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• atualizado às 11h10
Onda pró-golpe é ato de 'nostálgicos', diz Comissão da Verdade
Coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, teme que Forças Armadas soneguem informações e duvida que parte dos documentos tenham sido destruídos
Diante da proliferação de grupos de direita que defedem a
ditadura militar (1964 - 1985) e que agora disseminam uma nova onda de
ações em prol de uma intervenção no País, o coordenador da Comissão
Nacional da Verdade, Pedro Dallari, apontou, em entrevista ao exclusiva
ao Terra, que a democracia brasileira está mais madura e
não vê risco que essa movimentação se fortaleça. “Fora alguns
nostálgiscos, não vejo no Brasil nenhuma força expressiva ou nenhum tipo
de grupo social mais relevante que defenda a ruptura da ordem
democrática”, afirma Dallari. Entre os "nostálgicos", o advogado que
atualmente lidera o colegiado, indica como exemplo o deputado federal
Jair Bolsonaro (PP-RJ). Para ele, o movimento não tem força dentro dos
partidos ou de lideranças mais consistentes para preocupar.
A preocupação Dallari está concentrada na liberação de
documentos por parte das Forças Armadas. São os centros de informações
da Aeronáutica, Marinha e Exército que guardam as memórias da repressão
política praticada durante os 21 anos de ditatura militar no Brasil, uma
documentação crucial para trazer à tona a verdade sobre a política de
extermínio de adversários do regime. Os “arquivos secretos da ditatura”,
no entanto, ainda são classificados como secretos ou ultrassecretos e
seu acesso não é permitido a grupos civis.
Esse sistema fechado se mostra como um aparente
empecilho para os trabalhos da Comissão, que tem a missão de apurar as
violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Dallari
duvida que que parte significativa dos dados tenham sido destruídas,
conforme declações das Forças Armadas.
Um acordo de cooperação com o Ministério da Defesa daria
aos comissionados acesso a documentos dos arquivos dos centros de
informação da Aeronáutica (Cisa), do Exército (CIEx) e da Marinha
(Cenimar). Entretanto, não existe acesso direto e a Comissão precisa da
intermediação dos militares para conseguir acesso a determinados
documentos.
Mesmo com os empecilhos, Dallari diz acreditar que o
prazo (já estendido) de dois anos e meio são suficientes para a execução
dos trabalhos. “A Comissão não começou do zero”, afirma, acrescentando
que “ela também não esgotará todo o tema.” O relatório final da Comissão
deverá vir a público no dia 10 de dezembro deste ano, quando se
comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Terra - O relatório final da comissão deveria
ficar pronto em dois anos, mas o prazo foi estendido para o fim deste
ano. Ainda houve algumas divergências entre os comissionados com
substituições. O tempo para investigar a “verdade” de quatro décadas é
suficiente?
Dallari - A Comissão não começou do
zero. Ela se valeu de um vasto trabalho de investigação que já vinha
sendo feito e que continua a ser feito por universidades, organizações
sociais, pelo próprio poder público... E ela também não esgotará todo o
tema. Agora, ela representará – e o relatório dela refletirá isso – um
avanço muito significativo. Primeiro, se avançará muito na descoberta
de informações, então a comissão contribuirá para robustecer o quadro
informativo. E um outro aspecto importante é que o relatório não só
refletirá um avanço nas investigações, mas sistematizará, a meu ver,
todo um conjunto de informações disponíveis sobre as graves violações de
direitos humanos no período investigado. Mesmo aquelas que não foram
produzidas pela comissão.
Eu confesso que eu tenho muita dúvida se esses documentos foram efetivamente destruídos
Pedro Dallari
Coordenador da Comissão da Verdade
Terra - A lei que criou a CNV incumbiu o grupo
de investigar violações de direitos entre 1946 e 1988. Há muito material
investigado fora do período da ditadura militar ou esse período de 1964
a 1985 tende mesmo a ser o foco das investigações?
Dallari - É evidente que a natureza
ditatorial do regime de 64 acabou criando essas condições para a
expansão desse quadro de violação. Então, vamos investigar o período
todo, porque nós estamos submetidos à lei. A lei pede que a gente
investigue de 1946 a 1988 e nós os estamos fazendo. Mas é claro que
identifica, não por opção nossa, mas pela evidência dos fatos que esse
quadro de violações se agudizou, se acentuou, se intensificou e foi
muito mais expressivo no período correspondente ao regime ditatorial.
Terra - Informações importantes sobre violações
de direitos humanos estão retidas nos arquivos dos centros de
informações das Forças Armadas. Não ter acesso integral a esse material
pode comprometer o relatório final da Comissão?
Dallari - Nós temos tido acesso aos
documentos existentes. Ou seja, na medida em que a Comissão solicite
documentos, as forças armadas têm nos dado. E designaram representantes
oficiais para fazerem essa ligação com a Comissão Nacional da Verdade. O
problema que se coloca é que as Forças Armadas alegam que um grande
número de documentos foi destruído. Muitos documentos teriam sido
destruídos e, portanto, eles não dispõem desses documentos. Aí reside o
problema. Não é que as forças armadas soneguem informações. O problema
está no que eles dizem que não têm mais, porque foi destruído.
