O Rio de Janeiro x As viúvas pensionistas
Grupo entra na Justiça para elevar valor de salário de R$ 25 mil para R$ 45 mil
RAPHAEL GOMIDE
20/01/2014 07h00
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Dinheiro nunca é demais. Um grupo de 57 viúvas de fiscais de renda
recebe pensões integrais de seus maridos mortos – uma quantia nada
desprezível, em torno de R$ 25 mil mensais. Mas elas querem mais. O
grupo entrou na Justiça para elevar esse valor para R$ 45 mil, criando
para o Estado uma despesa extra de R$ 100 milhões. Elas invocam uma lei
criada e revogada depois da morte dos funcionários com os quais foram
casadas. A lei, de 1990, não existia quando elas se tornaram viúvas e
foi declarada inconstitucional há 14 anos.
A lei que inspirou a ação na Justiça determinou, na prática, que as
viúvas passariam a contar com praticamente o dobro da renda dos fiscais
mortos – desde que tivesse sido descontado de seus rendimentos o valor
necessário à composição de um fundo destinado à pensão extra. Os fiscais
contribuíram? “Nenhum dos 57 fiscais de renda (os personagens da ação)
jamais contribuiu com 1 centavo sequer para o referido fundo, por
razões bastante óbvias: todos haviam morrido quando surgiu a lei que
criou a própria pensão extra”, afirma a Procuradoria-Geral do Estado,
num recurso enviado ao Tribunal de Justiça (TJ). Quando o assunto é
pensão a dependentes de funcionários públicos, sempre vale a regra
vigente até a data da morte do servidor. Algumas das viúvas que buscam
mais dinheiro na Justiça perderam seus maridos nos anos 1960 e 1970.>> As filhas de servidores que ficam solteiras para ter direito a pensão do Estado
As viúvas desses funcionários chegaram a receber a segunda pensão por 15 anos, entre 1997 e 2012. Isso custou aos cofres do Rio de Janeiro nada menos que R$ 200 milhões nesse período. Em 1999, a lei foi declarada inconstitucional – e a pensão especial extinta. O Estado do Rio contestou os pagamentos às viúvas com uma ação na Justiça, em que argumentou que a “vultosa quantia, por direito, pertence a todos os contribuintes do Estado do Rio de Janeiro, e não só àqueles que são parentes de fiscais de renda”. Levou 13 anos até que, em 2012, uma decisão da desembargadora Leila Mariano, atualmente presidente do Tribunal de Justiça do Rio, suspendeu os benefícios. As pensões especiais deixaram de ser pagas às 57 viúvas, que não se deram por vencidas. Recorreram para manter os pagamentos suspensos, além de reclamar valores anteriores a 1997 não pagos. Desde 2012, o dinheiro extra continua brotando dos cofres fluminenses, mas depositado em juízo, à espera da decisão final do Tribunal de Justiça. Que deverá determinar nos próximos dias o destino dessa fortuna – hoje na casa dos R$ 100 milhões.
Os cerca de R$ 25 mil por mês pagos normalmente pelo Rioprevidência às dependentes dos fiscais equivalem ao valor integral do salário dos funcionários mortos. Com os devidos cortes, elas recebem o salário máximo pago ao funcionalismo público do Rio de Janeiro. A segunda pensão está abaixo do teto estadual (R$ 21.800) e, caso seja considerada legal pelo TJ, se somará integralmente à renda bruta dessas dependentes e a levará a R$ 45 mil. O custo adicional para o Estado: R$ 1,1 milhão por mês.
A decisão está nas mãos dos 25 desembargadores mais antigos do TJ. A votação já começou, e as viúvas saíram perdendo. O primeiro placar parcial registrou 13 votos a 4 a favor do Estado, contra a pensão extra. Como esse é o país do futebol, até a Justiça é uma caixinha de surpresas – e ninguém pode cantar vitória antes do apito final. Em dezembro, o desembargador Antonio Eduardo Ferreira Duarte, declarado impedido por suspeição no caso das viúvas, pediu vistas do processo. Ele argumentou que seu impedimento fora um erro burocrático do tribunal e conseguiu voltar a participar da votação.
Os fiscais de renda são uma das categorias mais bem pagas do Estado do Rio de Janeiro. Um levantamento dos salários de sete auditores da Associação dos Fiscais de Rendas do Estado, feito por ÉPOCA no portal transparência do governo do Rio, mostra que os rendimentos mensais são de R$ 26.993 brutos, em média – o valor líquido é limitado pelo teto constitucional. O escritório Gouvêa Advogados Associados defende várias pensionistas e obteve inicialmente os benefícios. Para a advogada Luciana Gouvêa, suas clientes conquistaram o direito às pensões. “O Estado passou a contestar a forma como foram constituídas as pensões até suspendê-las. É absurdo, não podiam mais tratar disso, já estava fechado. São senhoras, algumas já beirando 100 anos, e está faltando dinheiro. Mesmo que elas já tenham a pensão do Rioprevidência, contavam com aquilo no orçamento.” Coisas do Brasil.
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