um recurso de Greenhalgh, que pediu ao governo Dilma refúgio político a Misick. Nesse momento, Lewandowski inovou novamente. É, no mínimo, incomum que se suspenda uma extradição até que se esgotem todos os recursos de um refúgio. Quando chegou ao Brasil, ainda em 2011, Misick disse que estava sendo investigado por “lutar contra a ditadura britânica e pela independência” de Turcos e Caicos. Nada disse sobre os comprovantes de propina.
No ano passado, o refúgio foi negado pelo Conselho Nacional de Refugiados (Conare), o órgão do governo que decide sobre esses assuntos. Pelas leis brasileiras, se o Conare tivesse decidido que Misick merecia o refúgio, em virtude de uma perseguição política em seu país, o processo de extradição no Supremo seria extinto. Mas não foi o que aconteceu. Greenhalgh recorreu, então, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também do PT paulista, que poderia reverter a decisão do Conare. Embora tenha sido aconselhado por assessores a não dar o refúgio, Cardozo não tem prazo para decidir isso – o que pode garantir a liberdade de Misick indefinidamente. No célebre caso do refúgio do guerrilheiro Cesare Battisti, o italiano permaneceu preso não só após o Conare negar-lhe o refúgio, mas também depois que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, reviu essa decisão e lhe concedeu asilo político.
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Lewandowski diz que a atuação de Greenhalgh não fez diferença no caso: “Recebi Greenhalgh como recebo todos os advogados. Recebi também as autoridades britânicas”. O ministro diz que o entendimento do Supremo sobre a prisão em casos de extradição está mudando. “Um indivíduo não pode ficar preso indefinidamente, sem prazo. Isso é inconcebível. É preciso respeitar as garantias individuais”, diz Lewandowski. “Entre mantê-lo preso indefinidamente e soltá-lo, optei por um caminho intermediário. Ele está confinado ao Estado de São Paulo e sob vigilância da Polícia Federal.” Será? “Não estamos monitorando se Misick cumpre as obrigações estabelecidas pelo STF. Ficamos de olho em qualquer notícia sobre ele, já que ele está no Cadastro de Procurados da Interpol, mas não o monitoramos tão de perto”, diz o delegado da PF Orlando Nunes, um dos chefes da Interpol no Brasil.
A preocupação humanista de Lewandowski é recente. Há três anos, ele aceitou um pedido da Polônia para prender o comerciante Krzysztof Dechton, que emigrara para o Brasil havia dez anos, era casado com uma brasileira e tinha com ela um filho de 3 anos. Dechton era acusado pelo governo polonês de ter falsificado documentos para obter um empréstimo que lhe permitisse comprar um computador e uma impressora. O polonês foi preso na véspera do Natal. Na mesma época, a Polônia enviou pedidos de extradição semelhantes ao mundo inteiro – havia pedidos de extradição por furto de barras de chocolate e de celular. Nesse caso, Lewandowski foi duro: “(Dechton) tem a personalidade voltada para a prática reiterada de crimes, tendo buscado, no Brasil, refúgio para garantir sua impunidade. A prisão faz-se necessária, também, pois, como se percebe dos autos, o cidadão estrangeiro evadiu-se logo após a prática dos delitos, de modo que não se pode esperar que, solto, aguardará o julgamento, seja qual for a decisão, ao final, tomada por esta Suprema Corte”. O polonês ficou preso numa cela comum em Salvador, na Bahia, até que a Polônia desistisse de formalizar o pedido de extradição. A prisão do polonês durou quatro meses. Seu advogado não era o petista Luiz Eduardo Greenhalgh.
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