Não vejo nenhum partido político expressivo, não vejo
nenhuma liderança social política de envergadura defendendo a ruptura da
ordem democrática
Pedro Dallari
Terra - Os senhores acreditam nessa versão?
Dallari - Eu confesso que eu tenho
muita dúvida se esses documentos foram efetivamente destruídos. As
Forças Armadas brasileiras têm uma longa história, têm um padrão de
organização excelente, é uma referência. Eu viajo muito pela América
Latina e constato como as Forças Armadas brasileiras são uma referência
do ponto de vista de organização, de método... Portanto, eu não acredito
que esses documentos tenham sido destruídos. Não me parece compatível
com o padrão de organização das Forças Armadas. Aí sim, reside um
problema do relacionamento da Comissão Nacional da Verdade com as Forças
Armadas.
Terra - Os arquivos então continuam fechados e os senhores se utilizam de mediação...
Dallari - Nós documentamos, pedimos. Há
um bom relacionamento. Eu sou muito cuidadoso nisso para não haver
confusão. Não há um problema de relacionamento. A gente telefona e eles
atendem. Mandamos ofício e funciona. O problema é a posição que eles
assumem de que uma grande parte desse quadro foi destruída. Esse é o
problema. E não é um problema de relacionamento, mas de posição
institucional das Forças Armadas.
Terra - Depois de instalada, a Comissão Nacional
da Verdade já expressou essa preocupação ao ministro da Defesa, Celso
Amorim, ou outras autoridades competentes?
Dallari - Em uma entrevista coletiva em
Brasília, nós pedimos às Forças Armadas que instaurassem comissões de
sindicância para investigação da história jurídico-administrativa de
sete dos principais centros de tortura. Temos demandado, sim, nos
posicionando em relação a isso de maneira transparente.
Não é um problema de relacionamento, mas de posição institucional das Forças Armadas
Pedro Dallari
Terra - O senhor acredita que novas informações
sobre o período ditatorial, bem como o fato de o tema voltar a debate
pode fortalecer a democracia brasileira? De que maneira?
Dallari - Eu acredito fortemente nisso.
Eu acho que a Comissão e o relatório têm muita importância por duas
razões. De um lado, porque ajudará na realização do direito que toda
sociedade tem à memória e à verdade. Isso, por si só, já que um grande
ganho para a democracia. A sociedade que conhece sua memória se protege
mais de violações à democracia. Agora eu acho que outro aspecto
importante será mostrar que esse quadro de quadro grave de violações de
direitos humanos não foi suficientemente denunciado gera efeitos até
hoje.
Terra - Quais, por exemplo?
Dallari - Eu chamo atenção, por
exemplo, para a falta de maior consistência do Estado brasileiro no
enfrentamento do tema da tortura, que ainda é um elemento presente na
prática policial, por exemplo. Sequestros, torturas como métodos de ação
da segurança pública ainda ocorrem no Brasil. O caso (do pedreiro) Amarildo (Souza, detido pela Polícia do Rio e desaparecido desde então)
reproduz o que foi o padrão da época da ditadura, que é a detenção de
uma pessoa, o seu desaparecimento e a ocultação do cadáver. Eu tenho
para mim que a Comissão, ao expor de maneira mais sistemática a
informação estará contribuindo para que se supere os resquícios que
ainda existem na sociedade brasileira dessas práticas.
Terra - Tendo em vista que os senhores se
debruçam bastante sobre o período ditatorial e também sobre o intervalo
democrático entre regimes autoritários (de 1946 a 1964), é possível
dizer que a democracia atual é mais sólida e estável?
Dallari - Sem dúvidas. O quadro
democrático instaurado em 1985, confirmado com a Constituição de 1988,
representa um amadurecimento em relação ao período democrático anterior,
de 46 a 64, assim como aquele representou um amadurecimento em relação
aos períodos democráticos que o antecederam. O País amadureceu. O País
hoje tem um quadro institucional mais sólido.
Sequestros, torturas como métodos de ação da segurança pública ainda ocorrem no Brasil
Pedro Dallari
Terra - Como o senhor vê o surgimento atual de
grupos de direita que fazem manifestações em prol de valores
tradicionais? Surpreende o senhor, se levado em consideração que o País
viveu sob uma ditadura de direita por mais de vinte anos?
Dallari - Fora alguns nostálgicos, não
vejo no Brasil nenhuma força expressiva ou nenhum tipo de grupo social
mais relevante que defenda a ruptura da ordem democrática. Eu vejo uma
ou outra fala isolada. É o deputado Bolsonaro na Câmara dos Deputados,
mas eu não vejo nenhum partido político expressivo, não vejo nenhuma
liderança social política de envergadura defendendo a ruptura da ordem
democrática. Nesse ponto, eu acho que o quadro do Brasil é muito
tranquilo, muito consolidado. O que há são manifestações de defesa do
aperfeiçoamento da ordem democrática, mas isso é saudável.
O País amadureceu. O País hoje tem um quadro institucional mais sólido
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